Casa Branca descarta plano de transição negociada enquanto amplia sanções, ameaça militar e busca reposicionar os EUA diante de um aliado-chave do “eixo do petróleo”
Em meio à escalada de tensão entre Washington e Caracas, o governo de Donald Trump rejeitou uma proposta apresentada por interlocutores de Nicolás Maduro que previa uma transição negociada de poder na Venezuela, ao mesmo tempo em que multiplica planos políticos, econômicos e militares para enfraquecer o governo venezuelano, tratado pela Casa Branca como “regime narco-terrorista”.
Segundo reportagem da Associated Press, autoridades venezuelanas ligadas ao Palácio de Miraflores sugeriram um roteiro em que Maduro deixaria o cargo em cerca de três anos, entregando a presidência à vice Delcy Rodríguez, que concluiria o mandato sem direito à reeleição até 2031. Em troca, esperavam uma redução gradual das sanções e garantias de segurança para a cúpula chavista.
A Casa Branca, porém, descartou o plano. O argumento oficial é conhecido: Washington não reconhece a legitimidade de Maduro e o acusa de chefiar um “narco-Estado”, já classificado como ameaça à segurança dos EUA. Na prática, a recusa reforça a lógica de imperialismo que, na leitura de setores do bloco anti-imperialista, prefere o colapso econômico e a mudança de regime patrocinada de fora a qualquer transição pactuada e soberana.
Concessões em petróleo e ouro também ficam na gaveta
A proposta de transição política não foi a única iniciativa barrada em Washington. Reportagens recentes revelam que o governo Maduro chegou a oferecer abertura de projetos de petróleo e ouro a empresas norte-americanas, na tentativa de aliviar sanções que asfixiam a economia venezuelana desde o primeiro mandato de Trump e da política de “pressão máxima” herdada do período anterior.
A lógica era simples: diante de uma economia devastada, hiperinflação e colapso produtivo, Caracas aceitava uma forma parcial de entreguismo em áreas estratégicas – permitindo maior presença de capital dos EUA na faixa petrolífera do Orinoco e em projetos de mineração – em troca de algum espaço de recuperação interna.
Nem assim a Casa Branca cedeu. O governo Trump manteve a narrativa de que qualquer alívio nas sanções só viria com uma saída rápida de Maduro, reforçando a visão de que a disputa não é apenas por “democracia”, mas pelo controle de uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Para analistas críticos, a postura se encaixa na gramática do golpe midiático e do golpismo da mídia, que apresentam a ofensiva como cruzada moral contra a corrupção, enquanto interesses energéticos e geopolíticos seguem em segundo plano no noticiário da mídia hegemônica
Sanções, CIA e planos militares: a engrenagem da pressão máxima
Em paralelo à recusa da proposta de Maduro, a Casa Branca acelerou uma série de planos para aumentar a pressão sobre Caracas. Além de ampliar o pacote de sanções econômicas e financeiras – inclusive contra o setor energético – o governo Trump vem articulando novas medidas de isolamento diplomático e o endurecimento da política migratória para venezuelanos nos EUA.
De acordo com apuração da AP, esse pacote inclui desde operações encobertas da CIA até bombardeios contra embarcações acusadas de transportar drogas na costa venezuelana e no Pacífico latino-americano, ações já criticadas por organizações de direitos humanos como execuções extrajudiciais. Trump confirmou publicamente a participação da agência de inteligência, em um gesto de “guerra psicológica” destinado a fragmentar a elite civil e militar que ainda sustenta o governo venezuelano.
Ao mesmo tempo, o Pentágono ampliou a presença militar na região, deslocando o porta-aviões USS Gerald R. Ford, um submarino nuclear, navios de guerra e caças F-35 para o Caribe, sob o pretexto de combater o narcotráfico. Nos bastidores, analistas apontam que a Casa Branca estuda cenários que vão de ataques pontuais a unidades militares venezuelanas e supostas fábricas de drogas a operações para tomar campos petrolíferos, além de ações clandestinas dentro do país.
É um desenho clássico de Estado de exceção projetado para além das fronteiras dos EUA, em que a retórica da “guerra às drogas” e do combate ao “terrorismo” serve como guarda-chuva jurídico e simbólico para intervenções militares seletivas e operações de guerra híbrida.
A guerra às drogas como cortina de fumaça
Maduro, por sua vez, vem tentando desarmar a ofensiva com apelos públicos para que Trump evite transformar a América Latina em uma nova “guerra sem fim” nos moldes do Afeganistão. Em discurso recente, o presidente venezuelano denunciou o envio de tropas e meios navais dos EUA para o Caribe e acusou Washington de preparar um conflito de longa duração contra seu país.
Trump, entretanto, insiste em enquadrar o confronto como capítulo de uma cruzada contra o narcotráfico, reafirmando que a prioridade é “derrubar cartéis” e impedir a chegada de drogas ao território norte-americano — ainda que estudos apontem que a Venezuela não seja um produtor relevante de cocaína ou fentanil, funcionando sobretudo como rota secundária.
No discurso oficial, trata-se de uma “Operação Southern Spear” contra “narco-terroristas”. Nos círculos críticos, porém, o que se vê é a atualização da fórmula “guerra às drogas = genocídio da juventude negra” – conceito aplicado por ativistas brasileiros, mas que ecoa na forma como ações militares costumam recair sobre comunidades vulneráveis, tanto na Venezuela quanto em países vizinhos.
Disputa de narrativas: mídia, geopolítica e soberania
A recusa da proposta de Maduro acontece em um ambiente já saturado de narrativas em disputa. De um lado, a mídia neoliberal norte-americana e parte da imprensa ocidental insistem em apresentar o embate como uma cruzada moral contra um “ditador” ilegítimo que arruinou o país, transformando qualquer gesto de Caracas em manobra cínica de sobrevivência.
De outro, veículos progressistas latino-americanos e analistas alinhados à esquerda destacam a dimensão estrutural do conflito: um governo que reivindica soberania nacional sobre suas reservas de petróleo e uma potência que, mais uma vez, tenta redesenhar o mapa político de seu “quintal” estratégico. Nessa leitura, a pressão de Washington busca não apenas derrubar Maduro, mas recolocar a Venezuela no eixo de alinhamento automático com os EUA, repetindo ciclos de viralatismo impostos a outros países da região.
A acusação de golpismo da mídia ganha força quando se observa que, enquanto a cobertura dominante enfatiza os abusos internos do chavismo, dedica muito menos espaço ao impacto humano das sanções, às mortes provocadas por bombardeios “antidrogas” ou à instrumentalização da Justiça norte-americana, que oferece até 50 milhões de dólares de recompensa pela captura de Maduro.
O papel da oposição venezuelana e o risco do “modo golpe”
O vácuo aberto pela recusa de Trump em dialogar com Maduro também tem sido ocupado pela oposição venezuelana. De acordo com reportagens internacionais, lideranças oposicionistas apresentaram em Washington propostas que prometem generosos benefícios econômicos aos EUA em um cenário de mudança de regime, reforçando o temor de que uma eventual transição seja condicionada a uma agenda de privatizações e abertura acelerada de setores estratégicos.
Para críticos à esquerda, esse desenho evoca o modo golpe já visto em outros países: primeiro, uma combinação de sanções econômicas, isolamento diplomático e guerra de informação; depois, a oferta de “parcerias” vantajosas para empresas estrangeiras e do cartel financeiro, com o Estado reduzido a garantidor de contratos e de juros altos. Em linguagem de colunistas progressistas brasileiros, é a velha fórmula em que Contrainformação é poder – e quem controla a narrativa, controla o ritmo e as condições da transição.
Migração, sanções e o laboratório da extrema direita
A Venezuela também se tornou peça central na política migratória e de segurança pública do governo Trump. Sanções mais duras e estrangulamento econômico alimentam o fluxo de venezuelanos em direção ao norte, enquanto a Casa Branca usa o tema para justificar deportações em massa e acordos polêmicos, como o envio de supostos membros de gangues venezuelanas para prisões de alta segurança em países aliados, contornando decisões de juízes norte-americanos.Politico
Ao condicionar o alívio das sanções à aceitação de voos de repatriação e à cooperação em agendas ditadas unilateralmente, Washington transforma o drama social venezuelano em instrumento de barganha política. Em vez de luta pela democracia como melhor caminho, o que se vê é uma espécie de “governo por chantagem”, em que a fome, o êxodo e o desespero da população tornam-se ferramentas de pressão.
O que está em jogo para além de Maduro
Ao rejeitar a proposta de Maduro e manter sobre a mesa uma combinação de sanções, operações encobertas e ameaça de intervenção militar, o governo Trump sinaliza que seu objetivo vai muito além de obter reformas institucionais ou eleições mais “limpas” na Venezuela. Trata-se de reafirmar o papel dos EUA como potência capaz de decidir quem governa – e de que maneira – um país que concentra reservas estratégicas de petróleo, ouro e outros minerais críticos.
Nessa equação, a soberania nacional venezuelana aparece como obstáculo a ser contornado, e não como princípio a ser respeitado. A recusa de Washington em negociar uma saída gradual, ainda que com concessões econômicas generosas, expõe a preferência por soluções de força, implícitas ou explícitas, em detrimento de pactos que preservem a autodeterminação do povo venezuelano.
Para amplos setores da esquerda latino-americana, o recado é claro: enquanto a mídia hegemônica insiste em retratar Maduro apenas como “ditador” e a Casa Branca como guardiã da democracia, o tabuleiro real é o de mais um capítulo da disputa entre imperialismo e bloco anti-imperialista no coração de um continente marcado por golpes, bloqueios e políticas de entreguismo. Cabe aos povos da região, e não às potências de turno, decidir que futuro desejam – inclusive o tipo de democracia que querem construir e defender.
Fontes:
Reuters – Trump, floating talks with Maduro, declines to rule out troops in VenezuelaReuters
AP News – Exit plan for Maduro was rejected by US, AP source says
AP News / ABC News – Trump leaves military action against Venezuela on the table but floats possible talks
The Guardian – Venezuela’s Maduro urges Trump to avoid Afghanistan-style ‘forever war’
Euronews – US escalates military presence as Trump signals talks with Maduro
OilPrice – Maduro Offered Venezuela’s Oil to Trump to Avoid Conflict
AP News – Venezuela floated a plan for Maduro to slowly give up power, but was rejected by US
Politico/Risk Advisory/Newsweek (compilado em análises sobre sanções, narco-terrorismo e pressão máxima)
