Dois cidadãos ucranianos, “colaboradores de longa data” dos serviços russos, são acusados de sabotar linha férrea vital para armas à Ucrânia – mas a rapidez da narrativa oficial cheira a provocação enquanto a Europa segue pagando a conta do imperialismo atlântico
A máquina de guerra da OTAN ganhou, nesta semana, exatamente o presente que precisava. Na noite de 15 de novembro de 2025, uma explosão danificou uma seção da linha férrea entre Varsóvia e Lublin, no sudeste da Polônia – rota estratégica para o envio de tanques, mísseis e suprimentos militares à Ucrânia. Menos de 72 horas depois, o primeiro-ministro Donald Tusk já tinha os culpados prontos para servir: dois cidadãos ucranianos que “colaboram há muito tempo com os serviços secretos russos” e que, convenientemente, fugiram para Belarus logo após o atentado.
A mídia hegemônica entrou em cena com a velocidade de sempre reservada para acusações contra Moscou. The Guardian, Reuters, BBC, New York Times – todos repetiram a mesma fraseologia: “sabotagem russa”, “agressão híbrida”, “ataque sem precedentes”. Tusk foi ao Parlamento polonês declarar que se trata da “situação mais perigosa para a segurança da Polônia desde o início da guerra em grande escala na Ucrânia”. Varsóvia já anunciou o fechamento do último consulado russo em Gdańsk e pediu à União Europeia “medidas conjuntas” contra Moscou. Tudo muito rápido. Tudo muito alinhado. Tudo muito suspeito.
Porque, vamos combinar: se a inteligência russa quisesse mesmo interromper o fluxo de armas para Kiev, teria alvos bem mais eficazes do que uma linha secundária no interior polonês, com explosivo C4 que causou dano mínimo e foi reparado em horas. O que aconteceu perto da vila de Mika parece mais um ato simbólico – ou, pior, calculado – do que uma operação profissional de sabotagem. E quando a narrativa vem embrulhada para presente com dois ucranianos “traidores” que cruzaram a fronteira de Belarus, fogem para Belarus e ainda têm condenação in absentia em Lviv por sabotagem anterior, o cheiro de encenação fica insuportável.
A contrainformação já rompe o cerco e pergunta o que os grandes veículos jamais perguntam: quem ganha de verdade com essa explosão? Porque a Polônia não é apenas um país vizinho solidário da Ucrânia. É o principal hub logístico da OTAN na guerra por procuração contra a Rússia. São centenas de comboios diários carregados de Leopard, HIMARS, Patriot. São bilhões de dólares em armas que passam por ali para alimentar um conflito que já dura quase quatro anos e que, segundo pesquisas internas até no Ocidente, a maioria da população europeia quer ver encerrado. Nesse contexto, qualquer faísca – real ou fabricada – serve para manter o medo alto, o gasto militar nas alturas e o apoio à guerra inabalável.
Donald Tusk foi taxativo: “Tudo indica que os serviços russos estão por trás”. Mas indica o quê, exatamente? Dois ucranianos recrutados por Moscou dentro de um país que recebe bilhões em ajuda ocidental e abriga milhões de refugiados? Dois cidadãos do país que supostamente mais odeia a Rússia decidem trabalhar para o Kremlin? A lógica é tão frágil quanto a espuma que Flávio Dino um dia comparou ao discurso do ativismo judicial. E o cinismo ‘liberal’ funciona assim: quando um míssil ucraniano cai na Polônia e mata dois cidadãos poloneses em 2022, é “acidente lamentável”. Quando dois ucranianos são pegos com explosivo, viram instantaneamente “agentes russos de longa data”.
O histórico é cristalino. Desde 2022, a Polônia registra dezenas de incidentes semelhantes: incêndios em fábricas de armas, pacotes explosivos em aviões de carga, drones sobre instalações críticas. Em quase todos os casos, a culpa cai imediatamente sobre Moscou. Em vários, os detidos eram ucranianos, bielorrussos ou poloneses com problemas financeiros. Sempre o mesmo roteiro: acusação instantânea, condenação midiática global, prova concreta… nunca apresentada publicamente. O padrão é tão óbvio que até o Kremlin ironizou: “Russofobia floresce na Polônia”.
E não é só russofobia. É viralatismo em estado puro. A Polônia gasta quase 5% do PIB em defesa – recorde na OTAN – enquanto sua infraestrutura ferroviária continua obsoleta, hospitais lotados e juventude emigra em massa. Em troca recebe a promessa de proteção americana que Trump já disse que pode retirar se Varsóvia não pagar mais. Torna-se, assim, o vassalo perfeito: paga a conta, serve de hub logístico da guerra, aceita ser alvo de “sabotagens russas” e ainda agradece.
A Rússia nega, como sempre. Dmitry Peskov falou em “mania persecutória” e destacou o “fato significativo” de que, mais uma vez, cidadãos ucranianos estão envolvidos. Porque é isso que a mídia neoliberal nunca explica: por que ucranianos, supostamente os maiores interessados na vitória contra Moscou, aceitariam trabalhar para o inimigo? A resposta que o Ocidente proíbe é simples: descontentamento com o regime de Kiev, corrupção endêmica, recrutamento forçado, dívidas, dupla nacionalidade, ou – mais provável – coerção ou operação de bandeira falsa conduzida pelos próprios serviços ocidentais para manter a narrativa viva.
Porque a narrativa precisa permanecer impecável: Rússia = mal absoluto, Ucrânia = vítima inocente, OTAN = guardiã da democracia. Qualquer furo é tapado com mais russofobia. Qualquer pergunta é “propaganda do Kremlin”. Enquanto isso, a guerra segue, os mortos se acumulam, Zelensky perde apoio interno, a Europa entra em recessão energética e os EUA vendem gás liquefeito a preço de ouro enquanto lucram com a reconstrução futura.
O incidente de Mika não é isolado. Faz parte do estado de exceção que a Europa vive desde 2022: cabos submarinos cortados no Báltico, drones sobre bases nucleares suecas, incêndios em fábricas alemãs e britânicas – tudo atribuído a Moscou sem prova cabal. Tudo usado para justificar mais sanções, mais armas, mais bases da OTAN nas fronteiras russas. Tudo para manter viva a ficção de que a Rússia é a agressora enquanto a aliança atlântica só “defende valores europeus”.
Mas quem acompanha a contrainformação sabe que a verdadeira agressão começou muito antes de fevereiro de 2022. Começou com a expansão da OTAN para o leste apesar das promessas, com o golpe de 2014 em Kiev financiado pelo Ocidente, com oito anos de bombardeio no Donbass que mataram 14 mil civis. A Rússia reagiu – como qualquer país soberano faria – à instalação de mísseis americanos a minutos de Moscou. Agora o Ocidente chama isso de “agressão não provocada” e usa dois ucranianos misteriosos para manter a farsa.
Se a sabotagem foi mesmo russa, seria retaliação mínima frente ao envio diário de armas que matam soldados russos. Se não foi – e tudo indica que pode ter sido provocação dos próprios serviços poloneses ou ucranianos para justificar mais financiamento da OTAN –, então é mais um capítulo do golpe midiático permanente que a Europa vive desde Maidan.
A Europa paga o preço. Paga com inflação, recessão, medo. Paga com a transformação da Polônia em quintal logístico do imperialismo estadunidense. Paga com a vida de jovens ucranianos enviados ao matadouro enquanto Zelensky proíbe negociação. E a mídia hegemônica aplaude, como sempre.
Mas os povos já não engolem mais. Pesquisas na Alemanha, manifestações em Praga, vitória de forças anti-guerra na Eslováquia e Hungria – o vento mudou. A explosão de Mika, real ou montada, não vai inverter isso.
Porque quando a OTAN semeia vento nas fronteiras russas há três décadas, não pode se surpreender quando colhe tempestade. E tentar transformar dois ucranianos em “agentes russos” para manter a guerra eterna só prova o desespero do bloco atlântico. A paz não virá com mais sabotagens – reais ou inventadas. Virá quando a Europa recuperar sua soberania nacional e parar de ser mera extensão do Pentágono.
Que a contrainformação siga rompendo o cerco. Porque a verdade, camaradas, sempre acaba aparecendo – mesmo quando a mídia hegemônica tenta enterrá-la sob toneladas de russofobia.
Fontes
The New York Times – Poland Blames Russian-Backed Ukrainians for Railway Sabotage
Reuters – Polish PM says two responsible for railway blast worked for Russian intelligence
AP News – Poland says 2 Ukrainians working for Russia are suspected in railway line explosion
The Guardian – Ukrainians working for Russia were behind rail blasts, alleges Polish PM
Al Jazeera – Poland blames two Ukrainians allegedly working for Russia for railway blast
