Ao sediar a conferência da ONU, o Brasil tenta liderar a agenda climática com fundos multibilionários e integração de mercados de carbono, mas encontra resistência sobre custos, governança e impactos na indústria
A abertura da COP30 em Belém recolocou o Brasil no centro do debate climático — e também no epicentro de uma discussão que governos responsáveis, empresários e contribuintes não podem evitar: quem paga a conta, com quais garantias e a que custo para o crescimento? Sob o holofote de uma diplomacia que acena com metas ousadas, Brasília apresentou o “Baku to Belém Roadmap”, um plano para escalar o financiamento climático global a US$ 1,3 trilhão por ano. O enunciado soa grandioso, mas a realidade orçamentária e a competição entre blocos impõem perguntas duras: sem uma arquitetura de governança robusta, salvaguardas contra corrupção e métricas claras de resultado, não corremos o risco de transformar boa intenção em política cara e ineficiente?
O pano de fundo geopolítico: promessas infladas, bolso apertado
O próprio tom dos anfitriões reconhece um ambiente internacional mais tenso e fragmentado do que em cúpulas anteriores. O Financial Times resumiu o espírito do encontro: “tensões geopolíticas pairam” sobre a COP30, num momento em que prioridades nacionais — segurança, reindustrialização, emprego — disputam espaço com o discurso climático. Países com crescimento anêmico e dívidas elevadas hesitam em assinar cheques em branco. Essa cautela explica, por exemplo, a relutância do Reino Unido em aportar no Tropical Forests Forever Facility (TFFF), um veículo brasileiro que busca US$ 125 bilhões para preservar florestas por meio de pagamentos anuais vinculados a desempenho. Se doadores questionam governança e efetividade, não é negacionismo — é zelo com dinheiro público.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, discursou em Belém com um alerta dramático sobre a meta de 1,5°C. A retórica mobiliza, mas não substitui planilhas: prometer metas sem plano econômico consistente arrisca converter a agenda climática em fadiga política. Governos que respondem a eleitorados pressionados por inflação, tarifas de energia e emprego exigem custos previsíveis e resultados mensuráveis, não slogans.
Financiamento: o “como” importa mais do que o “quanto”
Do ponto de vista liberal-conservador, a pergunta central não é se devemos financiar adaptação e mitigação, mas como fazer isso com eficiência, transparência e foco em crescimento. O Roadmap brasileiro fala em mobilizar bancos multilaterais, atrair capital privado e aliviar dívidas do Sul Global — direções que, em tese, podem funcionar. O problema é que o histórico de alguns fundos climáticos revela processos lentos, overhead alto e execução desigual. Sem metas de produtividade, auditorias independentes e pagamento estritamente por performance (pagou, porque entregou), corremos o risco de ampliar o passivo fiscal sem reduzir emissões no ritmo esperado.
É positivo que o TFFF amarre desembolsos a resultados de conservação — um modelo mais próximo de “endowment” com métricas ex ante. Ainda assim, doadores e parlamentos querem saber quem mede, quem audita, quem pune em caso de fraude ou desvio. E querem evitar que o dinheiro substitua o orçamento obrigatório de países receptores (crowding-out), em vez de alavancar investimento privado. A fala do ministro Fernando Haddad, de que US$ 10 bilhões no primeiro ano seriam “possíveis”, é animadora, mas não responde sozinha à dúvida chave: qual é o retorno socioambiental por dólar aplicado — e como isso preserva competitividade industrial dos que pagam a conta?
Mercado de carbono: sem integridade, vira imposto oculto
Outra aposta de Brasília é a integração de mercados de carbono e a implementação do SBCE (sistema brasileiro de comércio de emissões). A lógica pró-mercado é correta: precificar emissões cria incentivos para eficiência, inovação e captura de carbono ao menor custo. Mas uma arquitetura ruim pode virar imposto oculto que encarece logística, energia e insumos, sem reduzir CO₂ de verdade. É por isso que empresas e governos cobram regras simples, transparentes e interoperáveis com padrões internacionais. Fragmentação regulatória — um risco real — aumenta custo de compliance, favorece grandes players incumbentes e estrangula pequenas e médias.
Além disso, sinais contraditórios prejudicam a credibilidade do desenho: ao mesmo tempo que o país promete integridade e integração, surgem dúvidas globais sobre a governança do trading de carbono sob a ONU, com demanda reprimida por incerteza regulatória. Antes de ampliar obrigações, é prudente sanear o mercado: padronizar contabilidade, evitar dupla contagem, exigir auditoria independente de projetos e coibir greenwashing. Com integridade e livre concorrência, o carbono vira preço-sinal; sem isso, vira distorção.
Energia e indústria: transição com segurança, não com apagão
Uma transição energética séria precisa conciliar segurança de abastecimento, preço e emissões. O Brasil tem vantagem competitiva em renováveis, mas ainda depende de fontes firmes para garantir estabilidade da rede, sobretudo em períodos de seca. Criminalizar a matriz existente sem plano realista de expansão — linhas de transmissão, termelétricas de transição, gás como backup, nuclear de nova geração — pode gerar tarifas mais altas e perda de competitividade. A narrativa de “fim imediato” dos fósseis ignora gargalos tecnológicos e de financiamento. Um calendário crível, com metas graduais e foco em P&D, é muito mais responsável do que promessas maximalistas desconectadas da engenharia e do caixa.
No tabuleiro comercial, a conta também fecha no exterior: sem coordenação, a cascata de restrições climáticas pode virar barreira não tarifária contra exportações brasileiras (aço, cimento, química, agro). Para evitar “carbon leakage” e retaliações assimétricas, precisamos de regras previsíveis, certificação confiável e acordos bilaterais que reconheçam a matriz limpa brasileira — e não simplesmente importem o modelo regulatório europeu. O Brasil tem o direito de defender sua indústria enquanto transita para tecnologias mais limpas. Isso é soberania econômica, não atraso.
Amazônia: prioridade, mas com propriedade, segurança jurídica e tecnologia
A proteção da Amazônia é interesse nacional. O caminho responsável para conciliar conservação e renda passa por segurança jurídica de terras, combate a crime ambiental, zoneamento econômico-ecológico e atração de cadeias produtivas de maior valor agregado (bioindústria, fármacos, madeiras certificadas, turismo). O setor privado precisa de regras estáveis para investir por décadas, não anúncios que mudam a cada gestão. Quando a pauta se volta a setores como moda e couro, que sofrem pressão reputacional, é essencial evitar soluções de vitrine e priorizar rastreabilidade baseada em dados e traçado logístico que coíba desmatamento ilegal sem punir quem produz certo.
O fator Lula: política externa ativista, solução doméstica ainda pendente
Nos discursos de abertura em Belém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou linguagem de “justiça climática” e cobrou mais ambição dos países ricos. No plano internacional, o tom rende aplausos; no doméstico, falta traduzir ambição em reformas microeconômicas, facilitação de licenciamento com prazos firmes, e um pipeline de PPP/privatizações que libere investimento para infraestrutura verde. Sem isso, o país arrisca ficar preso a fundos externos e anúncios que não chegam ao chão de fábrica. Liderar exige exemplo, não apenas oratória.
Qual COP “entrega” para o cidadão?
Para quem empreende, trabalha ou paga impostos, o que define o sucesso da COP30 não é a eloquência dos comunicados, mas três entregas concretas:
- Custo de capital menor para projetos escaláveis (linhas de transmissão, saneamento, eficiência energética, retrofit industrial), com metas de produtividade e cronograma de desembolso verificável.
- Mercado de carbono íntegro, com auditoria independente, interoperabilidade e proteção a pequenas e médias empresas — nada de cartórios regulatórios.
- Segurança energética com rota tecnológica factível (incluindo gás de transição e novas nucleares), para garantir tarifa previsível e base industrial forte.
Se Belém produzir esses pilares, teremos crescimento com responsabilidade. Se entregar apenas slogans, o resultado será mais custo, mais litígio e mais fuga de capitais — uma ironia perigosa para uma agenda que precisa de investimento maciço.
As escolhas à mesa: pragmatismo ou virtude cara
Defender prudência fiscal e ambiente de negócios não é “negar a ciência”; é respeitar o contribuinte e proteger empregos. O Brasil pode — e deve — aproveitar a COP30 para:
- Fechar acordos bilaterais de reconhecimento mútuo de certificações (evitando barreiras climáticas disfarçadas).
- Amarrar o TFFF e outros fundos a KPIs objetivos por bioma, com auditoria internacional e gatilhos de corte.
- Publicar a regulação do SBCE com foco em simplicidade, sandbox regulatório e phasing-in gradual.
- Abrir avenidas de P&D em nuclear avançada, hidrogênio de baixo carbono e captura/armazenamento de carbono para setores difíceis de abater — a rota do “e” (crescimento e descarbonização), não do “ou”.
O mundo real já deu o veredito: políticas que encarecem energia e criam insegurança jurídica perde-se indústria para outros países, muitas vezes com matrizes mais sujas — e emissões globais sobem, não caem. A virtude performática custa caro, e o clima não melhora com likes.
No fim do dia, a COP30 só fará sentido para a maioria silenciosa se for lembrada como a conferência que trocou o voluntarismo pelo pragmatismo, priorizando regras claras, integridade de mercado e responsabilidade com o dinheiro público. O Brasil tem ativos únicos — matriz relativamente limpa, agronegócio tecnológico, parque industrial diversificado — e pode ser case global de descarbonização pró-crescimento. A escolha agora é entre um caminho de excelência regulatória e engenharia séria, ou uma avenida de promessas caras que se desfazem no primeiro choque de realidade fiscal.
Fonte:
Financial Times – Geopolitical tensions loom over UN climate talks in Brazil.
