Aumento preocupante do consumo “off-label” do betabloqueador, originalmente cardíaco, para controlar a ansiedade de desempenho, acende o alerta de especialistas sobre riscos e a necessidade de tratamento especializado.
No cenário atual da busca por soluções rápidas para o estresse do dia a dia e a pressão por resultados, indivíduos têm recorrido a medicamentos como o Propranolol, um betabloqueador tradicionalmente usado para condições cardíacas, com o objetivo de amenizar os sintomas físicos da ansiedade de desempenho. Essa prática “fora da indicação original”, ou off-label, tem gerado crescente preocupação entre a comunidade médica, que alerta para os severos riscos do uso indiscriminado e a inadequação dessa abordagem como tratamento eficaz para a ansiedade, conforme revelado em apuração do portal UOL/VivaBem em 3 de novembro de 2025, destacando a importância de uma supervisão médica rigorosa e um diagnóstico preciso.
Contexto
O Propranolol é um medicamento bem estabelecido na medicina, conhecido por sua eficácia no tratamento de condições como arritmias cardíacas, hipertensão e tremores essenciais. Sua ação principal reside no bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos, o que resulta na diminuição da frequência cardíaca e da pressão arterial, aliviando, assim, manifestações físicas como palpitações e tremores. No entanto, sua popularidade tem crescido em um contexto completamente distinto: o controle de sintomas associados à ansiedade de desempenho, especialmente antes de situações que exigem alto rendimento, como apresentações públicas, exames ou competições.
A reportagem original da UOL/VivaBem, assinada por Danielle Sanches, trouxe à tona que essa utilização “off-label” do Propranolol para ansiedade não é totalmente nova, mas tem experimentado um ressurgimento. Muitas pessoas buscam no medicamento uma forma de “acalmar” o corpo, diminuindo o batimento cardíaco acelerado, o suor excessivo e os tremores que a ansiedade provoca, acreditando que isso as ajudará a performar melhor em momentos de pressão. A ideia de uma “pílula mágica” que elimina os sintomas sem abordar a causa subjacente é um chamariz perigoso para uma população cada vez mais ansiosa e sobrecarregada pelas exigências do mundo moderno.
Especialistas consultados na matéria ressaltam a seriedade da situação. A psiquiatra Danielle Admoni, supervisora na residência de psiquiatria da Unifesp e especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), e o médico psiquiatra Luiz Scocca, do Hospital das Clínicas da USP e membro da ABP e da Associação Americana de Psiquiatria (APA), são as vozes da autoridade que endossam o alerta. Eles enfatizam que, embora o Propranolol possa atenuar as manifestações físicas da ansiedade, ele não age nas raízes psicológicas do problema, criando uma falsa sensação de controle e, potencialmente, atrasando a busca por um tratamento adequado e multifacetado, que envolva terapia e, quando necessário, medicação específica para ansiedade.
A Busca por Soluções Rápidas na Cultura do Desempenho
A crescente adesão ao Propranolol para ansiedade reflete uma tendência mais ampla na sociedade: a busca por soluções rápidas e farmacológicas para problemas complexos, especialmente em uma cultura do desempenho que valoriza a produtividade e a perfeição. A pressão para estar sempre no seu melhor, sem falhas ou sinais de nervosismo, leva muitos a negligenciar os sinais do próprio corpo e mente, optando por um alívio paliativo em vez de um enfrentamento profundo da questão. Esta mentalidade, segundo os especialistas, é um fator crucial que contribui para a popularização do uso off-label de medicamentos como o Propranolol, transformando a ansiedade de desempenho, uma condição que merece atenção clínica, em um mero obstáculo a ser contornado com uma pílula.
Impactos da Decisão
A escolha de utilizar o Propranolol sem prescrição e acompanhamento médico adequado para a ansiedade pode acarretar uma série de impactos negativos significativos para a saúde do indivíduo. Primeiramente, há o risco de mascarar condições médicas subjacentes mais sérias. As palpitações, por exemplo, podem ser um sintoma de ansiedade, mas também de problemas cardíacos que exigem diagnóstico e tratamento específicos. Ao automedicar-se, a pessoa ignora um sinal de alerta crucial que poderia levar à identificação de uma doença grave.
Além disso, o Propranolol, como qualquer medicamento, possui contraindicações e efeitos colaterais. Pessoas com asma, pressão arterial baixa (hipotensão) ou certas condições cardíacas podem sofrer reações adversas graves. A psiquiatra Danielle Admoni adverte que “o uso indiscriminado pode trazer riscos como broncoespasmo em pacientes asmáticos ou uma queda perigosa da pressão arterial em quem já tem tendência à hipotensão”. O Dr. Luiz Scocca complementa, sublinhando que “a automedicação é sempre um perigo, pois cada organismo reage de uma forma e um medicamento para o coração não deve ser tratado como um simples calmante.” A falta de uma avaliação médica individualizada impede a identificação desses riscos e a devida orientação sobre a dosagem e a forma correta de uso.
Os impactos se estendem para o âmbito da saúde mental. Ao tratar apenas os sintomas físicos da ansiedade, o medicamento não aborda as causas emocionais e cognitivas do problema. A ansiedade de desempenho, muitas vezes, está ligada a crenças limitantes, medo do julgamento, perfeccionismo e outras questões psicológicas que exigem intervenção terapêutica. O uso do Propranolol, nesse contexto, pode gerar uma dependência psicológica, onde o indivíduo passa a acreditar que só consegue performar sob o efeito da medicação, reforçando a ideia de que a ansiedade é um defeito a ser escondido, e não uma condição a ser compreendida e tratada.
Banalização e o Retardo no Tratamento Adequado
Um dos impactos mais preocupantes, conforme o alerta dos especialistas, é a banalização da ansiedade como uma condição de saúde mental séria. Quando um medicamento para o coração é usado de forma recreativa ou paliativa para a ansiedade, a percepção pública e individual sobre a gravidade da ansiedade pode ser distorcida. Isso retarda, por sua vez, a busca por um tratamento adequado, que muitas vezes envolve psicoterapia, técnicas de relaxamento, mudanças no estilo de vida e, em casos mais graves, medicação ansiolítica específica prescrita por um psiquiatra. A automedicação com Propranolol, neste sentido, se torna um obstáculo ao cuidado integral e à promoção da saúde mental.
Próximos Passos
Diante do ressurgimento do uso “off-label” do Propranolol para ansiedade e dos alertas médicos, é fundamental que sejam tomadas medidas em diversas frentes para proteger a saúde pública e promover o tratamento adequado da ansiedade. Para os indivíduos que sentem os sintomas da ansiedade de desempenho, o primeiro e mais importante passo é buscar supervisão médica e avaliação profissional. Um médico ou psiquiatra poderá fazer um diagnóstico preciso, descartar outras condições médicas e propor um plano de tratamento personalizado.
Este plano pode incluir abordagens não farmacológicas, como a psicoterapia (especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental – TCC), que ajuda a identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento que contribuem para a ansiedade. Técnicas de relaxamento, exercícios físicos regulares e práticas de mindfulness também são ferramentas valiosas para o manejo da ansiedade. Em situações onde a medicação se faz necessária, o profissional de saúde indicará o fármaco mais apropriado e seguro, monitorando seus efeitos e ajustando a dosagem conforme a necessidade do paciente, garantindo que o tratamento seja adequado e focado na causa raiz, não apenas nos sintomas.
Para a comunidade médica e os profissionais de saúde, os próximos passos envolvem uma maior vigilância e educação contínua. É crucial que médicos de diversas especialidades estejam cientes da tendência do uso off-label do Propranolol e instruam seus pacientes sobre os riscos e as alternativas seguras. Campanhas de conscientização pública sobre os perigos da automedicação e a importância de buscar ajuda profissional para a saúde mental são igualmente essenciais. O portal UOL/VivaBem, ao publicar a matéria, já cumpre um papel importante na difusão dessas informações cruciais para a população.
Reforçando a Saúde Mental como Prioridade
O episódio do Propranolol para ansiedade serve como um lembrete contundente de que a saúde mental deve ser tratada com a mesma seriedade que a saúde física. Os desdobramentos esperados incluem um reforço na comunicação entre pacientes e médicos, um aumento na procura por terapias baseadas em evidências e uma desmistificação do tratamento psiquiátrico. A longo prazo, espera-se que essa discussão leve a uma redução na automedicação e a uma maior valorização de abordagens holísticas e cientificamente comprovadas para lidar com a ansiedade, afastando a ideia de que um simples comprimido pode resolver complexas questões emocionais e comportamentais, e promovendo uma cultura de cuidado integral e consciente.
Fonte:
UOL/VivaBem – Medicamento para o coração volta à moda entre ansiosos e preocupa médicos. UOL/VivaBem
