Domingo, 2 de novembro de 2025 expôs duas frentes inseparáveis da guerra: o campo de batalha ao redor de Pokrovsk e a rede elétrica do país, alvo de uma campanha que transforma frio e escuridão em armas. Ataques russos mataram civis, deixaram grandes áreas sem energia — com cortes extensos em Donetsk e interrupções relevantes em Zaporizhzhia, Chernihiv e Kharkiv — e atingiram uma loja em Dnipropetrovsk, onde duas crianças estão entre as vítimas. Em Odesa, um ataque a um estacionamento de caminhões agravou o balanço de mortos. Na mesma janela, Kiev reforçou Pokrovsk com unidades de operações especiais, tentando impedir infiltrações e manter linhas de suprimento abertas. Reuters+2AP News+2
A leitura tática é clara: Pokrovsk é nó logístico que conecta a defesa de Donetsk a ferrovias e rodovias vitais. Perdê-la significaria abrir corredores para a artilharia russa e afetar a retaguarda ucraniana. Embora Moscou explore a narrativa de “cercos” em andamento, o comandante-em-chefe Oleksandr Syrskyi afirma que não há bloqueio, descrevendo operações de “caça” a grupos russos que tentam entrar por bairros residenciais para criar caos e desgaste. Relatos independentes, porém, admitem deterioração em pontos do perímetro e combates urbanos com controle contestado quarteirão a quarteirão — um quadro fluido em que logística e defesa aérea pesam tanto quanto infantaria. The Guardian+2The Kyiv Independent+2
A segunda frente: por que a rede elétrica é alvo — e o que isso muda
Desde 2022, a Rússia testa a mesma chave estratégica quando chega o frio: golpear infraestrutura energética com mísseis, drones e bombas planadoras, sobrecarregando baterias antiaéreas e provocando blecautes. Em outubro, a operadora Ukrenergo reativou escalas de apagões em 12 oblasts, com limites de consumo para indústria e comércio — uma resposta emergencial à cadência de ataques e à degradação de ativos críticos (subestações, linhas de transmissão, instalações de gás). É a guerra de desgaste travada no interruptor: cada transformador destruído encarece a vida, interrompe serviços e trava a produção. pravda.com.ua+1
No 2/11, a fotografia combinou mortes civis e apagões em massa. A Reuters contabilizou toda a região de Donetsk às escuras em algum momento do dia, quase 60 mil desconectados em Zaporizhzhia e novos cortes em Chernihiv e Kharkiv; o presidente Volodymyr Zelensky acrescentou que, na semana anterior, a Rússia lançara quase 1.500 drones, 1.170 bombas guiadas e mais de 70 mísseis. Em paralelo, relatos sobre Pokrovsk destacaram forças especiais ucranianas no terreno e civis abrigando-se em porões enquanto drones FPV caçavam alvos em bairros periféricos. Reuters+1
Para além do choque imediato, analistas e operadores destacam um ponto estrutural: a campanha contra a energia evoluiu. Drones mais numerosos — alguns com sensores de ponta — e salvas combinadas com mísseis criam picos que atravessam janelas de defesa. O resultado esperado é um inverno de cortes e geradores roncando nas cidades mais expostas, com impacto social desigual: trabalhadores perdem turnos, pequenos negócios queimam caixa em diesel, hospitais operam em modo contingência. É coerção por outras vias. euronews
Um viés de centro: nem euforia, nem desespero — método
Sob uma lente centrista, a resposta começa por reconhecer a realidade e, em seguida, sequenciar soluções. Não basta “resiliência simbólica”; é gestão de risco com metas verificáveis. Em termos práticos, a política pública mais eficaz combina três eixos:
- Dissuasão e defesa em camadas — Patriot/NASAMS/IRIS-T/SAMP-T no alto; SHORAD e contra-drone no baixo, fechando a torneira de FPVs e Shaheds que visam subestações e colunas logísticas; e alcance seletivo para interditar depósitos e hubs que alimentam a ofensiva. A dissuasão não é uma palavra; é estoque + manutenção + treino. The Guardian
- Proteção da vida civil e da rede — abrigamento de transformadores, segmentação de subestações, rotas redundantes e geração distribuída para serviços críticos (hospitais, água, saneamento). Aqui, ajuda internacional precisa ser dirigida (peças sobressalentes, equipes de campo, contratos de reposição antes da necessidade), ou o conserto vira corrida contra o relógio a cada nova salva. ukrinform.net
- Transparência e previsibilidade — mapas de desligamento, janelas de manutenção, rotas de evacuação e centros de aquecimento comunicados com antecedência. Em crises, informação reduz danos e evita pânico.
Esse caminho do meio evita dois extremos improdutivos: o voluntarismo de achar que “gestos” diplomáticos bastam sem meios de proteção, e o fatalismo que dispensa qualquer tentativa de diplomacia prática (linhas diretas militares, descompressão local) para reduzir riscos de erro de cálculo.
Pokrovsk: logística, gente e narrativa
Pokrovsk é onde infraestrutura e gente se encontram. A cidade liga rodovia e ferrovia, abriga centros de distribuição e hoje vê operações especiais ucranianas tentar impedir infiltrações que, somadas, poderiam estrangular a vida urbana. O Guardian descreveu um reforço de tropas e disputas urbanas com controle volátil; o Kyiv Independent contextualiza avanços russos em bolsões e alerta para o risco de pinça se a logística ucraniana vacilar. No curto prazo, “vencer” é manter linhas abertas, proteger civis e evitar cerco; no médio, é devolver custo à logística russa em profundidade para reduzir a pressão na frente. The Guardian+1
No tabuleiro informacional, Moscou explora “cercos” como arma psicológica; a reação centrista é contrafactual e mensurável: estradas funcionando, trens rodando, estoques abastecidos, baterias com míssil. O objetivo é tirar a narrativa do palanque e levá-la aos números — horas de energia repostas, saídas humanitárias abertas, incidentes reduzidos semana a semana.
Energia como linha de frente — e a geoeconomia do apagão
A campanha contra a rede não é periférica; é central. A cada subestação atingida, custa mais bombear água, manter cadeia fria de medicamentos, aquecer salas de aula. Para quem decide orçamento, as prioridades se alinham: reparo rápido, proteção física de ativos, compra de sobressalentes e geração móvel para pontos críticos — sem perder de vista eficiência energética e soluções distribuídas (solar + baterias) em equipamentos públicos. Isso reduz vulnerabilidade, descentraliza risco e encurta o tempo entre ataque e restabelecimento. Euronews já descrevia, em outubro, esse “outro front” da guerra — o das contas, chaminés e geradores. euronews
Diplomacia útil (a que reduz risco)
Neutralidade não cabe numa invasão; pragmatismo cabe. Linhas diretas militares, procedimentos de deconflição e janelas de calma para reparo de rede e evacuação salvam vidas e freiam espirais. Ao mesmo tempo, apoio externo deve vir com foco: interceptores, reparos e proteção de rede não são caridade; são política de estabilização. Nessa ótica, conversas sobre Pokrovsk precisam abandonar a ansiedade performática de “quem tomou qual bairro” e se fixar em objetivos auditáveis: logística ativa, rede em recuperação, civis protegidos.
O que observar após o 2/11
- Energia: tempo médio de reparo de subestações, rotas redundantes ativadas e nível de importação (se disponível) para estabilizar o sistema.
- Padrão de ataque: mudança de foco de linhas de transmissão para geração térmica e infra de gás exigirá outra engenharia de proteção.
- Mobilidade e suprimento: rodovias/ferrovias para o oeste e norte de Pokrovsk, sem as quais a cidade sofre com cerco tático.
- Indicadores humanitários: centros de aquecimento em operação, acesso a água e cadeia fria funcionando — métricas que medem vida, não fronte.
Parágrafo final
O domingo de apagões e combate urbano mostrou que Pokrovsk e a rede elétrica contam a mesma história: guerra é logística e gente. Um centro responsável não promete milagres; entrega sequência, metas e verificação: defesa em camadas para reduzir o dano, proteção de infraestrutura para encurtar o escuro e política transparente para organizar o cotidiano de quem vive a guerra. No inverno que chega, nem euforia nem desistência: planejamento, peças de reposição e rotas abertas — a gramática simples de como se protege um país.
Fontes
- Reuters – Russian attacks on Ukraine kill two, leave Donetsk region without power. Reuters
- AP News – 2 people killed in Ukraine’s Odesa region as Russia continues to target power grid. AP News
- The Guardian – Ukraine deploys special forces to Pokrovsk in effort to hold key city. The Guardian
- Ukrainska Pravda – Ukrenergo says power outage schedules are in place across 12 oblasts. pravda.com.ua
- Ukrinform – Power outage schedules in effect today across 12 regions — Ukrenergo. ukrinform.net
- Euronews – Russia’s new energy assault pushes Ukraine into a winter of blackouts. euronews
- Kyiv Independent – What we know now about the ‘encirclement’ of Ukraine’s Pokrovsk. The Kyiv Independent
