Debate acirrado na Assembleia Legislativa expõe divisão em Minas Gerais sobre a proposta do governo Zema de desestatizar empresas públicas sem consulta popular, gerando momentos de alta tensão entre manifestantes e parlamentares.
Em 22 de outubro de 2025, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) foi palco de uma audiência pública tensa e de intensa mobilização, onde a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 24/23), que visa remover a exigência de referendo popular para a privatização de estatais como a Copasa e a Cemig, incendiou os ânimos. O evento, realizado em Belo Horizonte, escancarou o profundo desacordo entre o governo do estado, que defende a desestatização como caminho para a universalização do saneamento e a saúde fiscal, e uma forte oposição de sindicatos, servidores e movimentos sociais, que alertam para os riscos de demissões, precarização e o cerceamento da voz popular, culminando em protestos expressivos e embates verbais dentro do plenário.
Contexto
O cenário político mineiro tem sido dominado, nos últimos anos, pela pauta da desestatização de empresas públicas. A PEC 24/23, de autoria do governador Romeu Zema, surge nesse contexto como uma ferramenta legislativa crucial para a administração estadual. A proposta tem como objetivo principal alterar a Constituição de Minas Gerais, removendo a exigência de consulta à população por meio de referendo popular para a venda de companhias controladas pelo estado, notadamente a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
A audiência pública realizada em 22 de outubro de 2025, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi um ponto de inflexão nesse processo. Convocada para debater os termos da PEC, o evento transformou-se em um termômetro da efervescência política e social em torno da questão. Desde as primeiras horas do dia, milhares de trabalhadores, sindicalistas, aposentados e cidadãos de diversas regiões do estado convergiram para a ALMG, transformando o entorno do prédio em um mar de faixas e cartazes com palavras de ordem como “Copasa é do povo mineiro” e “Não à privatização”, conforme noticiado por O Tempo e ALMG.
A PEC 24/23 e a desestatização em Minas Gerais
A PEC 24/23 representa um movimento estratégico do governo Zema para flexibilizar as regras que regem a alienação de ativos estatais. Atualmente, a Constituição mineira exige um referendo popular para a privatização de empresas que atuam em setores considerados essenciais, como saneamento e energia. Para o governo, essa exigência burocratiza e atrasa processos que seriam benéficos para a economia e a população do estado.
No entanto, para a oposição e os movimentos sociais, a retirada do referendo é vista como uma tentativa de “silenciar a população mineira” e de impor uma agenda de desmonte do patrimônio público sem o devido aval democrático. A Copasa, em particular, é uma empresa com grande capilaridade, responsável pelo abastecimento de água e tratamento de esgoto em centenas de municípios, e sua eventual privatização gera apreensão sobre o futuro da qualidade e acessibilidade dos serviços, bem como sobre a destinação dos lucros de um setor vital.
A mobilização contra a privatização
A audiência pública foi marcada por momentos de forte tensão e protestos expressivos, que reverberaram a insatisfação de grande parte da sociedade civil e dos servidores. Segundo relatos da cobertura, manifestantes lotaram as galerias da ALMG, e em um dos momentos mais simbólicos da tarde, viraram as costas ao presidente da Copasa, Fernando Passalio, enquanto ele apresentava os argumentos do governo em favor da privatização. Esse gesto, amplamente divulgado, sintetizou a indignação e o descrédito de parte do público em relação à proposta governamental.
Além da manifestação contra o presidente da Copasa, o debate também foi cenário de embates verbais acalorados. Uma deputada do PL, que reagiu a um sindicalista e deixou o plenário, exemplificou a polarização extrema da discussão. Tais episódios sublinham a dificuldade de encontrar consensos e a profundidade das divergências entre os defensores e os críticos da privatização, transformando a ALMG em um palco de batalha ideológica.
Impactos da Decisão
A aprovação ou não da PEC 24/23 e a consequente privatização de estatais como a Copasa trarão impactos multifacetados para Minas Gerais. A retórica do governo centraliza-se na ideia de que a desestatização pode atrair investimentos privados, modernizar a infraestrutura e, por fim, garantir a universalização do saneamento, um dos grandes desafios do país, além de aliviar a saúde fiscal do Estado, direcionando recursos para outras áreas prioritárias como saúde e educação. A administração Zema argumenta que a iniciativa privada, livre das amarras burocráticas estatais, teria maior agilidade e capacidade de inovar e expandir os serviços.
Contudo, os críticos da privatização, incluindo sindicatos, movimentos sociais e partidos de oposição, apresentam um contraponto robusto. Eles alertam para o risco iminente de demissões em massa, à medida que as novas gestões buscam otimizar custos, e a precarização dos serviços, com a possibilidade de aumento de tarifas e redução da qualidade para maximizar lucros. A preocupação é que o acesso à água e ao saneamento básico, direitos fundamentais, seja subordinado à lógica do mercado, potencialmente excluindo populações mais vulneráveis ou em áreas de menor rentabilidade.
Argumentos do governo e da oposição
A defesa do governo baseia-se na premissa de que a entrada de capital privado é essencial para que a Copasa possa atingir as metas do novo marco do saneamento, que exige a universalização dos serviços até 2033. Argumenta-se que a empresa estatal não possui a capacidade financeira ou a flexibilidade gerencial necessária para realizar os investimentos exigidos sem a participação privada. O presidente da Copasa, Fernando Passalio, e o secretário de estado, cujas falas foram recebidas com protestos na audiência, reiteraram a visão de que a privatização seria um passo indispensável para o desenvolvimento e a modernização do setor.
Por outro lado, a oposição e as entidades representativas dos trabalhadores enfatizam que a Copasa é uma empresa lucrativa e que seus resultados deveriam ser reinvestidos na própria companhia e na expansão dos serviços, em vez de serem direcionados para o lucro privado. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), por meio de seu presidente e outros líderes sindicais, reforçou que a empresa pública tem um papel social que transcende a rentabilidade, garantindo acesso igualitário e preços justos, e que a experiência de privatizações em outros estados e setores não é sempre positiva, muitas vezes resultando em aumento de tarifas e deterioração da qualidade do serviço, conforme apontado por diversas análises independentes e relatos da própria ALMG.
O futuro dos serviços públicos e dos trabalhadores
Um dos pontos mais sensíveis do debate é o futuro dos trabalhadores da Copasa e da Cemig. Os sindicatos alertam que a privatização traria um grande número de demissões, afetando milhares de famílias e desestruturando comunidades. A preocupação estende-se também à segurança hídrica e energética de Minas Gerais. A gestão privada pode priorizar regiões de maior retorno financeiro, deixando de lado áreas remotas ou com menor potencial de lucro, o que poderia agravar a desigualdade no acesso a serviços básicos.
Além disso, o debate sobre o referendo popular ressalta uma questão fundamental de governança democrática. Para os manifestantes e a oposição, permitir a privatização sem a consulta direta à população seria um ato de desrespeito à soberania popular, especialmente em um tema que afeta diretamente o dia a dia de milhões de cidadãos. A tensão na ALMG é, portanto, um reflexo dessa disputa não apenas econômica, mas também de princípios democráticos e de visão sobre o papel do Estado na provisão de serviços essenciais.
Próximos Passos
A PEC 24/23 ainda tem um caminho a percorrer dentro da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Após a tensa audiência pública, a proposta seguirá para novas etapas de tramitação, que incluem a análise por comissões específicas e, finalmente, a votação em plenário. O governo Romeu Zema precisará articular sua base aliada para garantir os votos necessários para a aprovação, enquanto a oposição e os movimentos sociais continuarão sua ofensiva para barrar a PEC ou, pelo menos, forçar um debate mais aprofundado e transparente, talvez buscando a via judicial para questionar a constitucionalidade da medida sem referendo.
Os prazos para essas próximas etapas não foram detalhados nas informações fornecidas, mas a expectativa é de que o processo seja acompanhado de perto por toda a sociedade mineira, dado o alto grau de polarização e o impacto direto sobre a vida dos cidadãos. A agenda política da ALMG nos próximos meses será intensamente influenciada por esse debate, com a possibilidade de novas manifestações e audiências públicas, à medida que a PEC avança ou encontra resistência. O desfecho dessa disputa será um indicativo importante para a política de desestatizações no estado e para a capacidade de mobilização popular.
No cenário mais amplo, a decisão sobre a privatização da Copasa e outras estatais mineiras poderá influenciar futuras eleições e a percepção pública sobre a gestão do governador Zema. A defesa dos serviços públicos e o direito à consulta popular são temas que mobilizam a opinião pública e podem se tornar centrais no debate eleitoral. A forma como o governo lidará com a oposição e as demandas dos manifestantes será crucial para o seu capital político e para a estabilidade social em Minas Gerais, moldando o futuro dos setores de saneamento e energia no estado por décadas.
Fonte:
O Tempo – Em audiência sobre privatização, manifestantes viram de costas durante fala de presidente da Copasa. O Tempo
ALMG – Milhares de trabalhadores lotam ALMG contra privatização da Copasa. ALMG
O Tempo – Deputada do PL reage a fala de sindicalista e deixa audiência da PEC do referendo. O Tempo
