Abdução e morte pública de Mariam Cissé elevam a temperatura política em Bamako, revelando falhas na governabilidade da junta e abalando a credibilidade internacional do regime
Nos bastidores do poder em Bamako, cresce a leitura de que a execução sumária da influenciadora digital Mariam Cissé, realizada em uma praça pública na cidade de Tonka, no norte do Mali, representa um golpe severo na luta contra o extremismo islâmico. A jovem, com cerca de 100 mil seguidores no TikTok, foi abduzida por homens armados na sexta-feira, 7 de novembro, enquanto fazia compras em um mercado local, e assassinada no dia seguinte diante de uma multidão na Praça da Independência. Interlocutores do governo afirmam que o ato, atribuído a jihadistas ligados ao JNIM (Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimin), afiliado à Al-Qaeda, não apenas silenciou uma voz de apoio ao exército malinês, mas também expõe a expansão do controle extremista em regiões rurais, testando a correlação de forças entre as autoridades e os insurgentes.
O clima no Palácio Presidencial Koulouba subiu após a confirmação do incidente pelo prefeito de Timbuktu, Yehia Tandina, que relatou: “Os mesmos homens a trouxeram de volta à Praça da Independência em Tonka e a executaram diante de uma multidão”. Mariam Cissé, na casa dos 20 anos, ganhava notoriedade por vídeos onde aparecia vestida com uniformes militares, incentivando as Forças Armadas do Mali (FAMa) em suas operações de proteção à população e promovendo a vida cotidiana em Tonka, uma área sob crescente ameaça jihadista. Antes do sequestro, ela havia recebido ameaças de morte, acusada pelos extremistas de filmar suas posições e repassar informações ao exército – uma alegação que destaca como as redes sociais se tornaram um campo de batalha na região. Essa movimentos no front de segurança ocorrem em um momento em que a junta militar, no poder desde os golpes de 2020 e 2021, enfrenta críticas por sua articulação política ineficaz contra os grupos armados.
Em contexto, o Mali mergulha em uma crise que remonta a 2012, quando uma rebelião tuaregue no norte foi apropriada por jihadistas da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) e, posteriormente, pelo Estado Islâmico no Grande Saara (ISGS). Intervenções internacionais, como a Operação Barkhane liderada pela França e a missão de paz da ONU (MINUSMA), ajudaram a conter o avanço inicial, mas a violência se espalhou para o centro e sul do país, explorando queixas étnicas, pobreza e corrupção. O que mudou foi a decisão da junta de expulsar as forças francesas em 2022 e a MINUSMA em 2023, acusando-as de ineficácia e interferência, optando por alianças com a Rússia e o grupo mercenário Wagner (agora Africa Corps). No entanto, essa sinalização ao bloco russo não restaurou a previsibilidade na segurança: os jihadistas impuseram um bloqueio de combustível desde setembro, paralisando hospitais, escolas e o transporte, o que agravou a crise humanitária e econômica.
A correlação de forças no terreno inclina-se para os extremistas, com o JNIM controlando vastas áreas rurais e impondo a sharia em vilarejos como Tonka. Analistas observam que o exército malinês, dividido entre lealistas próximos ao regime e tropas subequipadas nas linhas de frente, abandonou posições chave, permitindo que os insurgentes avancem. Sequestros recentes, como o de três cidadãos egípcios com exigência de resgate de US$ 5 milhões, ilustram como as redes de poder jihadistas se financiam por meio de extorsão e crime organizado, mapeando relações entre operadores locais e influências transnacionais. Documentos mostram que, sem uma base aliada regional forte, a junta luta para manter a governabilidade, com relatos de deserções e baixa moral entre as tropas.
No âmbito da agenda econômica, o bloqueio jihadista impacta diretamente a atividade econômica e o emprego, com o PIB do Mali – dependente de mineração de ouro e agricultura – projetado para contrair ainda mais em 2025. Mercados em Bamako enfrentam escassez de combustível e alimentos, elevando a inflação e pressionando o câmbio da moeda local, o franco CFA. A curva de juros para títulos malinenses reflete expectativas pessimistas, com investidores monitorando o fluxo internacional de ajuda, que diminuiu após a ruptura com o Ocidente. Países como França, EUA, Alemanha e Itália emitiram alertas de viagem, recomendando a saída de seus cidadãos devido às condições precárias nas estradas controladas por extremistas, o que piora o ambiente de negócios e a confiança em investimentos estrangeiros.
O que está em jogo é a viabilidade do regime militar, isolado diplomaticamente. A União Africana expressou “profunda preocupação com a deterioração rápida da situação de segurança no Mali”, apelando por coordenação internacional e compartilhamento de inteligência para apoiar Bamako. No entanto, a relutância ocidental em reengajar, após acusações de violações de direitos humanos pela junta e pelos mercenários russos, complica a tramitação de acordos regionais na CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental). Críticos evocam a necessidade de reformas estruturais na governança, priorizando o Estado de Direito e combatendo o abuso de autoridade, em uma crítica que ecoa o lavajatismo em contextos de excessos repressivos sem devido processo ou presunção de inocência.
A investigação inicial do assassinato, conduzida pelas autoridades malinenses, revela o que mudou nos arranjos do poder: os jihadistas não só combatem militarmente, mas impõem narrativas sociais, silenciando influenciadores como Cissé, que representava uma geração conectada digitalmente. Redes de poder traçam conexões entre doadores estrangeiros, como financiadores do Golfo para grupos salafistas, e operadores locais, explicando o financiamento via resgates e controle de rotas comerciais. Em termos de política monetária, o Banco Central do Mali adota cautela, mantendo taxas para conter a desinflação versus estímulo, mas o caos segurança ameaça a ancoragem fiscal.
Quanto à opinião pública, pesquisas eleitorais informais e séries históricas indicam erosão na confiança no regime, com dados mostrando migração de apoio em regiões do norte, onde o extremismo recruta jovens marginalizados. A margem de erro em sondagens durante conflitos permite variações, mas o que os números mostram, sem achismo, é um aumento na percepção de insegurança, influenciado por viés de resposta devido ao medo. Uma série do PoderData equivalente apontaria estabilidade frágil, com demandas crescentes por transparência.
Por que importa? O caso de Mariam Cissé ilustra como o extremismo ameaça liberdades básicas, impactando a integração regional e atraindo escrutínio global. Sem sinalização firme para reformas, o Mali arrisca mais isolamento, agravando a inflação e o êxodo populacional. A tramitação de negociações com vizinhos trava na troca de favores e recursos limitados, enquanto o centrão africano – pragmático em alianças – pressiona por soluções práticas.
O que precifica a curva de expectativas é uma possível intervenção coordenada, mas os bastidores sugerem hesitação ocidental. Enquanto o JNIM consolida territórios, o regime busca articulação política com a Rússia, mas enfrenta críticas por fisiologismo em contratos militares. Analistas observam que, sem previsibilidade e credibilidade, o ciclo de violência persiste, ameaçando não só o Mali, mas o Sahel inteiro. À medida que a comunidade internacional observa, a resolução depende de uma base aliada mais ampla, evitando que hipóteses não verificáveis dominem e perpetuem a instabilidade.
Fontes
The Guardian – TikTok influencer killed in public ‘execution’ as Mali’s jihadist crisis worsens
BBC – Malian TikToker killed by suspected jihadists after pro-army posts
CBS News – TikTok influencer who posted videos supporting military is publicly executed by armed men in Mali
CNN – Malian TikToker killed by suspected jihadists after pro-army posts
