Entidades industriais criticam barreira comercial como entrave à competitividade e pressionam por uma negociação mais ampla
A manutenção da sobretaxa extra de 40% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros segue como um entrave estrutural para as exportações do Brasil, segundo diversas entidades da indústria nacional. Embora parte das tarifas iniciais tenha sido revista, o impacto sobre commodities como café, carnes e frutas permanece intenso, limitando a competitividade brasileira no principal mercado externo.
Um “alívio parcial” sob sombra de políticas protecionistas
Em julho de 2025, o governo dos EUA, por meio de uma ordem executiva, estabeleceu uma sobretaxa de 40% sobre diversas mercadorias brasileiras já sujeitas a uma tarifa adicional de 10%, elevando a alíquota combinada para impressionantes 50% para muitos produtos.
Embora a Casa Branca tenha anunciado uma redução da taxa de 10% para 80 itens brasileiros, conforme destacado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o tarifaço de 40% continua a pesar para a maioria das exportações — especialmente para aquelas de alto valor agregado ou sensíveis para a pauta brasileira.
A CNI, ao mesmo tempo em que reconhece o gesto norte-americano como um passo na direção certa, aponta que tal medida é insuficiente para garantir condições justas de concorrência. “É muito importante negociar o quanto antes um acordo para que o produto brasileiro volte a competir em condições melhores”, afirmou Ricardo Alban, presidente da entidade.
Impactos setoriais: carne, café e frutas nas garras do protecionismo
A Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) adotou um tom igualmente cauteloso. Em nota, destacou que, apesar do avanço representado pela retirada parcial das tarifas, “é um passo importante, mas ainda insuficiente”. Para a Fiemg, segmentos cruciais da pauta mineira, como carnes e café, continuam fortemente penalizados.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), por sua vez, saudou a previsibilidade trazida pela medida, mas também alertou que os 40% extras continuam dificultando o acesso pleno ao mercado americano. A entidade enfatizou a necessidade de “condições mais adequadas para o bom funcionamento do comércio bilateral”.
Do lado do café, a preocupação é ainda mais acentuada. O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) afirmou que precisa de uma análise técnica mais profunda sobre os impactos da tarifa revisada — especialmente porque o Brasil exporta quantidades expressivas de grãos para os EUA, e a competição com outras origens (Colômbia, Vietnã) se torna mais desfavorável com essa barreira adicional.
A dimensão macroeconômica e o raio-X das tarifas
Um estudo da CNI, citado em seu boletim de política comercial, revela números alarmantes: 77,8% da pauta exportadora brasileira para os Estados Unidos está sujeita a alguma forma de sobretaxa. Isso inclui ordens executivas que instituíram tarifas de 10%, de 40% e medidas setoriais previstas pela Seção 232 do Trade Expansion Act, que afetam produtos como aço, alumínio, cobre, veículos e autopeças.
Desse total, 45,7% das exportações brasileiras sofreram diretamente com a sobretaxa de 40%. Em valores de 2024, isso representa uma fatia significativa da pauta comercial com os EUA.
Além disso, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), aproximadamente 35,9% das exportações brasileiras para os EUA estão sujeitas à sobretaxa máxima combinada de 50% (10% + 40%) — o que equivale a cerca de US$ 14,5 bilhões em exportações de 2024.
Por outro lado, há exceções: 44,6% das exportações brasileiras para os EUA, segundo o MDIC, ficaram fora da sobretaxa adicional por conta de uma lista de cerca de 700 produtos beneficiados por isenções. Ainda assim, parte expressiva da pauta permanece penalizada, o que limita o ganho competitivo para empresas brasileiras.
Isenções pontuais devem aliviar, mas não resolver
Alguns avanços foram registrados. A Ordem Executiva 14.346, assinada pelos EUA, retirou a aplicação da sobretaxa de 40% (e da tarifa de 10%) para produtos como celulose e ferro-níquel, segundo o MDIC. Com isso, esses itens agora entram no mercado americano sem taxas extras adicionais.
Ainda assim, essa flexibilização não representa uma solução ampla para os setores mais atingidos. As entidades apontam que a retirada parcial de tarifas é vantajosa, mas que permanece uma discriminação tarifária grave para muitos produtos estratégicos.
Segundo a CNI, apenas 6,9% da pauta exportadora brasileira poderia se beneficiar de uma isenção da sobretaxa de 40%, sob condição de comprovação de uso no setor de aviação civil — uma brecha restrita e limitada.
Resposta brasileira: crédito e diplomacia ativa
Em reação ao tarifaço, o governo brasileiro articulou um plano de apoio aos exportadores afetados. Uma das medidas é a concessão de crédito (em reais) a empresas prejudicadas pela barreira comercial dos EUA, com o objetivo de mitigar perdas e manter a resiliência produtiva frente ao protecionismo externo.
Para muitos analistas de viés progressista, essa estratégia reflete a necessidade de uma “diplomacia econômica soberana”: negociar com força, sem ceder a pressões unilaterais, e ao mesmo tempo estruturar internamente políticas de suporte ao setor exportador para que não pague sozinho o custo das tensões geopolíticas.
Além disso, as lideranças industriais defendem que o Brasil deve intensificar o diálogo diplomático com Washington para promover a eliminação completa das tarifas extras — e restaurar uma competitividade justa no mercado americano.
Entre a retórica política e o impacto prático
A imposição da sobretaxa de 40% não é vista apenas pelas entidades brasileiras como uma medida econômica, mas também como um movimento politicamente motivado. Parte das críticas menciona que a tarifa foi aumentada por Donald Trump em julho sob justificativa retórica — em parte, alegando uma retaliação política à condenação de Jair Bolsonaro por tentativas de golpe.
Esse tipo de ação reforça a narrativa de “protecionismo com viés geopolítico”, na qual medidas econômicas são utilizadas para pressionar ou punir governos estrangeiros por motivos políticos — e não apenas por desequilíbrios comerciais.
Para as entidades brasileiras, a negociação comercial deve ir além dos números: é preciso restaurar previsibilidade e reciprocidade no relacionamento entre os dois países.
Um cenário de risco e oportunidade
A manutenção da sobretaxa de 40%, apesar dos cortes parciais, representa uma ameaça real à recuperação e ao crescimento das exportações brasileiras para os EUA. As entidades industriais alertam que muitos produtos estratégicos continuam fora das exceções, o que restringe o potencial de expansão do comércio bilateral.
Por outro lado, a retirada da tarifa para celulose e ferro-níquel mostra que há espaço para avanços, desde que o Brasil mantenha mobilização diplomática e técnica. A pressão por um acordo mais robusto continua forte, com base no argumento de que a competitividade brasileira está sendo penalizada por uma barreira tarifária excessiva.
Também se destaca a importância de políticas domésticas para mitigar os impactos: acesso a crédito, seguro-exportação, e incentivos para diversificação de mercados são vistos como ferramentas fundamentais para reduzir a vulnerabilidade diante de choques externos.
A disputa comercial entre Brasil e EUA, portanto, não é apenas econômica, mas também política — e as entidades brasileiras apostam em uma estratégia que combine resistência negociadora e solidariedade entre setor público e privado para superar o que muitos chamam de uma tarifa injusta.
Referências
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Agência Brasil – Sobretaxa de 40% continua a ser entrave com EUA, apontam entidades
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CNI (via relatório) – Medidas comerciais dos EUA impactam exportações brasileiras
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Agência Brasil – EUA retiram taxa das exportações nacionais de celulose e ferro-níquel
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UOL Economia – Exceções do tarifaço podem poupar pelo menos 43% das exportações aos EUA
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MDIC / Agência Brasil – Tarifas adicionais dos EUA afetam 77,8% das exportações brasileiras
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Agência Brasil – Tarifas sobre exportações excluem 44,6% por exceções
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AP News – Lula anuncia US$ 5,5 bilhões em créditos para exportadores atingidos pelas tarifas dos EUA
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Reuters / AP – EUA retiram tarifa de 10% sobre celulose e ferro-níquel
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The Guardian – Trump anuncia tarifa de 50% contra o Brasil e cita “witch-hunt” contra Bolsonaro
