Operação bilionária levanta dúvidas sobre coerência liberal e eficácia econômica às vésperas de eleições cruciais, gerando ceticismo de mercado e surpresa entre liberais brasileiros.
Em uma ação surpreendente e de grande escala, o Tesouro dos Estados Unidos coordenou uma intervenção massiva no mercado cambial da Argentina, injetando bilhões de dólares para estabilizar o peso argentino e dar suporte ao governo do presidente Javier Milei. A medida, ocorrida às vésperas de cruciais eleições legislativas de meio de mandato no país sul-americano, visa evitar um colapso econômico iminente, mas levanta questionamentos sobre a coerência da política ultraliberal de Milei e a eficácia das ações, provocando ceticismo entre investidores e debate intenso, inclusive entre liberais brasileiros.
Contexto
A Argentina vive um momento econômico delicado, marcado por alta inflação e uma crescente desvalorização de sua moeda. Nos últimos quatro meses, o peso argentino registrou uma desvalorização de 21%, exacerbando a crise e colocando sob pressão a administração de Javier Milei. O cenário de instabilidade se aprofunda com a proximidade das eleições legislativas de meio de mandato, consideradas cruciais para a consolidação ou enfraquecimento da base política do presidente e de suas propostas ultraliberais. Foi nesse contexto de volatilidade que o Tesouro dos EUA agiu.
A intervenção, descrita por operadores do mercado financeiro que pediram para não ser identificados e por consultorias locais, consistiu em uma injeção de dólares americanos no mercado para conter a queda do peso. Estima-se que os valores dessas operações tenham chegado a US$ 500 milhões, US$ 1.4 bilhão e US$ 1.7 bilhão em diferentes momentos críticos. Essa ação contrasta fortemente com a retórica de não intervenção e livre mercado frequentemente defendida por Milei, gerando uma onda de surpresa entre observadores e analistas.
Os bancos intermediários nessas complexas operações foram o JPMorgan Chase & Co. e o Citigroup, que facilitaram a venda de dólares para sustentar a moeda argentina. Além disso, existe uma linha de swap de US$ 20 bilhões com o governo chinês, que também tem sido utilizada, adicionando outra camada de complexidade à estratégia de estabilização. A notícia ganhou destaque, com veículos como o Ámbito Financiero, principal jornal de economia da Argentina, colocando o tema em suas manchetes, evidenciando a relevância do assunto na esfera pública.
Impactos da Decisão
A intervenção do Tesouro dos EUA teve como objetivo imediato frear a espiral de desvalorização do peso argentino e, por consequência, o aumento da inflação. Contudo, a eficácia a longo prazo dessas medidas é alvo de intenso ceticismo no mercado. Muitos investidores questionam se a injeção de capital estrangeiro é uma solução sustentável ou apenas um paliativo que adia um colapso que se desenha no horizonte, especialmente diante da ausência de reformas estruturais mais profundas e de uma política econômica coesa.
A ação gerou um debate acalorado, sobretudo entre os autoproclamados liberais brasileiros, que acompanham de perto as políticas de Milei. A intervenção direta do governo americano para manipular a taxa de câmbio na Argentina foi vista por alguns como uma contradição flagrante dos princípios do ultraliberalismo que o presidente argentino prega. “Isso é liberalismo?”, questionou um editorial, ecoando a surpresa de muitos que esperavam uma postura mais ortodoxa e menos intervencionista por parte de um governo que se declara libertário. Essa dissonância entre discurso e prática tem abalado a credibilidade das propostas de Milei.
Economistas especializados também manifestam preocupação. Fernando Losada, da Oppenheimer, uma das fontes analíticas consultadas para esta matéria, expressou em análises de mercado que, apesar dos esforços para conter a crise, os investidores permanecem cautelosos. A falta de confiança decorre não apenas da intervenção em si, mas da percepção de que as medidas podem não ser suficientes para reverter um quadro econômico tão deteriorado. A venda de dólares pelo Banco Central da Argentina, conforme relatórios oficiais, reflete a urgência da situação, mas também a queima de reservas que são cruciais para a saúde financeira do país.
Próximos Passos
O futuro do peso argentino e a estabilidade econômica do país dependerão de uma série de fatores interligados, com as eleições legislativas de meio de mandato despontando como um ponto crítico. O resultado dessas eleições pode definir a capacidade de Milei de implementar sua agenda de reformas, que tem enfrentado forte resistência no Congresso e na sociedade. Uma derrota significativa poderia minar ainda mais a confiança dos mercados e limitar a margem de manobra do governo.
A continuidade da intervenção do Tesouro dos EUA, embora crucial no curto prazo, não é uma solução permanente. A sustentabilidade da economia argentina exigirá medidas mais robustas e consistentes, incluindo a renegociação de dívidas, o controle fiscal e a atração de investimentos diretos. A ausência de resposta de porta-vozes do Tesouro dos EUA, do Ministério da Economia da Argentina e do Banco Central argentino a pedidos de comentário da redação demonstra a sensibilidade do tema e a relutância em detalhar as estratégias em curso, mantendo um véu de incerteza sobre os próximos movimentos.
Analistas de mercado continuarão a monitorar de perto as reservas cambiais do país, a inflação e a evolução do cenário político. A percepção de que a Argentina está à beira de um colapso econômico persistirá enquanto não houver sinais claros de uma recuperação sustentável. A lição que se extrai é que, mesmo com a ajuda externa, a coerência da política econômica e a capacidade de construir consenso interno são fundamentais para navegar em crises tão complexas, um desafio que Milei e seu governo ainda precisam superar.
Fonte:
Diário do Centro do Mundo – Isso é liberalismo? O governo americano regula o câmbio na Argentina por Moisés Mendes. Diário do Centro do Mundo
O Globo – EUA injetaram mais de US$ 1 bilhão para conter desvalorização do peso argentino em outubro. O Globo
