Presidente do Estudiantes, Juan Sebastián Verón, faz duras críticas ao modelo financeiro insustentável dos clubes argentinos e defende a abertura para investimentos de capital privado como única saída.
O ex-jogador e atual presidente do Estudiantes, Juan Sebastián Verón, em uma recente entrevista à Bloomberg Línea, expôs um cenário alarmante para o futebol argentino. Ele apontou para o endividamento crônico que assola a maioria dos clubes, a incapacidade de competir financeiramente com ligas vizinhas, como a brasileira — citando o Flamengo como exemplo de sucesso —, e a urgente necessidade de capital. Verón propôs a adoção das Sociedades Anônimas Desportivas (SADs), modelo de capital privado, como a principal ferramenta para garantir a sustentabilidade e a recuperação da competitividade do futebol no país.
Contexto
A visão de Juan Sebastián Verón não é isolada, mas ressoa com uma preocupação crescente entre dirigentes e analistas do esporte na Argentina. O país, conhecido por sua paixão pelo futebol e por ser um berço de talentos globais, enfrenta há anos um desafio estrutural que o afasta dos grandes centros do futebol mundial em termos financeiros. O modelo de associação civil, predominante entre os clubes argentinos, limita a captação de recursos externos e perpetua um ciclo de endividamento.
Verón, uma figura icônica que marcou época tanto nos gramados quanto agora na gestão do Estudiantes, usa sua própria experiência e visão de negócios para fundamentar suas críticas. Ele, que investiu milhões em um complexo esportivo nos Estados Unidos, vê de perto as possibilidades que o capital privado pode oferecer. Esse contraste entre seu próprio empreendimento e a realidade estagnada do futebol argentino serve como um pano de fundo potente para seu discurso, destacando a disparidade de oportunidades e a necessidade de modernização.
A principal queixa de Verón, conforme suas declarações à Bloomberg Línea, é a falta de competitividade. Ele observa que clubes argentinos já não conseguem reter seus principais atletas e tampouco competir por grandes contratações no mercado sul-americano, especialmente quando comparados aos clubes brasileiros. O Flamengo é frequentemente citado como um benchmark, não apenas por seus títulos, mas pela sua capacidade financeira e estrutura de gestão que, mesmo sem ser uma SAF, demonstrou ser altamente eficaz na atração de receitas e na montagem de elencos estrelados.
Impactos da Decisão
A proposta de Juan Sebastián Verón de abrir o futebol argentino para o capital privado, através da implementação das SADs, representa uma mudança paradigmática que pode ter vastos impactos. Economicamente, a entrada de investidores externos poderia injetar o capital tão necessário para sanear as finanças dos clubes, quitar dívidas acumuladas, modernizar infraestruturas e, crucialmente, investir na formação de jogadores e na montagem de elencos mais competitivos. Isso, em tese, elevaria o nível técnico e comercial da liga.
No entanto, a discussão sobre a adoção das SADs na Argentina é complexa e carregada de implicações políticas e sociais. Historicamente, os clubes argentinos são instituições com forte apelo popular, geridos como associações civis onde os sócios detêm o poder de decisão. A ideia de “vender” o clube para investidores privados encontra forte resistência de setores tradicionalistas, que veem na privatização uma descaracterização da essência do futebol, temendo que o lucro se sobreponha à paixão e à identidade do torcedor.
A experiência de ligas como a brasileira, com a adoção das SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol), serve de espelho para o debate. Clubes como Botafogo, Cruzeiro e Vasco passaram por esse processo, com resultados variados. Enquanto alguns mostram sinais de recuperação e crescimento, outros enfrentam desafios na transição e na gestão sob o novo modelo. A Argentina observa esses movimentos com atenção, buscando entender os acertos e erros antes de qualquer passo definitivo. A crítica de Verón, portanto, não é apenas um lamento, mas um catalisador para uma discussão urgente sobre o futuro do esporte no país.
A Batalha Cultural e Financeira
A resistência à mudança é um dos maiores obstáculos. Muitos argumentam que a alma dos clubes argentinos reside na sua governança democrática e na forte ligação com a comunidade local. A introdução de SADs, embora prometa estabilidade financeira, pode ser vista como uma ameaça a essa cultura. O desafio reside em encontrar um equilíbrio entre a injeção de capital e a preservação dos valores e identidades que tornam o futebol argentino único.
Além disso, o cenário de endividamento crônico, que Verón tão veementemente critica, não é um fenômeno recente. Muitos clubes operam no limite, dependendo de vendas de jogadores para equilibrar as contas, um ciclo insustentável a longo prazo. A incapacidade de competir com o mercado brasileiro, que tem atraído cada vez mais talentos, é um sintoma claro dessa fragilidade. A adoção de SADs poderia, teoricamente, quebrar esse ciclo vicioso, permitindo investimentos de longo prazo em infraestrutura e planejamento estratégico.
Próximos Passos
O futuro do futebol argentino pende sobre a balança da decisão. As declarações de Juan Sebastián Verón amplificam um debate que, embora latente, precisa ser enfrentado com seriedade. É provável que nos próximos meses e anos, a pressão por reformas estruturais aumente, impulsionada tanto pela necessidade econômica quanto pela busca por maior competitividade esportiva. A Associação do Futebol Argentino (AFA) terá um papel crucial em mediar essa discussão e, eventualmente, em formular políticas que permitam a entrada de capital privado de forma regulamentada e benéfica para o esporte.
Um dos cenários possíveis é a adoção gradual de modelos híbridos, que permitam a coexistência de associações civis e SADs, ou a implementação de regulamentações que protejam a identidade dos clubes mesmo com a entrada de investidores. Outra possibilidade é que a resistência tradicional prevaleça, mantendo o status quo, o que, segundo a visão de Verón, poderia levar o futebol argentino a um ponto de não-retorno em termos de sua relevância no cenário sul-americano e global.
A urgência de encontrar uma solução é sublinhada pela rápida evolução de outras ligas. O sucesso financeiro e esportivo do Flamengo, e o movimento de profissionalização no Brasil com as SAFs, servem de lembrete constante de que a inércia pode custar caro. O debate sobre SADs e investimento privado não é apenas sobre dinheiro, mas sobre o futuro da paixão argentina pelo futebol e sua capacidade de continuar produzindo e retendo os talentos que sempre a caracterizaram.
Desafios na Implementação
A implementação de SADs não seria isenta de desafios. Além da resistência cultural, haveria a necessidade de um arcabouço legal robusto para garantir a transparência, proteger os interesses dos clubes e dos torcedores, e atrair investidores sérios. A fiscalização e a governança seriam fundamentais para evitar que o modelo se torne uma porta para a especulação financeira em detrimento do desenvolvimento esportivo.
Ainda não há um cronograma oficial para a discussão ou implementação de tais mudanças em nível nacional, mas as vozes como a de Verón certamente catalisam o processo. O pré-acordo mencionado entre o Estudiantes e Foster Gillett, embora não especificado como uma SAD completa, indica um interesse preexistente em modelos de gestão que buscam capital externo e gestão profissionalizada, sinalizando um caminho que alguns clubes já consideram trilhar independentemente da decisão geral da liga. Este é um momento decisivo para o esporte na Argentina, que precisa conciliar sua rica história e cultura com as exigências do futebol moderno e globalizado.
Fonte:
GE/Globo – Presidente do Estudiantes, Verón critica nível do futebol argentino: “chegou ao limite”. GE/Globo
