Escalada entre Israel e Irã, que saiu da “guerra nas sombras” para trocas diretas de mísseis, redesenha o equilíbrio regional e pressiona mercados, aliados e rivais em todo o mundo.
Quando o Irã lançou mais de 300 drones e mísseis contra Israel em abril de 2024, batizando a operação de “True Promise”, o recado foi nítido: a disputa entre os dois países havia ultrapassado a fase de ataques discretos, ciberofensivas e operações clandestinas. Foi o primeiro ataque direto de Teerã a partir de seu próprio território contra alvos israelenses, em resposta ao bombardeio do anexo consular iraniano em Damasco dias antes.
Israel, apoiado por Estados Unidos, Reino Unido, França e Jordânia, afirmou ter interceptado cerca de 99% dos projéteis, limitando o episódio a danos militares pontuais e alguns feridos. Mas, do ponto de vista estratégico, a mensagem de ambos os lados foi de que a “regra do jogo” mudou: ataques que antes se davam por meio de grupos aliados e operações discretas passaram a ocorrer às claras, com direito a pronunciamentos oficiais e sessões de emergência no Conselho de Segurança da ONU.
Desde então, a escalada continuou. Em junho de 2025, Israel lançou uma ofensiva de larga escala contra instalações nucleares, fábricas de mísseis e alvos militares dentro do Irã, em uma operação que analistas descrevem como um novo patamar do confronto. As ofensivas israelenses, seguidas de ameaças de retaliação de Teerã, fizeram o preço do petróleo disparar mais de 9% em um único dia e reacenderam o temor de interrupções de fluxo pelo Estreito de Ormuz, por onde passa uma fatia crucial do petróleo mundial.
É nesse cenário que se consolida a percepção, entre diplomatas e analistas, de que o conflito Israel–Irã produz um efeito cascata que vai muito além dos dois países.
Da “guerra nas sombras” à trocação aberta
Por mais de uma década, Israel e Irã travaram uma disputa descrita como “guerra nas sombras”: ataques a comboios e depósitos de armas ligados à Guarda Revolucionária em território sírio, sabotagens em instalações nucleares, assassinatos seletivos de cientistas, drones abatidos no Golfo Pérsico e ciberataques contra infraestrutura crítica.
O ataque iraniano de abril de 2024 e as ofensivas israelenses subsequentes representam, para vários centros de pesquisa, a ruptura desse padrão. A própria liderança da Guarda Revolucionária falou em uma “nova equação”: cada ataque atribuído a Israel contra interesses iranianos passaria a ter resposta direta a partir do território da República Islâmica.
Nos bastidores e redes de poder, diplomatas descrevem uma correlação de forças delicada: Israel busca preservar sua superioridade militar e impedir que o Irã chegue perto de uma capacidade nuclear militar, enquanto Teerã aposta em mísseis, drones e uma constelação de aliados armados na região para aumentar seu poder de dissuasão.
Esse é o contexto e dados para além do fato: cada bombardeio ou interceptação não é apenas um episódio isolado, mas parte de uma disputa de longo prazo sobre hegemonia regional, segurança de fronteiras e status nuclear.
Proxies, fronteiras e o risco de guerra regional
O conflito Israel–Irã transborda rapidamente para vizinhos e aliados. No Líbano, o Hezbollah — apoiado e treinado por Teerã — mantém um confronto quase diário com Israel desde a guerra em Gaza, com trocas de foguetes, drones e ataques pontuais que já transformaram a faixa de fronteira em zona de deslocamento em massa.
Relatórios recentes apontam que o número de incidentes envolvendo Israel e Hezbollah multiplicou-se em relação à média do período imediatamente posterior ao 7 de outubro de 2023, com impactos diretos sobre cidades do norte de Israel e sobre a frágil economia libanesa.
Na Síria, a “guerra nas sombras” segue em paralelo, com ataques atribuídos a Israel contra depósitos de armas e instalações ligadas à presença iraniana, parte da estratégia de “defesa avançada” de Teerã, que busca projetar seu poder para além das próprias fronteiras.
No Iraque e no Iêmen, grupos alinhados com o Irã realizam ataques com drones e mísseis contra alvos ligados a Israel, Estados Unidos ou rotas marítimas estratégicas, alimentando uma sensação de temperatura política elevada em múltiplos pontos do mapa.
Em mapas do poder elaborados por think tanks, o quadro é de “conflito em rede”: em vez de um front único, há uma série de pontos de pressão que podem ser acionados em resposta a cada movimento israelense ou iraniano, seja na forma de ataques no Líbano, seja via sabotagens e ofensivas no Golfo e no Mar Vermelho.
Sanções, drones e a guerra dos mísseis
A escalada militar vem acompanhada de uma escalada econômica. Estados Unidos e aliados, entre eles União Europeia e países asiáticos, reforçaram pacotes de sanções direcionadas a redes que abastecem o programa de mísseis balísticos e veículos aéreos não tripulados (UAVs) do Irã.
As medidas miram empresas e indivíduos em países como Irã, China, Hong Kong, Emirados Árabes Unidos e outros, acusados de fornecer componentes críticos para drones e mísseis utilizados tanto no Oriente Médio quanto em apoio à guerra russa na Ucrânia.
Para Washington, trata-se de proteger aliados e conter a proliferação de armas que “desestabilizam a região”. Para Teerã, o discurso é outro: o país afirma agir em Estado de Direito internacional ao responder a ataques contra seu corpo diplomático e acusa Israel de violar a soberania de países terceiros, como Síria e Líbano.
Do ponto de vista de mercados e investidores, esse movimento reforça a percepção de que o ambiente de negócios e confiança na região permanece altamente sensível a qualquer nova rodada de sanções ou ataques.
Petróleo, inflação e impacto global
Se o confronto Israel–Irã é local em termos geográficos, sua repercussão econômica é global. Cada míssil disparado na região parece se refletir nas telas das bolsas e no preço do barril de petróleo.
Relatórios do Banco Mundial e de instituições privadas alertam que choques sucessivos podem empurrar o preço do Brent para além dos US$ 100 em cenários de interrupção severa de oferta, especialmente em caso de bloqueio temporário do Estreito de Ormuz — por onde passa cerca de 20% do petróleo consumido no mundo.
Após ofensivas israelenses contra instalações iranianas em 2025, o petróleo chegou a subir mais de 9% em um único dia, no maior salto desde o início da guerra na Ucrânia, com mercados reagindo ao risco de interrupções de fluxo e a eventuais retaliações que atinjam infraestrutura energética.
Nesse cenário, a expressão “o que está em jogo” deixa de ser apenas retórica: choques de preço de energia tendem a alimentar a inflação global, encarecer frete, pressionar as contas de países importadores e embaralhar cálculos de política monetária em bancos centrais do mundo todo.
Para muitos analistas, a escalada força governos a um equilíbrio delicado entre respostas militares, defesa de aliados e preocupação com a sinalização ao mercado sobre continuidade de oferta e previsibilidade regulatória no setor de energia.
Diplomacia em modo contenção
Nos corredores de Washington, Bruxelas, Moscou, Pequim e nas capitais do Golfo, a leitura é de que, apesar da retórica inflamada, nenhum ator tem interesse imediato em uma guerra total que feche Ormuz ou provoque um colapso duradouro na economia global. Ainda assim, há consenso de que a margem de erro está cada vez menor.
Estados Unidos mantêm apoio militar e de inteligência a Israel, ao mesmo tempo em que pressionam por contenção em respostas consideradas excessivamente arriscadas, especialmente quando envolvem alvos nucleares e ofensivas que possam arrastar aliados da OTAN ou rivais estratégicos, como Rússia e China, para posturas mais assertivas.
A União Europeia, dividida entre a necessidade de segurança energética e compromissos com Israel, Irã e países árabes, aposta em governança multilateral: apelos à ONU, defesa do acordo nuclear iraniano (JCPOA) em alguma versão reconfigurada e apoio a canais de diálogo indireto.
Já países do Golfo, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar, fazem cálculos finos: parte deles teme tanto a ascensão de um Irã nuclear quanto o custo de um confronto aberto que atinja diretamente suas exportações e infraestrutura portuária.
O que muda com a escalada atual
Do ponto de vista de uma análise de viés de centro, o conflito Israel–Irã não é facilmente encaixado em narrativas simplistas. Há violações de soberania, riscos humanitários e dilemas reais de segurança em ambos os lados. É nesse quadro que faz sentido perguntar “o que muda” com a fase atual de escalada.
Alguns pontos de convergência entre analistas:
-
A “guerra nas sombras” perdeu exclusividade
O período em que Israel e Irã se confrontavam quase exclusivamente por meio de proxies e operações secretas parece ter ficado para trás. Ataques diretos, assumidos publicamente, aumentam risco de erro de cálculo e pressão por respostas mais duras. -
O tabuleiro regional está mais interconectado
A linha entre guerra em Gaza, tensão na fronteira com o Líbano e ataques entre Israel e Irã é cada vez mais tênue. Um movimento em qualquer frente altera a correlação de forças nas demais. -
Mercados incorporam prêmio de risco permanente
Em vez de reagir apenas a choques pontuais, investidores começam a trabalhar com a hipótese de um “prêmio de risco Oriente Médio” mais estrutural sobre petróleo, fretes e seguros, com impacto sobre inflação e crescimento. -
Diplomacia tradicional tem menos espaço de manobra
Com grandes potências em disputa e desconfiança crescente entre blocos, esforços de mediação encontram mais barreiras, o que pesa contra iniciativas de desescalada rápida.
Ao fim, a diferença entre fato e opinião torna-se crucial: é possível condenar ataques a civis e a infraestruturas diplomáticas e, ao mesmo tempo, reconhecer que ambos os lados respondem a percepções de segurança profundamente enraizadas — Israel diante de ameaças existenciais, Irã diante de décadas de sanções, isolamento e cercamento militar.
O conflito Israel–Irã, em sua fase atual, funciona como uma lente de aumento sobre as fragilidades do Oriente Médio e do sistema internacional. Ele coloca à prova não apenas a capacidade de contenção militar, mas também a resiliência de cadeias de energia, a coordenação entre grandes potências e a disposição de governos em investir em diplomacia antes que a próxima salva de mísseis torne o cálculo ainda mais caro — para a região e para o mundo.
Referências
Reuters – Oil soars more than 9% after Israel strikes Iran, rattling investors
Reuters – Oil surges to five-month high after US hits Iran’s key nuclear sites
AP News – The Latest | Israel says 99% of drones and missiles launched by Iran were intercepted
The Guardian – Iran launches hundreds of drones and cruise missiles at Israel in unprecedented attack
AFP / France24 – Hezbollah warns Israel against Lebanon border flare-up
The Guardian / World Bank – Oil price could exceed $100 a barrel if Middle East conflict worsens, World Bank warns
