Duas funcionárias administrativas suspensas por inscreverem 10 mil imigrantes no SNS em esquema que cobrava até 20 mil euros por “pack” de legalização – caso revela exploração capitalista da vulnerabilidade humana e alimenta onda xenófoba da extrema direita europeia
A Europa capitalista mostra mais uma vez sua face mais cruel. Nesta quinta-feira 20 de novembro de 2025, duas funcionárias administrativas de uma Unidade de Saúde Familiar em Cortegaça, Ovar, foram suspensas de funções após serem detidas pela Polícia Judiciária na operação “Gambérria”. As mulheres, de 40 e 54 anos, são acusadas de terem inscrito fraudulentamente cerca de 10 mil imigrantes em situação irregular no Serviço Nacional de Saúde (SNS), permitindo-lhes acesso a número de utente e cuidados médicos. O esquema, segundo a PJ, fazia parte de uma rede criminosa organizada que cobrava até 20 mil euros por “packs” completos de legalização – incluindo manifestação de interesse, residência e inscrição no SNS.
O esquema que expõe a exploração capitalista da migração
A mídia hegemônica – Público, SIC Notícias, RTP, Expresso – tratou o caso como “fraude milionária” ou “rede de auxílio à imigração ilegal”. Mas a contrainformação já rompe o cerco e pergunta o que nunca é perguntado nos telejornais: quem são os verdadeiros criminosos nessa história? Duas trabalhadoras administrativas que recebiam contrapartidas financeiras para inscrever gente desesperada ou os donos do sistema que transforma dignidade humana em mercadoria lucrativa?
As duas funcionárias nunca tiveram contato direto com os imigrantes. Recebiam dados por WhatsApp e inseriam no sistema. Em ano e meio, inscreveram mais de 10 mil pessoas – principalmente de Bangladesh, Paquistão, Índia, Nepal e Brasil. Muitos deram a mesma morada fictícia (Rua do Benformoso, em Lisboa). O “pack” completo – manifestação de interesse, contrato de trabalho falso, inscrição no SNS, cartão de utente – custava até 20 mil euros. Os imigrantes pagavam para ter direito ao que deveria ser universal: saúde.
E aí reside a hipocrisia do sistema. O SNS português é público e universal na teoria. Na prática, imigrantes irregulares só têm acesso esporádico e pagam tudo do bolso. Para ter número de utente fixo, precisam de residência legal – que o sistema torna quase impossível sem “facilitadores”. A rede criminosa explorou exatamente essa brecha: a precariedade criada pelo capitalismo neoliberal que precisa de mão de obra barata, explorada, sem direitos, mas fecha os olhos quando essa mão de obra adoece ou precisa de cuidados.
As funcionárias como bode expiatório do sistema xenófobo
As duas mulheres foram presentes ao Tribunal Central de Instrução Criminal em Lisboa, saíram em liberdade com termo de identidade e residência, suspensas de funções e proibidas de contacto entre si e com os outros 40 arguidos. A operação “Gambérria”, iniciada em 2023, já deteve 16 pessoas – empresários, advogada, funcionária consular. Mas quem lucrou milhões com a miséria alheia? Os cabecilhas que vendiam ilusão a 20 mil euros o pacote. As funcionárias eram o elo mais fraco, o peixe pequeno que agora paga com suspensão e humilhação pública enquanto os grandes tubarões continuam nadando.
A mídia hegemônica chama isso de “fraude no SNS”. Nós chamamos de consequência inevitável de um sistema migratório racista e classista que trata o imigrante como ameaça ou mercadoria – nunca como ser humano. Porque esses 10 mil imigrantes não chegaram a Portugal por capricho. Chegaram porque o imperialismo destruiu suas economias com guerras, sanções, exploração de recursos. Chegaram porque a Europa precisa de mão de obra para obras, agricultura, cuidados – mas quer essa mão de obra sem direitos, sem salário digno, sem acesso à saúde para poder explorar mais.
E quando alguém – mesmo que por dinheiro – facilita o acesso a saúde básica, é criminalizado. Enquanto isso, os verdadeiros criminosos – empresas que exploram imigrantes em condições análogas à escravidão, proprietários que alugam quartos a 500 euros por beliche, patrões que pagam metade do salário mínimo – esses seguem intocados. O cinismo ‘liberal’ da imprensa é flagrante: transforma as funcionárias em vilãs enquanto ignora o sistema que cria a demanda por esses “packs” de sobrevivência.
A extrema direita que celebra e o povo que sofre
Quem mais comemorou a operação foi a extrema direita portuguesa – Chega de André Ventura já fala em “invasão” e “portas abertas para ilegais”. Os mesmos que defendem corte de apoios sociais para portugueses agora descobrem “escândalo” quando imigrantes – que pagam impostos indiretos, que sustentam a construção civil, a agricultura, os cuidados – conseguem acesso ao SNS. É a mesma lógica xenófoba que cresce na Europa: criminalizar o imigrante para esconder que o verdadeiro problema é o capitalismo que precisa de exploração para funcionar.
Porque esses 10 mil imigrantes não são “ilegais”. São trabalhadores explorados. São gente que foge da miséria criada pelo imperialismo que Portugal ajudou a construir durante séculos de colonialismo. São gente que chega para fazer o trabalho que português não quer fazer por salário de miséria. E quando adoecem, quando precisam de saúde, o sistema diz: paguem 20 mil euros ou morram na rua.
As funcionárias, mesmo que tenham recebido dinheiro, foram o elo humano num sistema desumano. Recebiam para fazer o que o Estado deveria fazer de graça: garantir saúde a quem vive e trabalha aqui. O crime não é delas. É do sistema que transforma direito em mercadoria. É do governo de direita que endurece leis migratórias enquanto o grande capital lucra com mão de obra precária.
O Brasil e a América Latina que Portugal explora e rejeita
Entre os imigrantes inscritos, muitos são brasileiros. Brasileiros que vão para Portugal fugindo do desemprego, da violência, da crise que o golpe de 2016 e Bolsonaro aprofundaram. Vão para trabalhar em obras, em restaurantes, em cuidados a idosos – por salários que português recusa. E quando chegam, encontram o mesmo entreguismo que entregou o Brasil ao imperialismo: exploração sem direitos, xenofobia disfarçada de “controlo migratório”, criminalização da solidariedade.
O caso de Portugal é espelho do que acontece na Europa inteira. A mesma Europa que precisa de 20 milhões de imigrantes até 2050 para sustentar sua população envelhecida população agora criminaliza quem chega. A mesma Europa que destruiu Líbia, Síria, Afeganistão com guerras imperialistas agora fecha fronteiras para quem foge dessas guerras. A mesma Europa que lucrou com séculos de colonialismo agora cobra “legalidade” de quem vem pagar a conta da sua própria destruição.
A operação “Gambérria” é a face policialesca desse sistema. Prende funcionárias, advogados, empresários – mas não toca nos verdadeiros responsáveis: o capitalismo que cria a miséria migratória. As multinacionais que destroem economias no Sul Global. Os governos europeus que mantêm políticas migratórias racistas e classistas.
As duas funcionárias são suspensas. Mas quem suspende o sistema que cobra 20 mil euros por dignidade? Quem suspende o imperialismo que cria refugiados e depois fecha as portas? Quem suspende a mídia hegemônica que transforma vítima em criminoso?
O povo português – esse povo que já resistiu à troika, que já derrubou ditadura – precisa entender: criminalizar imigrante não resolve nada. Resolve-se com distribuição de renda, com salário digno, com integração real. Resolve-se com solidariedade de classe, não com xenofobia de elite.
Porque enquanto o bloco anti-imperialista cresce no Sul Global, a Europa capitalista se afoga em sua própria contradição: precisa de imigrantes para funcionar, mas odeia imigrantes por existir.
E no fim, quem perde é o povo – português e imigrante. Quem ganha é o capital que explora ambos.
A contrainformação segue rompendo cerco. Porque enquanto a mídia hegemônica chama isso de “fraude no SNS”, nós chamamos pelo nome que merece: mais uma prova de que o verdadeiro crime organizado é o capitalismo que transforma ser humano em mercadoria.
E contra isso, só há uma resposta: solidariedade internacionalista. Sempre.
Fontes:
Público – Funcionárias acusadas de inscreverem imigrantes no SNS suspensas de funções
Observador – PJ detém duas funcionárias de unidade de saúde familiar por suspeita de inscrição fraudulenta de milhares de imigrantes no SNS
SIC Notícias – Inscrição de imigrantes ilegais no SNS: funcionárias suspensas de funções
Expresso – Duas funcionárias de unidade de saúde familiar detidas pela PJ por inscrição fraudulenta de 10 mil imigrantes no SNS
RTP – Operação Gambérria. Funcionárias ficam suspensas e em liberdade
