Em publicações feitas nesta quinta-feira (30.out.2025), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse ter determinado ao Pentágono a retomada imediata de testes de armas nucleares — rompendo uma moratória informal que vigora desde 1992. O anúncio, feito às vésperas de um encontro com Xi Jinping em Busan, provocou reação do órgão internacional que monitora a proibição de testes (CTBTO) e reabriu, entre aliados e rivais, um debate sobre o impacto para a estabilidade estratégica. No campo de centro, a leitura predominante é pragmática: reconhecer que o ambiente de segurança piorou, exigir definições técnicas e limites claros e, ao mesmo tempo, ancorar qualquer passo numa agenda de diplomacia e redução de riscos.
O que, de fato, foi anunciado — e o que ainda falta explicar
Trump afirmou ter ordenado a retomada dos testes “imediatamente”, mas sem detalhar se fala de detonações nucleares explosivas subterrâneas (algo não registrado pelos EUA desde 1992) ou de um reforço em ensaios subcríticos e em testes de vetores (mísseis), que não envolvem reação em cadeia. A ambiguidade foi notada por veículos americanos e alimenta leituras divergentes: para uns, a linguagem maximalista é instrumento de pressão; para outros, é o prenúncio de um cronograma real de explosões no Nevada National Security Site (NNSS).
A moratória americana dura 33 anos: o último teste explosivo, Divider, ocorreu em 23 de setembro de 1992. Desde então, a confiabilidade do arsenal foi sustentada pelo Stockpile Stewardship, um programa científico que substitui detonações por simulações de alta performance, diagnósticos complexos e testes subcríticos. Documentos recentes da NNSA (agência nuclear do Departamento de Energia) reiteram que o objetivo do stewardship é manter a “segurança, proteção e eficácia” do arsenal sem explosões.
O centro também chama atenção para a logística: especialistas estimam que qualquer retomada de detonações subterrâneas demandaria meses a anos para licenças, preparação de poços e equipes, ainda que a Casa Branca use o advérbio “imediatamente” no anúncio.
O enquadramento centrista: reduzir riscos num tabuleiro mais perigoso
A corrente de centro parte de um diagnóstico duplo. Primeiro, de que a competição estratégica com Rússia e China se intensificou, com modernização de arsenais e novas capacidades — cenário que pressiona a credibilidade da dissuasão americana. Segundo, de que normas que limitaram comportamentos de risco (como o tabu contra testes) estão sob estresse: a Rússia revogou em 2023 a ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT), dizendo “espelhar” os EUA, que assinaram o tratado, mas nunca o ratificaram.
A partir daí, a prescrição centrista é processual e verificável:
- Definir escopo: esclarecer se haverá testes explosivos ou apenas subcríticos e ensaios de componentes e vetores; publicar objetivos técnicos mensuráveis (o que se deseja validar) e critérios de encerramento.
- Erguer “guarda-corpos”: exigir transparência ao Congresso, avaliações ambientais no NNSS, planos de mitigação e monitoramento; envolver aliados em briefings técnicos para reduzir ruído e mal-entendidos.
- Acoplar diplomacia: usar a alavanca do anúncio para abrir canais de redução de riscos com Moscou e Pequim — por exemplo, protocolos de comando e controle, “linhas quentes” e regras de engajamento para crises; simultaneamente, reafirmar apoio ao sistema de verificação do CTBTO.
- Priorizar stewardship: manter como padrão o arsenal sem testes explosivos e recorrer a detonações apenas se houver uma justificativa técnica extraordinária, auditável e publicamente exposta.
O ponto central, para o centro, é gestão de risco: maximizar segurança estratégica com o mínimo de dano colateral às normas internacionais e à coesão com aliados.
Onde o direito internacional e a política se encontram
Mesmo com a ordem de Trump, os EUA não violam uma obrigação formal, porque o CTBT não está em vigor e não foi ratificado por Washington. Mas a norma política — que desestimula qualquer explosão — sairia ferida. A revogação russa de 2023 corroeu essa norma; um teste explosivo americano aceleraria a erosão. É essa zona cinzenta — juridicamente permissiva, politicamente custosa — que o centro considera crucial administrar.
O que dizem os outros campos (e onde o centro converge/diverge)
Direita: vê a ordem como tardia e necessária para recuperar paridade. Argumenta que rivalidade estratégica, avanços tecnológicos russos e chineses e incertezas sobre a validade de modelos exigem evidência empírica periódica. Para esse campo, o anúncio projeta força, acalma aliados e corrige assimetrias. O centro converge com a direita ao reconhecer a piora do ambiente e a importância de prontidão, mas diverge na dosagem: sem objetivos claros, salvaguardas e plano diplomático, o gesto pode aumentar o risco de erro de cálculo.
Esquerda: vê a medida como desnecessária e perigosa. Defende que o stewardship é suficiente, que testes explosivos reabrem feridas ambientais e enfraquecem a não proliferação. Pede foco em tratados, transparência e mitigação. O centro converge ao valorizar stewardship e normas, mas diverge da negação absoluta: se houver lacunas técnicas comprováveis, admite-se discutir exceções sob forte controle civil, auditoria e guarda-corpos.
Em resumo, o centro busca balancear: dissuasão crível sem converter o anúncio em gatilho de corrida de testes.
Reação internacional e o papel do CTBTO
Logo após a sinalização de Trump, o secretário-executivo da CTBTO, Robert Floyd, alertou que qualquer teste explosivo por qualquer país seria nocivo à paz e à segurança, e destacou a prontidão da rede global de monitoramento para detectar eventos. A mensagem é um lembrete de que, mesmo sem o CTBT em vigor, há custos reputacionais e diplomáticos para quem atravessa o tabu. Para centristas, isso reforça a estratégia de reduzir ambiguidade, coordenar com aliados e preservar a arquitetura de verificação.
Parceiros europeus e asiáticos tendem a cobrar clareza técnica e limites; Moscou e Pequim, por sua vez, calibram a retórica. Analistas assinalam que o tempo de preparação para um teste real — instalações, pessoal, protocolos — pode servir como janela para negociações de redução de riscos.
Técnica em primeiro plano: subcrítico x explosivo
Tecnicamente, ensaios subcríticos não geram reação em cadeia e, por isso, não se enquadram como explosões no espírito do CTBT. São usados para compreender materiais e validar modelos computacionais. Já um teste explosivo subterrâneo produziria sinais sísmicos e radionuclídeos detectáveis por redes como a do CTBTO — e teria alto custo político. A doutrina de stewardship, renovada em relatórios recentes, sustenta que o arsenal pode ser mantido sem explodir dispositivos; defensores de testes, porém, alegam que certas questões de margem, envelhecimento de componentes e integração com novos vetores se beneficiariam de validação empírica. A posição centrista é condicional: stewardship por padrão; teste explosivo apenas com justificativa excepcional e plano de transparência.
O que observar nas próximas semanas
- Escopo: a Casa Branca esclarecerá se fala em detonações ou em subcríticos/componentes; e, se houver explosões, quantas, quando e com quais objetivos.
- Ambiente: licenças e avaliações ambientais no NNSS e eventuais contestações judiciais nos EUA.
- Diplomacia: reações de aliados e o espaço para protocolos de risco com Rússia e China, ainda que o CTBT siga não ratificado por atores-chave.
- CTBTO: como a organização reforçará monitoramento e mensagens para conter uma possível espiral de testes.
Em um cenário de rivalidade estrutural e normas pressionadas, o centro enxerga utilidade em sinais de força calibrados, contanto que eles venham acompanhados de transparência doméstica, coordenação com aliados e diplomacia funcional. Nessa síntese, a pergunta não é apenas “se” os EUA podem testar, mas “como” e “para quê” — e sob quais travamentos institucionais —, para que a busca por credibilidade não degrade a segurança coletiva que pretende proteger.
Fontes
- Reuters – An explosive nuclear weapon test would be harmful for peace and security, CTBTO says. Reuters
- Politico – Trump says he is restarting US nuclear testing. Politico
- Associated Press – Trump appears to suggest the US will resume testing nuclear weapons for first time in 30 years. AP News
- The Washington Post – A look at past nuclear weapons tests in Russia, China and the U.S. The Washington Post
- CTBTO – Status of Signatures and Ratifications. ctbto.org
- Congressional Research Service – U.S. Nuclear Weapons Tests (IF11662). Congresso.gov
- NNSA/DOE – Stockpile Stewardship and Management Plan (FY2025). The Department of Energy’s Energy.gov
- Los Alamos National Laboratory – Divider, 30 years later. lanl.gov
- Lawrence Livermore National Laboratory – Stockpile Stewardship | Strategic Deterrence. sd.llnl.gov
