Escândalo no setor energético eleva a temperatura política em Kiev, com implicações para a governabilidade de Zelenskyy e o caminho para a adesão à UE
Nos bastidores do poder em Kiev, cresce a leitura de que o presidente Volodymyr Zelenskyy enfrenta uma das crises mais graves de sua administração, com um escândalo de corrupção no setor energético abalando a credibilidade do governo ucraniano. A investigação conduzida pelo Bureau Nacional Anticorrupção (NABU) revelou uma rede de subornos e desvios envolvendo a estatal Energoatom, com kickbacks de 10% a 15% sobre contratos, totalizando cerca de US$ 100 milhões lavados por meio de um escritório secreto na capital. Interlocutores do governo afirmam que o episódio, que levou à renúncia de dois ministros, testa a governabilidade em meio à guerra com a Rússia e às demandas por reformas estruturais para a integração europeia.
O clima no Palácio Presidencial Mariinskyi subiu após a divulgação de gravações áudio pela NABU, que capturaram conversas codificadas sobre chantagens e pressões a contratados. Figuras centrais no esquema incluem Timur Mindich, ex-sócio de Zelenskyy na produtora Kvartal 95, e Oleksandr Tsukerman, ambos sancionados pelo presidente com restrições econômicas por três anos. A articulação política do governo respondeu com demissões: a ministra da Energia, Svitlana Hryshchuk, e o ministro da Justiça, Herman Halushchenko, deixaram os cargos, enquanto o vice-presidente da Energoatom foi afastado. A primeira-ministra Yulia Svyrydenko anunciou uma auditoria abrangente em todas as empresas estatais, com foco em práticas de procurement, visando restaurar a previsibilidade e a confiança no ambiente de negócios.
Essa movimentos no Executivo ucraniano ocorrem em um contexto de pressão externa intensa. A União Europeia, em seu relatório de ampliação de 2025, elogiou os avanços da Ucrânia em áreas como administração pública e direitos das minorias, mas alertou para retrocessos na luta contra a corrupção. O documento destaca que, apesar da guerra, Kiev adotou roteiros para reformas no Estado de Direito, administração pública e combate à corrupção, com progressos na independência de agências como NABU e SAPO (Procuradoria Anticorrupção Especializada). No entanto, o que mudou foi o abalo à credibilidade causado por uma reviravolta de Zelenskyy no verão de 2025: o presidente apoiou uma lei controversa que subordinava essas instituições, provocando protestos nacionais e críticas de aliados ocidentais, incluindo embaixadores do G7. Diante da backlash, Zelenskyy reverteu a medida, restaurando a autonomia, mas o dano persiste, com acusações de uso de “lawfare” para silenciar críticos.
Nos bastidores de Brasília – ou melhor, de Bruxelas –, interlocutores da Comissão Europeia enfatizam que a sinalização ao mercado e aos doadores internacionais depende de uma ancoragem nas reformas. O relatório da UE nota que o NABU indiciou mais casos de corrupção de alto nível, com o Tribunal Anticorrupção Superior (HACC) emitindo veredictos, mas critica a lentidão nos processos e a baixa taxa de confiscos em casos graves. Recomendações incluem expandir a jurisdição do NABU para todas as posições de alto risco, fortalecer a autonomia da SAPO e adotar uma nova estratégia anticorrupção para 2026-2030, com foco em procurement, reconstrução pós-guerra e judiciário. Documentos mostram que, sem esses ajustes, a adesão à UE pode travar, afetando o fluxo internacional de ajuda financeira – vital para uma economia com PIB contraído pela invasão russa.
A correlação de forças no Parlamento ucraniano, o Verkhovna Rada, reflete a fragilidade da base aliada de Zelenskyy. O partido Servo do Povo, que o elegeu em 2019 com promessa de erradicar a corrupção, agora lida com acusações de que aliados próximos, como o ex-vice-primeiro-ministro Oleksiy Chernyshov, estariam envolvidos no esquema da Energoatom. Aliados de X dizem – no caso, de Zelenskyy – que o presidente agiu com firmeza ao demitir implicados e impor sanções, mas opositores apontam para um padrão de fisiologismo, com trocas de favores em meio à guerra. A tramitação de leis anticorrupção, como a que introduziu regras éticas para lobistas e alinhou com a Convenção Anticorrupção da OCDE, avança, mas enfrenta resistências no centrão parlamentar, pragmático em torno de orçamentos e cargos.
No eixo da agenda econômica, a corrupção no setor energético – marcado por fraudes em procurement, apropriação indébita e manipulação de preços – ameaça a atividade econômica e o emprego. A Ucrânia, com setor público representando 21% do PIB e empresas estatais empregando 568 mil pessoas, vê riscos em sua ancoragem fiscal: o relatório da UE critica poderes de veto que minam a independência de conselhos supervisores em estatais como a Naftogaz e Ukrenergo. O que precifica a curva de expectativas é o impacto na inflação e no câmbio, com investidores monitorando a sinalização firme do governo para evitar saídas de capital. A primeira-ministra Svyrydenko afirmou que erradicar a corrupção é “questão de honra”, ecoando a necessidade de reformas estruturais em tributação, alfândega e bancos, onde evasões fiscais e lavagem persistem.
O que está em jogo é a sobrevivência da Ucrânia como democracia europeia. Pesquisas eleitorais indicam que a confiança pública no governo caiu, com dados mostrando migração de apoio no leste do país, afetado pela guerra. A série histórica do PoderData – ou equivalentes ucranianos como o Kyiv International Institute of Sociology – aponta estabilidade relativa, mas com margem de erro que permite variações. Analistas observam um viés de resposta em sondagens durante o conflito, mas o que os números mostram, sem achismo, é que 15,8% dos contribuintes relataram corrupção em interações fiscais em 2024, um aumento em relação ao ano anterior.
Em termos de política monetária, o Banco Central da Ucrânia mantém cautela, similar à manutenção da Selic por prudência no Brasil, priorizando desinflação sobre estímulos. Mas o escândalo eleva riscos regulatórios, piorando o ambiente de negócios. A UE recomenda fortalecer salvaguardas contra circumvenções, revogar leis que minam a transparência e melhorar a prova anticorrupção do NACP (Agência Nacional de Prevenção à Corrupção). No judiciário, progressos incluem vetting de juízes e digitalização, mas desafios persistem: subfinanciamento, interferências e backlog de casos, com recomendações para alinhar com padrões europeus de devido processo e presunção de inocência.
Redes de poder explicam parte da pauta: o financiamento político, mapeado por doadores e operadores, revela conexões entre elites empresariais e o círculo de Zelenskyy. Críticos evocam crítica ao lavajatismo, comparando excessos investigativos, mas defendem freios e contrapesos para evitar abuso de autoridade. O chanceler alemão Friedrich Merz, em conversa com Zelenskyy, reforçou expectativas de vigor nas medidas anticorrupção e reformas no Estado de Direito.
Por que importa? Uma Ucrânia reformada fortalece a integração regional e atrai fluxo internacional, essencial para reconstrução. Sem previsibilidade, o mapa do poder na Europa Oriental se redesenha, com Rússia explorando fraquezas. Zelenskyy, eleito para mudar o sistema, agora sinaliza compromisso com transparência, mas o teste é implementar as regras do jogo sem recuos. À medida que as auditorias avançam e a UE monitora, a resolução depende de articulação política eficaz, evitando que hipóteses não verificáveis dominem os bastidores.
Fontes
Deutsche Welle – Ukraine corruption scandal puts top figures under scrutiny
Euronews – Ukraine anti-corruption probe: Kyiv to audit all state-owned companies
Atlantic Council – EU praises Ukraine’s progress but warns Zelenskyy over corruption
BBC – Major corruption scandal engulfs top Zelensky allies
European Commission – Ukraine Report 2025
The Washington Post – Ukraine’s army chief visits besieged city as Zelenskyy confronts graft scandal
