Debate em Brasília se torna palco de “surto legiferante” e “panaceias” eleitorais em meio à escalada da violência urbana
A crise da segurança pública no Brasil atinge patamares alarmantes, mas a capital federal, Brasília, parece mais imersa em uma espiral de polarização política e “soluções mágicas” do que em discussões técnicas e consensuais. Este cenário, catalisado por eventos trágicos como a recente operação policial que resultou em 121 mortes no Rio de Janeiro, expõe a ineficácia do Congresso Nacional em endereçar o problema de forma coesa, transformando o debate em um “surto legiferante” com claros objetivos eleitoreiros, conforme a análise crítica do colunista Josias de Souza, publicada no UOL em 3 de novembro de 2025.
Contexto
A violência urbana no Brasil tem sido uma chaga persistente, com o crime organizado expandindo sua influência e impondo um desafio crescente às forças de segurança. Dados recentes indicam um aumento na letalidade policial e nos confrontos em áreas conflagradas, especialmente nas grandes metrópoles. A sociedade clama por respostas, mas o que se observa na esfera legislativa é um ambiente fragmentado, onde a urgência da população é frequentemente submetida aos interesses políticos e partidários.
Nesse contexto, a operação policial no Rio de Janeiro, que ceifou a vida de dezenas de pessoas, acendeu o alerta nacional e, ironicamen
De um lado, a oposição tem impulsionado medidas de endurecimento penal e a classificação de facções criminosas como organizações terroristas, enquanto setores da esquerda defendem a revisão de protocolos de atuação policial e o investimento em políticas sociais. Embora ambos os lados apresentem pontos válidos, a ausência de um diálogo construtivo e a prevalência de discursos ideologizados impedem que as propostas avancem de forma substantiva e se traduzam em soluções eficazes para a segurança pública.
Impactos da Decisão
A polarização política no Congresso, manifestada na incapacidade de construir consensos em torno de um tema tão crucial como a segurança pública, tem impactos diretos e devastadores. A principal consequência é a paralisação de avanços reais. Projetos de lei que poderiam trazer melhorias significativas, como a PEC da Segurança ou um robusto projeto antifacção, ficam engavetados ou são descaracterizados em debates puramente retóricos, sem o embasamento técnico necessário para sua implementação e efetividade.
A busca por “soluções mágicas” e eleitoreiras, frequentemente focada em propostas de impacto midiático e baixa viabilidade prática, desvia o foco do que realmente é preciso: um planejamento estratégico de longo prazo, integração das forças de segurança, inteligência robusta e investimento em políticas sociais que atuem na raiz da criminalidade. A desunião do Estado brasileiro, evidenciada pela falta de alinhamento entre Executivo e Legislativo, e mesmo dentro do próprio parlamento, aprofunda a crise da segurança pública e gera uma sensação de abandono na população, que se vê cada vez mais exposta à violência.
Além disso, a inércia legislativa afeta a credibilidade das instituições. Quando o Congresso Nacional é percebido como um palco de disputas políticas em vez de um fórum para a resolução de problemas nacionais, a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas é abalada. Especialistas em direito constitucional e segurança pública apontam que a constante criação de novas leis, sem a devida fiscalização do cumprimento das já existentes ou a avaliação de sua eficácia, apenas congestiona o sistema legal e contribui para a sensação de impunidade, minando a autoridade da lei e a disposição dos legisladores em verdadeiramente fortalecê-la.
Desafios na Implementação de Medidas Efetivas
As propostas legislativas em pauta, embora diversas, enfrentam obstáculos similares. A classificação de facções como terroristas, por exemplo, gera debates intensos sobre a abrangência legal e as implicações práticas para o sistema de justiça criminal. Parlamentares bolsonaristas e governadores alinhados à direita defendem a medida como um recrudescimento necessário, enquanto membros do governo Lula e da oposição alertam para o risco de generalização e violação de direitos fundamentais, apontando para a necessidade de distinção entre crime organizado e terrorismo, com base em diretrizes internacionais.
A PEC da Segurança, por sua vez, busca estabelecer novas diretrizes e responsabilidades para os entes federativos na área, mas seu andamento é travado por desacordos sobre financiamento e competências. A ausência de um consenso mínimo sobre a destinação de recursos e as atribuições de cada nível de governo impede que uma reforma estrutural e urgente avance, relegando a segurança pública a uma condição de prioridade retórica, mas de baixa efetividade prática nas salas do Congresso.
Em vez de uma abordagem técnica, que envolva a consulta a especialistas, a análise de dados concretos sobre a criminalidade e a busca por melhores práticas internacionais, o que se observa é um embate ideológico que serve mais para demarcar posições políticas para as próximas eleições do que para edificar soluções duradouras. Essa postura, segundo críticos, apenas perpetua a espiral de violência e aprofunda a desilusão da população com a capacidade do Estado de protegê-la.
Próximos Passos
O cenário para a segurança pública no Congresso promete continuar desafiador. Com o calendário eleitoral se aproximando, a tendência é que a polarização se intensifique, e as propostas legislativas, em vez de serem debatidas por seus méritos técnicos, serão cada vez mais instrumentalizadas como bandeiras políticas. A real disposição dos legisladores em buscar o consenso e priorizar a vida dos cidadãos, em detrimento de ganhos eleitorais, será constantemente questionada.
Para que haja um avanço significativo, seria imperativo que as bancadas partidárias estabelecessem um compromisso nacional pela segurança pública, buscando pontos de convergência e afastando o debate da arena eleitoral. Isso incluiria a escuta ativa de especialistas, a criação de grupos de trabalho multidisciplinares e a alocação de recursos adequados e fiscalizáveis para as políticas propostas. Sem uma abordagem técnica e um verdadeiro espírito de colaboração, as “panaceias” legislativas continuarão a ser meros paliativos, incapazes de frear o avanço do crime organizado.
A população, que é o principal afetado pela crise da segurança pública, precisa demandar de seus representantes uma atuação mais responsável e focada em resultados. A pressão social pode ser um fator determinante para que o Congresso Nacional saia da inércia e da disputa ideológica e comece a construir as soluções efetivas que o Brasil tanto necessita. O futuro da segurança do país depende de uma mudança de postura em Brasília, onde a urgência da vida real precisa superar a retórica política.
A Busca por um Caminho para a Efetividade
No curto e médio prazo, espera-se que o debate sobre a classificação de facções como terroristas e a PEC da Segurança continue a ser pauta de intensos embates. Declarações oficiais de parlamentares e membros do governo Lula indicam que não há um caminho fácil para a convergência. O risco é que essas e outras iniciativas fiquem em um limbo legislativo, sem que se consiga a maioria necessária para sua aprovação ou, pior, que sejam aprovadas de forma apressada e sem a devida análise de suas consequências a longo prazo.
A médio prazo, o ideal seria que houvesse um esforço coordenado entre os poderes Executivo e Legislativo, em conjunto com os governos estaduais, para a formulação de um plano nacional de segurança pública. Este plano deveria ir além das propostas isoladas e eleitoreiras, englobando desde o fortalecimento das polícias e a modernização do sistema penitenciário até a implementação de programas sociais e de educação que atuem na prevenção da criminalidade. A ausência de uma visão unificada e a persistência da desunião do Estado brasileiro apenas prolongam a agonia de milhões de brasileiros.
A reflexão de Josias de Souza sobre a epidemia de ridículo em Brasília serve como um alerta contundente: enquanto os legisladores se preocuparem mais com a imagem política e o discurso eleitoreiro do que com a eficácia das leis e o bem-estar da população, a crise da segurança pública continuará a se aprofundar. É um questionamento direto sobre a real disposição em cumprir e fortalecer a lei, em vez de apenas criá-la com fins eleitorais, um dilema que Brasília precisa urgentemente superar.
Fonte:
UOL – Falta a Brasília surto de ridículo. UOL
