A conferência chegou ao fim com o Pacote de Belém aprovado por consenso, mas sem compromissos vinculantes sobre combustíveis fósseis — enquanto o mundo tenta conciliar urgência climática e realidades políticas e econômicas
A 30ª edição da conferência global do clima, realizada em Belém (Pará), terminou com um misto de celebração e frustração. Após dias de intensas negociações, os quase 200 países participantes aprovaram por consenso o Pacote de Belém — um conjunto de 29 decisões envolvendo financiamento climático, adaptação, gênero, tecnologia e o que se chamou de transição justa.
Apesar dos contratos assinados e das promessas de reverter o quadro de degradação ambiental, o encontro sucumbiu às resistências geopolíticas: o texto final não incluiu um roadmap vinculante para a eliminação gradual de combustíveis fósseis, um ponto considerado por muitos como central para conter o aquecimento global.
No balanço oficial, a COP30 usou expressões como “ação acelerada” e “agenda de implementação”, mas o sentimento predominante foi de que o acordo ficou aquém da gravidade da crise climática — e que, ao menos por agora, a retórica pode superar os atos concretos.
O que o Pacote de Belém aprovou
No encerramento da conferência, a presidência da COP30 — comandada pelo diplomata brasileiro André Corrêa do Lago — reafirmou o compromisso com um regime climático mais conectado à vida das pessoas.
As principais medidas adotadas:
- A criação de um mecanismo de transição justa — pensado para garantir que a descarbonização não agrave desigualdades sociais, protegendo trabalhadores e comunidades vulneráveis.
- Aprovação de 59 indicadores globais de adaptação, com foco em setores como água, saúde, infraestrutura, ecossistemas e meios de subsistência. Esses indicadores visam monitorar os impactos da mudança climática e a capacidade de resposta dos países.
- Lançamento da iniciativa chamada Tropical Forests Forever Facility (TFFF), destinada a mobilizar recursos para conservação florestal, particularmente em regiões tropicais, e criar incentivos econômicos para manter florestas em pé.
- Apelo pela ampliação de financiamento climático: no texto final, os países se comprometeram a triplicar os fundos para adaptação climática até 2035 — embora o cronograma mais longo e a ausência de compromissos firmes tenham gerado críticas.
Em discursos de encerramento, Corrêa do Lago evocou uma retórica de esperança: a COP, segundo ele, marca “o início de uma década de mudança” e um momento para transformar a urgência climática em ação concreta.
Mas nem todos compartilharam do mesmo entusiasmo — e muitos alertaram para a fragilidade e o caráter limitado do acordo firmado.
Por que COP30 foi vista como “passo insuficiente”
O principal ponto de discordância — e decepção — foi a omissão de compromissos vinculantes sobre combustíveis fósseis no texto final. A inclusão de um roadmap para eliminação de petróleo, gás e carvão chegou a constar em rascunhos preliminares. Mas a resistência de países produtores de energia, como Arábia Saudita e Rússia, bem como a postura cautelosa de economias dependentes de combustíveis fósseis, resultou na exclusão desses termos do documento final.
Para uma parte significativa da comunidade climática, essa retirada representa uma “falha moral” diante da urgência da crise — segundo analistas, mostra que, para muitos governos, o interesse econômico e geopolítico continua sobrepondo-se ao bem coletivo.
Outro ponto crítico: a meta de financiar adaptação — embora relevante — foi empurrada para 2035, o que para muitos países vulneráveis significa um atraso inaceitável, numa era em que eventos climáticos extremos já causam impactos catastróficos.
No contexto político global, o resultado evidencia as tensões que atravessam o sistema multilateral: a disparidade entre a urgência científica e os interesses econômicos nacionais se manteve visível. Para uns, a COP30 representou compromisso simbólico, para outros, um retrocesso em nome da realpolitik.
Geopolítica do clima: blocos de poder, interesses e o risco da fragmentação
O que se viu em Belém não foi apenas uma conferência ambiental: foi uma arena geopolítica, onde democracias desenvolvidas, economias emergentes, petro-estados e países vulneráveis disputaram narrativas e projetaram interesses futuros.
De um lado, países desenvolvidos e economias com histórico de industrialização apresentaram-se como defensores de metas ambiciosas de redução de emissões e eliminação de combustíveis fósseis. Muitos expressaram preocupação com os limites do texto final e a omissão de compromissos vinculantes.
Do outro, petro-estados e grandes produtores de commodities energéticas resistiram a mudanças estruturais que pudessem comprometer suas economias. A pressão desses países, somada à ausência oficial da delegação dos EUA — que vinha oscilando entre apoio e recuo nas últimas edições — enfraqueceu o potencial transformador da COP30.
No centro dessa disputa, países em desenvolvimento, especialmente do Sul Global, tentaram garantir financiamento, assistência técnica e mecanismos de transição justa. O lançamento de instrumentos como o TFFF e o apoio à adaptação climática reforça essa busca por justiça climática e reconhecimento das dívidas históricas.
Mas a crise de confiança — agravada pela retirada da menção a combustíveis fósseis — expõe o risco de fragmentação no regime climático internacional, e o perigo de que diferenças geoeconômicas tornem cada vez mais difícil um consenso global realista e ambicioso.
Esperança versus ceticismo
Para militantes ambientais e parte da sociedade civil, COP30 deixa um gosto amargo. Na visão deles, o texto final representa um recuo em um momento em que, do ponto de vista científico, aumentou dramaticamente a urgência de ação. As promessas de adaptação e financiamento, mesmo que relevantes, soam como “remendo” diante da escala da crise e da quantidade de vidas em risco.
Por outro lado, há quem veja o acordo como pragmático: numa conjuntura global polarizada, com interesses conflitantes e realidades econômicas diversas, garantir consenso entre quase 200 países já seria em si um resultado digno — especialmente por incluir transição justa, financiamento e instrumentos concretos de adaptação. Esse grupo acredita que, mesmo parcial, o Pacote de Belém pode ser o alicerce para avanços incrementalmente maiores.
Esse dualismo — entre idealismo e realismo — expressa bem o dilema moral da diplomacia climática: é melhor um acordo frágil hoje com possibilidade de implementação, ou insistir em compromissos ambiciosos que provavelmente levariam ao impasse e fracasso total?
Da retórica à implementação — o desafio pós-COP
O presidente da COP30 e o governo brasileiro destacaram várias iniciativas apontadas como as mais concretas do encontro: o TFFF, mecanismos de adaptação, transição justa e o compromisso de monitorar 59 indicadores globais.
A ambição declarada é transformar o que ficou no papel em projetos reais — com envolvimento de governos, setor privado, sociedade civil e instituições financeiras. Mas especialistas alertam: será preciso “transformar a negociação em ação”, superar o que chamam de “gargalo da implementação”, e garantir que as promessas não se percam em burocracia, embargos financeiros ou interesses conflitantes.
Do ponto de vista político, o Brasil — como presidente da COP até 2026 — tem uma janela de oportunidade para liderar agendas de adaptação, restauração florestal e economia verde. Mas o sucesso dependerá menos de retórica diplomática e mais de coerência interna, convênios internacionais e a mobilização de recursos.
A COP30 terminou com aplausos contidos e um consenso frágil. Ao mesmo tempo em que foi aplaudida por avançar com a ideia de uma transição — ainda que tímida — e mobilizar financiamento para adaptação, ela deixou claro que a batalha contra a crise climática está longe de ser ganha. A omissão de compromissos firmes sobre combustíveis fósseis ilustra a complexidade de conciliar justiça climática, soberania energética e interesses econômicos.
Se a esperança agora reside na implementação — e em promessas de futuro — o desafio é grande: transformar declarações em resultados concretos, e evitar que o discurso de mudança fique apenas no papel. A ironia permanece visível: debatou-se o fim dos combustíveis fósseis enquanto o mundo permanece dependente deles. O que muda — talvez — seja o ritmo: mais lento, mais fragmentado, mas, para muitos, ainda necessário.
Fontes consultadas:
Reuters – COP30 advances climate aid, omits fossil fuel exit plan
The Guardian – Fossil fuel giants finally in the crosshairs: Cop30 avoids total failure with last-ditch deal
Euronews – From deforestation to fossil fuels: What did countries actually agree on at COP30?
