Nova Diretriz da SBP Reduz Limiar de Febre em Crianças e Prioriza Avaliação Clínica Global
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) anunciou, este ano, uma significativa atualização em sua diretriz sobre a definição de febre em crianças, estabelecendo um novo limite de 37,5°C (temperatura axilar), uma redução em relação aos 37,8°C anteriores. A medida, que já está em vigor, impacta a prática pediátrica em todo o país e foi tomada com base em evidências científicas e estudos internacionais. O objetivo é claro: padronizar a avaliação clínica, mitigar a disseminação da “febrefobia” e, primordialmente, redirecionar o foco dos pais e cuidadores para o estado geral da criança, em detrimento da fixação exclusiva no número apresentado pelo termômetro.
Contexto
A febre é um dos sintomas mais comuns na infância e, frequentemente, o principal motivo de preocupação para pais e responsáveis, levando a um grande volume de consultas médicas e, por vezes, a atitudes de pânico, popularmente conhecidas como “febrefobia”. Essa ansiedade excessiva muitas vezes resulta em práticas inadequadas, como a administração desnecessária de medicamentos ou a busca por atendimento de emergência sem real necessidade. Historicamente, a definição de febre tem sido um ponto de debate na comunidade médica.
A diretriz anterior, que estabelecia o limiar de 37,8°C, já vinha sendo discutida por diversos especialistas, que apontavam a necessidade de uma revisão à luz de novos conhecimentos e consensos globais. A decisão da SBP de reajustar esse patamar reflete uma evolução no entendimento sobre a fisiologia da febre em crianças e a busca por uma abordagem mais holística e menos numérica para a saúde infantil. O novo posicionamento é fruto de um trabalho aprofundado, consolidado no documento científico “Abordagem da Febre Aguda em Pediatria e Reflexões sobre a febre nas arboviroses”, publicado pela própria entidade.
Essa revisão não é isolada; ela se alinha a recomendações de outras entidades internacionais e busca harmonizar a prática clínica brasileira com os padrões globais. A febre, em si, não é uma doença, mas um sinal de que o organismo da criança está reagindo a algo, seja uma infecção ou outro processo inflamatório. O que realmente importa é como a criança se apresenta: se está ativa, responsiva, se alimentando e brincando, mesmo com uma temperatura ligeiramente elevada, ou se demonstra prostração e outros sinais de gravidade.
O que muda na prática diária?
Com a nova diretriz, a temperatura axilar de 37,5°C passa a ser o indicativo de febre. Isso significa que pais e cuidadores devem estar atentos a essa nova referência, mas sem perder de vista a condição geral do filho. “O número do termômetro é um dado importante, mas não o único e, muitas vezes, nem o mais relevante,” afirma Dra. Simone Borges da Silveira, pediatra do Hospital Pequeno Príncipe. Ela ressalta que a observação do comportamento da criança é fundamental para a tomada de decisão sobre procurar ajuda médica.
Para Dr. Nelson Douglas Ejzenbaum, pediatra e neonatologista, membro da Academia Americana de Pediatria, a mudança é bem-vinda e reflete um avanço. “Muitas vezes, uma criança com 37,6°C está bem, brincando, mas uma com 37,2°C e prostrada precisa de mais atenção,” explica. A nova diretriz estimula os profissionais de saúde a educarem os pais sobre essa perspectiva mais abrangente, evitando que o foco excessivo na temperatura gere angústia desnecessária.
Impactos da Decisão
A alteração na definição de febre pela SBP traz implicações significativas em diversos níveis, desde a forma como os pais interpretam o bem-estar dos seus filhos até a organização dos serviços de saúde. O impacto mais direto é a necessidade de reeducação da população e dos próprios profissionais, que precisam assimilar e aplicar o novo padrão.
No âmbito familiar, espera-se uma diminuição da “febrefobia”, um fenômeno em que pais e cuidadores se tornam excessivamente ansiosos e alarmados diante de qualquer elevação térmica, o que nem sempre corresponde a uma situação de gravidade. A ênfase no estado geral da criança busca empoderar os responsáveis para que avaliem de forma mais consciente a necessidade de intervenção médica, reduzindo a busca desnecessária por prontos-socorros, que muitas vezes já operam com sobrecarga.
Para o sistema de saúde, a padronização do diagnóstico com base em 37,5°C pode levar a uma melhor gestão dos recursos, com a triagem mais eficiente de casos realmente urgentes. No entanto, é crucial que haja uma campanha informativa robusta para que a mudança seja compreendida e não gere confusão ou, em sentido oposto, um relaxamento indevido na atenção aos sintomas febris. Dra. Juliana França da Mata, oncologista pediátrica do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, destaca a importância da comunicação clara. “É preciso que os pais saibam diferenciar uma febre benigna de um sinal de alerta, e essa nova diretriz nos ajuda a sermos mais claros.”
A importância dos sinais de alerta além da temperatura
A nova diretriz da SBP reforça que a temperatura é apenas um dos elementos na avaliação da criança com febre. Fatores como a idade do paciente, a presença de outros sintomas e o comportamento geral são cruciais. Sinais de alerta que exigem atenção médica imediata incluem:
- Prostração ou sonolência excessiva.
- Dificuldade para respirar ou respiração acelerada.
- Manchas roxas na pele.
- Crises convulsivas.
- Vômitos persistentes ou recusa em beber líquidos.
- Choro inconsolável ou irritabilidade extrema.
- Febre em recém-nascidos (abaixo de 3 meses).
Dr. Alexandre Nikolay, coordenador do Departamento de Emergência Pediátrica do Hospital Santa Lúcia Sul, em Brasília, enfatiza: “A febre em si é uma resposta do corpo. O que preocupa é a condição clínica da criança. Se ela está com febre, mas brinca, interage e se alimenta, geralmente não é uma emergência. Mas se ela está apática, mole, ou apresenta qualquer um desses sinais de alerta, a avaliação médica é indispensável, independentemente do número do termômetro.”
Próximos Passos
A implementação plena e eficaz da nova diretriz da SBP exige uma série de ações coordenadas. O primeiro passo é a ampla divulgação do documento científico “Abordagem da Febre Aguda em Pediatria e Reflexões sobre a febre nas arboviroses” entre os profissionais de saúde, para que a atualização seja incorporada nas práticas clínicas de hospitais, consultórios e unidades de atendimento primário. Workshops e seminários podem ser organizados para capacitar pediatras e enfermeiros, garantindo uma aplicação uniforme das novas orientações.
Simultaneamente, é fundamental que a sociedade seja informada de maneira clara e didática. Campanhas de conscientização pública, utilizando diferentes canais de comunicação – desde veículos de imprensa até redes sociais e materiais educativos distribuídos em postos de saúde – serão essenciais para educar pais, mães, cuidadores e avós sobre o novo limite de temperatura e, mais importante, sobre a valorização do estado geral da criança. A SBP, em parceria com outras entidades de saúde, deverá liderar esses esforços informativos para desmistificar a febre e reforçar a observação atenta.
A médio e longo prazo, a SBP continuará a monitorar os impactos da nova diretriz, coletando dados e avaliando a sua efetividade na padronização dos diagnósticos e na redução da ansiedade dos pais. A pesquisa contínua e a atualização periódica das diretrizes são práticas inerentes à medicina baseada em evidências, e a sociedade permanecerá atenta a novos estudos e consensos que possam surgir. Dr. Tadeu Fernando Fernandes, presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da SBP e um dos autores da diretriz, destaca: “Nosso compromisso é com a saúde da criança e com a segurança das famílias. Essa atualização é um passo importante, mas o trabalho de educação e monitoramento é contínuo.”
Orientações para pais e cuidadores
Para os pais e cuidadores, as principais orientações da SBP agora incluem:
- Medir a temperatura da criança utilizando um termômetro axilar confiável.
- Considerar febre a partir de 37,5°C.
- Observar atentamente o comportamento geral da criança: ela está ativa? Brincando? Comendo e bebendo bem?
- Manter a criança confortável, com roupas leves e em ambiente arejado.
- Oferecer líquidos frequentemente para evitar desidratação.
- Administrar antitérmicos apenas se a criança estiver com desconforto, dor ou prostração, e sempre com orientação médica, respeitando a dose e o intervalo.
- Procurar atendimento médico imediato se a criança apresentar os sinais de alerta mencionados anteriormente, independentemente da temperatura.
A nova diretriz é um convite à calma e à observação cuidadosa, reforçando que a parceria entre famílias e pediatras é crucial para garantir o bem-estar e a saúde plena das crianças brasileiras.
Fonte:
Metrópoles – Nova diretriz de febre em crianças: entenda. Metrópoles
O Tempo – Sociedade Brasileira de Pediatria muda a classificação da febre em crianças. O Tempo
