Mobilizações militares e sinalizações diplomáticas elevam a temperatura política em Washington e Caracas, com implicações para a estabilidade regional
Nos bastidores do poder em Washington, cresce a leitura de que a administração Trump está promovendo uma significativa mudança de foco para a América Latina, com a Venezuela no centro das atenções. A recente mobilização militar dos Estados Unidos no Caribe, incluindo o envio do porta-aviões USS Gerald R. Ford – o maior navio de guerra do mundo –, tem elevado o clima na Casa Branca e gerado movimentos no Pentágono que indicam uma possível escalada. Analistas monitoram de perto essa correlação de forças, onde o governo norte-americano justifica as ações como necessárias para combater o narcotráfico, mas interlocutores próximos ao Executivo admitem que o objetivo subjacente pode ser uma mudança de regime em Caracas. Essa dinâmica reflete uma articulação política mais assertiva, inspirada no que tem sido chamado de doutrina “Americas First”, priorizando a segurança hemisférica sobre engajamentos globais distantes.
A temperatura política subiu consideravelmente após o anúncio de que os EUA realizaram ataques aéreos contra embarcações suspeitas de tráfico de drogas nas águas sul-americanas, resultando em pelo menos 76 mortes desde setembro. Esses incidentes, descritos pela ONU como execuções extrajudiciais, ocorreram em águas internacionais próximas à costa venezuelana. O governo Maduro, por sua vez, respondeu com uma massiva mobilização de forças armadas, envolvendo cerca de 200 mil soldados, incluindo tropas terrestres, aéreas, navais e milícias civis. O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, qualificou a presença norte-americana como uma “ameaça imperialista”, e o presidente Nicolás Maduro alertou que essa é a maior ameaça ao continente em um século. Nos bastidores, aliados de Maduro afirmam que o regime está otimizando sistemas de comando e controle para garantir a governabilidade interna em caso de confronto.
Essa sinalização ao mercado internacional e à comunidade diplomática vem em um momento de transição na política externa dos EUA. Com Trump de volta ao poder desde janeiro de 2025, há uma clara previsibilidade na priorização de questões regionais, como migração, narcotráfico e influência chinesa e russa na América Latina. A Venezuela, sob Maduro desde 2013, tem sido um ponto de fricção constante: o país é acusado pelos EUA de abrigar o chamado “Cartel de los Soles”, uma suposta rede de tráfico de drogas liderada por elementos militares venezuelanos. Dados da DEA indicam que apenas 8% da cocaína que chega aos EUA passa pelo Caribe, com a maior parte vindo do Pacífico via Colômbia e México. No entanto, Trump elevou a recompensa pela captura de Maduro para US$ 50 milhões, rotulando-o como “líder terrorista global”. Interlocutores do governo em Washington argumentam que essa pressão é essencial para restaurar a credibilidade dos EUA na região, mas críticos apontam para o risco de repetir erros do passado, como intervenções no Iraque ou no Afeganistão.
No contexto mais amplo, o que está em jogo é a estabilidade da América Latina como um todo. A mobilização dos EUA inclui não apenas o USS Gerald R. Ford, com mais de 4 mil marinheiros e capacidade para 90 aeronaves, mas também destróieres de mísseis guiados, um submarino nuclear e caças F-35 estacionados em Porto Rico. Essa força, sob o Comando Sul dos EUA, representa o maior contingente militar na região desde a invasão do Panamá em 1989. Do lado venezuelano, a resposta envolve o “Plano Independência 200”, uma estratégia cívico-militar que integra as Forças Armadas Bolivarianas (cerca de 123 mil membros) com milícias civis, alegadamente totalizando mais de 8 milhões de reservistas – número questionado por especialistas quanto à qualidade do treinamento. Maduro tem recebido apoio russo, incluindo sistemas de mísseis e defesa aérea, o que complica a correlação de forças e eleva o risco de envolvimento de potências externas.
Analistas observam que essa escalada pode impactar a atividade econômica regional. A Venezuela, já assolada por hiperinflação e sanções, vê sua produção de petróleo – principal fonte de receita – ameaçada por instabilidades. O PIB do país contraiu dramaticamente nos últimos anos, e uma intervenção militar poderia piorar o ambiente de negócios, desencorajando investimentos estrangeiros e exacerbando fluxos migratórios. Mais de 7 milhões de venezuelanos já deixaram o país desde 2015, pressionando economias vizinhas como Colômbia e Brasil. O que muda com essa sinalização firme dos EUA é a percepção de risco: mercados globais monitoram a curva de juros e o câmbio, com temores de que um conflito afete o suprimento de commodities, como o petróleo venezuelano, que representa cerca de 2% da produção global. A previsibilidade econômica na região depende de uma resolução diplomática, mas os movimentos no Palácio do Planalto – ou, no caso, na Casa Branca – sugerem que o foco está na pressão militar para forçar concessões.
Em termos de política monetária e fiscal, embora não diretamente aplicável, a crise venezuelana ilustra os perigos de desequilíbrios: o regime Maduro tem mantido controles rígidos sobre o câmbio e a inflação, mas sem ancoragem fiscal sustentável, levando a uma dívida externa impagável. Os EUA, ao intensificarem sanções, buscam minar essa governabilidade, forçando uma transição. No entanto, uma análise equilibrada deve considerar os contras: uma intervenção poderia unir os venezuelanos em torno de um nacionalismo defensivo, enfraquecendo a oposição interna, como os líderes Edmundo González e María Corina Machado, que seriam vistos como colaboracionistas. Especialistas como Christopher Sabatini, do Chatham House, alertam para um “regime change on the cheap” – uma mudança de regime barata, mas custosa em termos humanitários, com o porta-aviões custando US$ 8 milhões por dia para operar.
A articulação política no Congresso norte-americano também joga um papel: republicanos apoiam a linha dura de Trump, enquanto democratas criticam o risco de abuso de autoridade, evocando preocupações com o Estado de Direito. A autorização secreta para ações covertas da CIA, revelada em outubro, inclui operações letais dentro da Venezuela, marcando uma escalada além de águas internacionais. Isso levanta questões sobre garantismo e devido processo, com a ONU questionando a legalidade dos ataques aéreos. Nos bastidores de Brasília e outras capitais latinas, há preocupação com o spillover: um conflito poderia desestabilizar o Mercosul e afetar a integração regional, com o Brasil, por exemplo, monitorando de perto sua fronteira norte.
O que importa aqui é o equilíbrio entre segurança e diplomacia. Enquanto os EUA buscam restaurar credibilidade ao confrontar o que veem como “narco-terrorismo”, o regime Maduro joga com a narrativa de soberania para manter coesão interna. Dados históricos mostram que intervenções unilaterais raramente levam a transições estáveis: o Panamá de 1989 resultou em democracia, mas o Iraque de 2003 em caos prolongado. Na Venezuela, com suas redes de poder entre militares, doadores e operadores criminosos, uma ação militar poderia fragmentar ainda mais o país, criando vácuos preenchidos por grupos armados.
Em meio a essa tramitação de crises, a comunidade internacional clama por diálogo. A União Europeia e nações latinas, como México e Colômbia, propõem negociações mediadas, mas os bastidores indicam que Trump prefere a pressão máxima. A investigação de documentos e relatórios, como o da DEA de 2020, revela discrepâncias: a maioria das drogas não passa pela Venezuela, questionando a narrativa oficial. Documentos mostram que o foco em Maduro pode ser mais político do que factual, com implicações para a opinião pública global.
À medida que as forças se posicionam, o mapa do poder na América Latina se redesenha. Com Rússia e China apoiando Caracas, os EUA arriscam uma proxy war em seu quintal. A série histórica de intervenções sugere cautela: sem uma base aliada ampla, o custo humano e econômico pode superar os ganhos. No final, a resolução depende de previsibilidade e sinalizações claras, evitando que a retórica se transforme em confronto aberto. A região observa, na esperança de que a diplomacia prevaleça sobre os canhões.
Referências:
The Guardian – Is US preparing to attack Venezuela and how has Maduro regime responded?
CNN – Venezuela announces ‘massive mobilization’ of military forces as America’s largest warship sails into region
The Economist – War looms in Venezuela as Trump tests an “Americas First” doctrine
The New York Times – Trump Administration Authorizes Covert C.I.A. Action in Venezuela
