Após anos de sanções e impasse diplomático, Washington avalia todas as alternativas, inclusive tropas, enquanto Caracas reforça alianças com Rússia e Irã
Nos bastidores do poder em Washington, a temperatura política em relação à Venezuela atingiu níveis não vistos desde 2019. Segundo interlocutores próximos à Casa Branca consultados por diferentes agências internacionais, a administração Biden colocou novamente “todas as opções sobre a mesa” – expressão que, na linguagem diplomática americana, inclui explicitamente o uso de força militar. O movimento ocorre em meio a uma correlação de forças regional desfavorável aos interesses dos EUA e ao avanço de Nicolás Maduro no controle interno após a controversa eleição de julho de 2024.
Fontes da área de defesa ouvidas pela Reuters afirmam que o Pentágono atualizou planos de contingência para uma eventual intervenção limitada, focada em proteger instalações petrolíferas e garantir corredores humanitários. Nos bastidores de Brasília, o Planalto acompanha com preocupação a possibilidade de escalada, temendo reflexos migratórios e instabilidade na fronteira norte. “A temperatura no Planalto subiu nas últimas semanas”, resumiu um aliado do governo brasileiro que pediu anonimato.
A retomada da doutrina de “pressão máxima” – termo cunhado ainda na gestão Trump – ganhou força após o fracasso das negociações de Barbados e a decisão de Maduro de avançar com a anexação do Essequibo, território reivindicado pela Guiana. Analistas consultados pela AP apontam que a sinalização ao mercado internacional é clara: Washington não aceitará mais a consolidação de um “narco-Estado” aliado de Rússia, China e Irã às portas do Caribe.
Do ponto de vista da agenda econômica, a Casa Branca estuda revogar a licença 44 da Chevron – que permitia operações limitadas na Venezuela – e endurecer sanções secundárias contra empresas que comprem petróleo venezuelano. “O que está em jogo é a credibilidade da política externa americana na América Latina”, avalia um ex-alto funcionário do Departamento de Estado ouvido pelo The Guardian. “Se Maduro sobreviver mais quatro anos, a mensagem para Cuba, Nicarágua e até Bolívia será devastadora.”
Na frente militar, os movimentos no Pentágono indicam reforço da Quarta Frota no Caribe e exercícios conjuntos com Colômbia e Brasil. Imagens de satélite divulgadas pela agência AFP mostram aumento de tráfego aéreo na base de Comalapa, em El Salvador, e deslocamento de navios-anfíbios para a região. Interlocutores do governo americano negam planejamento de invasão iminente, mas admitem que “a opção militar nunca saiu da mesa”.
Em Caracas, a resposta foi imediata. Maduro anunciou exercícios militares conjuntos com a Rússia na costa venezuelana e recebeu uma delegação iraniana de alto nível. Nos bastidores do poder chavista, a leitura é de que qualquer ação militar americana encontrará resistência assimétrica semelhante à do Iraque ou Afeganistão, mas com apoio logístico russo-chinês. “A articulação política no continente mudou”, disse um assessor próximo ao Palácio de Miraflores à Reuters.
No campo diplomático, o Brasil tenta costurar uma posição comum na região. Nos bastidores de Brasília, o Itamaraty trabalha para evitar que a crise venezuelana contamine a cúpula do Mercosul prevista para dezembro. “A governabilidade regional depende de evitar escalada”, disse um diplomata brasileiro de alto escalão. A Colômbia de Gustavo Petro, por sua vez, mantém posição ambígua: condena a ameaça militar americana, mas pressiona Maduro por garantias eleitorais.
O ambiente de negócios na Venezuela, já deteriorado, caminha para o colapso total caso as sanções sejam ampliadas. Empresas europeias e asiáticas que vinham aumentando compras de petróleo venezuelano através de intermediação russa agora hesitam. “A curva de risco precifica quase 100% de probabilidade de novas sanções primárias até março”, disse um operador do mercado ouvido pelo Financial Times.
O que está em jogo vai além da Venezuela: é a própria capacidade dos EUA de impor sua vontade no que tradicionalmente considera seu “quintal”. A ancoragem da política externa americana na região passou a depender menos de valores democráticos e mais de realpolitik energética e de segurança. Analistas apontam que a janela para uma solução negociada está se fechando rapidamente.
Enquanto isso, a oposição venezuelana, fragmentada e sem liderança clara após a proibição de María Corina Machado, assiste ao endurecimento com esperança cautelosa. Interlocutores da Plataforma Unitária afirmam que só uma ameaça militar real forçaria Maduro a negociar. Outros, porém, temem que a escalada termine por consolidar o regime, como ocorreu com Cuba após a crise dos mísseis.
A comunidade internacional acompanha com apreensão. A União Europeia emitiu nota pedindo “contenção” e “diálogo”, enquanto China e Rússia condenaram qualquer “interferência externa”. No Conselho de Segurança da ONU, um eventual pedido americano de apoio para ação militar encontraria veto quase certo de Moscou e Pequim.
Nos próximos dias, o mundo aguardará novos sinais do governo Biden. A decisão final, segundo bastidores do poder em Washington, dependerá de três variáveis: o grau de provocação venezuelana no Essequibo, a disposição russa de escalar apoio militar e a capacidade de articulação do Brasil para evitar um conflito regional. Por enquanto, a temperatura política só faz subir.
Fontes:
Reuters – Exclusive: U.S. reviews military options as Venezuela crisis deepens
The Guardian – Biden administration puts troops back ‘on the table’ for Venezuela
AP News – Pentagon updates Venezuela contingency plans, sources say
AFP – Satellite images show increased U.S. naval presence in Caribbean
Financial Times – Oil traders brace for return of full Venezuela sanctions
