Votação ocorre em meio a negociações intensas com setores econômicos e eleva a temperatura política no Congresso, enquanto Executivo tenta preservar ancoragem fiscal e evitar tensão com mercado
O Senado aprovou parcialmente a Medida Provisória que altera regras do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), estimando impacto de cerca de R$ 19 bilhões em 2025. A decisão ocorre em um cenário de disputas entre o Ministério da Fazenda, parlamentares e setores econômicos que pressionam contra aumento de imposto em um momento de desaceleração da atividade.
A tramitação expôs a complexidade da articulação política no Congresso, marcada por acordos de última hora, pressões setoriais e diferenças entre Senado e Câmara. Em paralelo, o governo tenta garantir a governabilidade e preservar a ancoragem fiscal — expressões centrais nos bastidores de Brasília quando o tema envolve arrecadação, credibilidade e metas fiscais.
Nos movimentos no Palácio do Planalto, interlocutores da Fazenda afirmam que a equipe econômica tenta, desde o início, evitar ruídos desnecessários com o mercado, oferecendo sinalização ao mercado de que as mudanças no IOF são transitórias e buscam corrigir distorções pontuais, evitando fuga de capitais e preservando a competitividade do sistema financeiro.
Entretanto, a leitura dominante entre lideranças do Senado é de que a MP exigia ajustes importantes para não impactar setores que já enfrentam custos elevados e instabilidade econômica.
Uma medida provisória reescrita pelo Congresso
A MP enviada pelo Executivo previa alterações mais amplas no IOF, principalmente sobre crédito, câmbio e operações financeiras realizadas por empresas. No entanto, após semanas de pressão, o Senado decidiu aprovar apenas parte das mudanças, excluindo itens considerados excessivamente onerosos.
A decisão se deu após avaliação da correlação de forças entre bancadas governistas, independentes e oposição. A conclusão foi que o Congresso aprovaria apenas o que fosse possível sustentar politicamente sem arriscar desgaste com o setor produtivo.
Segundo parlamentares envolvidos, a ideia foi “preservar o essencial, mas evitar uma sobrecarga tributária em um momento de fragilidade da economia”, avaliação que encontrou eco em entidades empresariais e federações da indústria.
Nos bastidores do poder, a leitura é que a ala política do governo já esperava cortes no texto. O que estava em jogo, dizem interlocutores, era assegurar aprovação mínima para garantir parte da arrecadação prevista no Orçamento.
Essa postura se alinha ao esforço do Executivo de preservar a narrativa de responsabilidade fiscal, ao mesmo tempo em que evita ampliar tensões com setores estratégicos.
O impacto fiscal e os compromissos do governo
De acordo com estimativas apresentadas pelos relatores, a versão aprovada da MP deve gerar impacto de cerca de R$ 19 bilhões no próximo ano. O valor é inferior ao previsto originalmente pelo governo, mas ainda relevante para as metas fiscais estabelecidas.
Para a equipe econômica, o objetivo agora é reforçar a comunicação sobre a solidez da regra do jogo fiscal. A Fazenda tenta mostrar que a arrecadação adicional decorrente do IOF ajuda a proteger a meta de resultado primário e fortalece o discurso de previsibilidade.
Especialistas consultados afirmam que o valor aprovado é suficiente para reduzir parte da pressão sobre o orçamento, mas não resolve gargalos estruturais. Eles lembram que a busca por receitas pontuais costuma gerar alívio de curto prazo, mas não substitui reformas de impacto mais duradouro — como a reforma tributária.
Essa percepção também ecoa no mercado financeiro, onde analistas monitoram de perto a curva de juros e a expectativa sobre a política fiscal. Embora o impacto de R$ 19 bilhões seja considerado moderado, a aprovação parcial da MP reforça incertezas sobre a capacidade do governo de aprovar medidas fiscais mais amplas.
Pressões políticas e resistência de setores estratégicos
A tramitação da MP foi marcada por fortes pressões de setores bancários e do agronegócio, além de entidades do comércio e da indústria. Parlamentares de diferentes partidos afirmaram que os impactos do IOF, se mantidos no formato original, seriam “desproporcionais” e prejudicariam empresas em processo de recuperação financeira.
Essa resistência influenciou a negociação no Congresso e levou à construção de consenso para retirar dispositivos mais polêmicos.
A oposição tentou emplacar o discurso de que a MP representava “aumento de imposto disfarçado”, enquanto aliados do governo argumentaram que se tratava de ajuste técnico necessário para harmonizar regras e ampliar transparência.
Nos bastidores, líderes do centrão também pressionaram pela flexibilização do texto, buscando preservar apoio de setores econômicos com forte presença em seus estados. Essa é uma prática que se repete em votações de impacto fiscal, alimentada pela lógica de fisiologismo que frequentemente acompanha a disputa por apoio parlamentar.
Ainda assim, o governo conseguiu preservar parte do texto, evitando derrota total em uma pauta essencial para sua estratégia fiscal.
Efeitos no mercado financeiro e percepção internacional
A aprovação parcial da MP foi lida pelo mercado como gesto positivo, ainda que insuficiente para encerrar dúvidas sobre o compromisso fiscal do governo. Casas de análise destacaram que a medida mostra esforço por parte do Executivo para preservar a arrecadação e reforçar a credibilidade da política econômica.
No front externo, investidores acompanham com atenção as mudanças no IOF porque o imposto afeta diretamente a entrada e saída de capital estrangeiro, influenciando o fluxo internacional e o comportamento do câmbio.
A percepção é que, ao reduzir o escopo da MP, o Senado evitou ruído adicional em um contexto de volatilidade global. Entretanto, a expectativa é que o governo avance em reformas estruturais que garantam estabilidade fiscal de longo prazo.
A disputa narrativa e o que está em jogo na política fiscal
A aprovação parcial da MP do IOF também expôs a disputa por enquadramento da política fiscal no debate público. Enquanto a Fazenda tenta construir uma narrativa pautada em contexto e dados para além do fato, setores críticos acusam o governo de depender de medidas paliativas.
A abordagem técnica adotada pelo Ministério da Fazenda — com gráficos, dados e projeções — tenta reforçar que a arrecadação prevista é crucial para manter programas sociais e investimentos públicos. Por outro lado, parlamentares mais ortodoxos insistem que o país precisa de cortes de gastos e não de aumento de receitas.
Essa divergência se reflete na própria imprensa, onde análises variam entre otimismo moderado e cautela diante do cenário de incerteza.
Ao aprovar parte da MP do IOF, o Senado tenta equilibrar pressões políticas, necessidades fiscais e impactos econômicos. O governo conseguiu preservar uma parcela da arrecadação, reforçando sua narrativa de responsabilidade fiscal e demonstrando resiliência na articulação política.
Ainda assim, o episódio revela que qualquer medida ligada a impostos enfrentará resistência significativa, exigindo habilidade política e comunicação clara com sociedade e mercado.
O desafio para os próximos meses será transformar medidas pontuais em estratégia coerente, capaz de oferecer previsibilidade e sustentar a ancoragem fiscal sem comprometer a atividade econômica.
Fontes:
Reuters – Brazil Senate approves partial IOF measure amid fiscal debate
AFP – Brazilian lawmakers advance tax measure with reduced scope
AP News – Brazil trims IOF changes as Congress resists broader tax adjustments
