José Múcio Monteiro recusa repetidamente solicitação do governador Cláudio Castro por Carros Lagarta Anfíbio (CLAnf) sem decretação de GLO, em meio a intensa megaoperação policial no estado.
Em um cenário de escalada da violência e megaoperação contra o crime organizado no Rio de Janeiro, o Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, negou reiteradamente os pedidos do Governador Cláudio Castro (PL) para ceder blindados da Marinha, especificamente os Carros Lagarta Anfíbio (CLAnf). A recusa, que ocorre em meio a uma ofensiva policial com alto número de mortes no estado, justifica-se pela exigência de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), medida que o Governo Federal, sob a liderança do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem evitado decretar para o estado fluminense.
Contexto
A tensão entre os governos estadual e federal sobre o uso de recursos militares na segurança pública do Rio de Janeiro atinge um novo patamar com a revelação da negativa do Ministério da Defesa. O estado do Rio tem sido palco de intensas operações policiais, visando desmantelar estruturas de facções criminosas como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro, que controlam vastas áreas de comunidades. A presença de veículos blindados é vista pelo governo estadual como crucial para a progressão e segurança das forças policiais em áreas de difícil acesso e sob forte poderio bélico dos criminosos.
Segundo informações publicadas pela coluna de Andreza Matais, do Metrópoles, que obteve um ofício detalhando o pedido, o Governador Cláudio Castro formalizou a solicitação para o empréstimo dos CLAnf da Marinha, ressaltando a urgência e a necessidade de equipamentos que pudessem transpor barreiras e resistir a ataques. Os veículos, de propriedade da Marinha do Brasil, são projetados para operações em terrenos complexos, inclusive anfíbios, e seriam de grande valia em favelas com topografia desafiadora e barricadas montadas por traficantes.
O pano de fundo dessa disputa é a divergência sobre a decretação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Enquanto o governo do Rio de Janeiro argumenta que a situação exige uma intervenção mais robusta, com apoio das Forças Armadas, o Governo Federal resiste à ideia. A GLO é um instrumento constitucional que permite o emprego das Forças Armadas em território nacional para preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas, mas sua decretação é prerrogativa exclusiva do Presidente da República e geralmente é vista como uma medida de exceção, usada em casos de grave perturbação da ordem.
Histórico de Pedidos e Recusas
Esta não é a primeira vez que o governo fluminense busca apoio federal para suas operações. Há um histórico de pedidos negados ou de apoio condicionado, o que evidencia uma relação complexa e por vezes tensa entre os entes federativos no tocante à segurança. Aliados do governador Cláudio Castro teriam informado, segundo a apuração inicial, que as negativas têm sido recorrentes e sempre esbarram na mesma exigência: a formalização de uma GLO.
A própria Marinha, através de suas informações técnicas, destaca a capacidade dos CLAnf de operar em diferentes tipos de terreno, oferecendo blindagem e capacidade de transporte de tropas em ambientes hostis. A negativa do Ministro Múcio, portanto, não se baseia na indisponibilidade dos equipamentos, mas sim na ausência de um arcabouço legal (a GLO) que justifique o emprego das Forças Armadas em um papel de apoio direto às operações de segurança pública estadual sem a ordem presidencial.
A postura do Governo Federal reflete uma preocupação em não federalizar a crise de segurança do Rio de Janeiro de forma permanente e em evitar o desgaste político e operacional que o uso das Forças Armadas em ações de GLO frequentemente acarreta. O presidente Lula já expressou publicamente sua preferência por soluções que não envolvam a GLO, buscando alternativas que fortaleçam as instituições de segurança estaduais com apoio logístico e de inteligência, mas sem a substituição direta de suas funções pelas Forças Armadas.
Impactos da Decisão
A recusa do Ministério da Defesa em ceder os blindados da Marinha ao Rio de Janeiro projeta impactos significativos em diversas esferas, desde a operacionalidade das forças de segurança estaduais até as dinâmicas políticas e sociais. No campo operacional, a ausência desses veículos limita a capacidade das polícias civil e militar de avançar em territórios dominados por facções, especialmente aqueles com barricadas pesadas e armamento de alto calibre. Os CLAnf seriam um diferencial estratégico para a proteção dos agentes e a superação de obstáculos em incursões em áreas conflagradas.
Politicamente, a decisão aprofunda o atrito entre os governos estadual e federal. O governador Cláudio Castro, que tem sido vocal na busca por apoio federal, se vê em uma posição delicada, precisando lidar com as expectativas da população por mais segurança e, ao mesmo tempo, com a resistência do governo central em ceder recursos vistos como essenciais. Este impasse pode ser explorado por diferentes atores políticos, gerando debates sobre as responsabilidades de cada esfera de governo na segurança pública e sobre a eficácia das estratégias adotadas.
Do ponto de vista social, a percepção de que o estado do Rio de Janeiro não está recebendo todo o apoio necessário do Governo Federal pode gerar frustração e aumentar a sensação de insegurança entre os cidadãos. A comunidade afetada pelas operações e pela violência diária, que já vive em um contexto de vulnerabilidade, pode ter a esperança de uma solução mais rápida ou eficaz diminuída, à medida que a falta de equipamentos específicos dificulta a ação policial em áreas de risco.
Consequências na Operação em Andamento
A megaoperação policial em curso no Rio, que já resultou em um alto número de mortes, continua sob escrutínio. A falta dos CLAnf implica que as forças de segurança terão de continuar utilizando métodos alternativos, possivelmente mais arriscados, para neutralizar barricadas e confrontar criminosos em seus redutos. Isso pode se traduzir em maior exposição para os policiais e, potencialmente, em um ritmo mais lento de avanço nas comunidades.
Além disso, a decisão federal coloca em evidência a discussão sobre a doutrina de uso das Forças Armadas em apoio à segurança pública. A recusa em fornecer os blindados sem a GLO reforça a ideia de que o Ministério da Defesa e a Presidência buscam limitar o uso de militares a situações de real excepcionalidade, evitando a banalização do instrumento da GLO. Tal postura, embora pautada em princípios constitucionais, pode ser interpretada como uma falta de sensibilidade diante da gravidade da crise fluminense.
Os impactos econômicos também são uma preocupação. A instabilidade na segurança pública afeta diretamente o turismo e o investimento, setores vitais para a economia do Rio de Janeiro. A percepção de um estado em constante conflito pode afastar visitantes e empresas, comprometendo a recuperação econômica pós-pandemia. A ausência de equipamentos que poderiam agilizar a retomada do controle territorial em áreas críticas contribui para a manutenção desse cenário de incerteza.
Próximos Passos
Diante da recusa dos blindados, os próximos passos do governo do Rio de Janeiro e a postura do Governo Federal serão cruciais para definir o futuro da estratégia de segurança pública no estado. É provável que o governador Cláudio Castro continue buscando outras formas de apoio federal, talvez através de reforço na inteligência, no envio de outros tipos de equipamentos menos sensíveis à questão da GLO, ou na ampliação de efetivos da Força Nacional de Segurança Pública, que já atua no estado.
No âmbito político, a discussão sobre a GLO deve persistir, com o governo fluminense argumentando a favor da sua necessidade e o governo federal mantendo sua posição cautelosa. Este tema, de alta relevância, pode se tornar pauta de negociações e encontros entre as autoridades, buscando um denominador comum que atenda às demandas de segurança sem desvirtuar o papel constitucional das Forças Armadas. A Presidência da República, através de seus ministérios, pode propor novos pacotes de apoio à segurança pública que não envolvam diretamente a GLO, como programas de investimento em tecnologia e treinamento para as polícias estaduais.
A sociedade civil e os especialistas em segurança pública continuarão a monitorar a situação, cobrando ações eficazes e debatendo as melhores estratégias para combater o crime organizado no Rio de Janeiro. O desfecho da megaoperação em curso e seus resultados serão indicadores importantes para avaliar a capacidade do estado em lidar com a crise sem o apoio dos blindados solicitados. O debate sobre a modernização das forças de segurança estaduais e a necessidade de investimentos contínuos em infraestrutura e equipamentos também deve ganhar força.
Cenários Futuros e Alternativas
Um dos cenários possíveis é o Governo do Rio de Janeiro buscar alternativas no mercado nacional ou internacional para a aquisição ou arrendamento de veículos blindados. No entanto, tal processo seria demorado e custoso, e a urgência da situação demanda soluções mais imediatas. Outra possibilidade é a intensificação das operações conjuntas com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, que possuem mandatos e recursos próprios, e que já atuam em coordenação com as forças estaduais.
A pressão política sobre o Governo Federal para reconsiderar sua posição sobre a GLO pode aumentar, especialmente se a situação de segurança no Rio de Janeiro não apresentar melhoras significativas. Contudo, a relutância em decretar a GLO é uma marca da atual gestão, que busca evitar a militarização da segurança pública e focar em soluções de longo prazo que fortaleçam as instituições estaduais. As assessorias do Ministério da Defesa, do Governo do Rio de Janeiro e da Presidência da República foram procuradas para comentários adicionais, mas até o momento não houve retorno, reforçando a complexidade do tema.
Em última análise, a decisão sobre os blindados e a GLO ilustra um embate maior sobre a visão estratégica de segurança pública no Brasil, envolvendo a autonomia dos estados, a responsabilidade federal e o papel das Forças Armadas em um contexto de crescente criminalidade organizada. A busca por um equilíbrio entre a necessidade de intervenção imediata e a construção de soluções sustentáveis e de longo prazo continuará sendo o principal desafio para os governos envolvidos.
Fonte:
Metrópoles – Ministro da Defesa negou blindados para ações em áreas do tráfico. Metrópoles