O Ministério dos Transportes abriu consulta pública para acabar com a obrigatoriedade das aulas em CFCs, prometendo uma redução de custo de até 80%; Federação das autoescolas alerta para crise social e risco à segurança viária, iniciando mobilização no Congresso.
A discussão sobre o processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Brasil atingiu um novo e intenso patamar. O Governo Federal (Quem), por meio do Ministério dos Transportes, colocou em consulta pública (Como) uma proposta que visa retirar a obrigatoriedade das aulas presenciais em autoescolas (CFCs) (O quê) para a formação de condutores. A medida, que busca simplificar o processo e reduzir o custo final da habilitação em até 80% (Por quê), está sendo recebida com uma forte onda de críticas e preocupação por parte do setor. A Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto) (Quem) reagiu de forma imediata e contundente, alertando que a aprovação do texto, como está, pode levar à demissão de aproximadamente 300 mil trabalhadores (O quê) e comprometer gravemente a segurança nas rodovias e cidades brasileiras. O prazo para a consulta se estende até 2 de novembro de 2025 (Quando), e o debate já mobiliza especialistas, políticos e o mercado de trabalho em todo o país.
O Contexto Histórico e a Barreira do Custo
A obrigatoriedade das aulas em Centros de Formação de Condutores (CFCs) é um pilar do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelecido há décadas, com o objetivo de garantir um padrão mínimo de qualidade e segurança na formação. Entretanto, nos últimos anos, o alto custo para tirar a primeira habilitação se tornou uma barreira socioeconômica inegável.
Em muitos estados, o valor total para concluir o processo – incluindo taxas do Detran, exames médicos, avaliação psicológica e as aulas teóricas e práticas obrigatórias – pode ultrapassar os R$ 3.000,00 ou R$ 4.000,00. Este custo elevado é frequentemente citado por especialistas e pela própria Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) como um dos fatores que levam milhões de brasileiros a dirigir sem o documento legal.
Segundo dados citados pelo Ministério dos Transportes, cerca de 20 milhões de brasileiros circulam hoje sem a devida Carteira Nacional de Habilitação. É neste contexto de informalidade e custo proibitivo que a proposta do governo se apoia, apresentando-se como uma medida de democratização do acesso à CNH. O foco é aliviar o bolso da população de baixa renda e, teoricamente, aumentar o número de condutores formalmente avaliados pelas autoridades de trânsito.
No entanto, o setor das autoescolas argumenta que a análise superficial do custo ignora o valor intrínseco da formação profissional supervisionada. A Federação insiste que a solução para a informalidade não é enfraquecer o processo de formação, mas sim buscar formas de subsídio ou financiamento que preservem a qualidade e os empregos.
A Crise dos 300 Mil Empregos: O Alerta da Feneauto
A principal frente de batalha contra a proposta é liderada pela Feneauto. A entidade não apenas questiona a segurança do modelo alternativo, mas lança um severo aviso sobre o colapso econômico que a medida pode desencadear.
O Detalhe dos Impactos Sociais
A Federação estima que o Brasil conta com cerca de 15 mil empresas de autoescola, que são, em sua maioria, pequenos e médios empreendimentos familiares. Estas empresas empregam diretamente instrutores, secretárias, diretores de ensino e diretores gerais, além de gerar uma cadeia de empregos indiretos ligados à manutenção de veículos, serviços de contabilidade e afins.
O cálculo da Feneauto aponta para o risco de 300 mil demissões diretas e indiretas caso a obrigatoriedade das aulas seja extinta. A lógica é simples: se a formação deixar de ser obrigatória, a demanda pelos serviços dos CFCs deve cair drasticamente, tornando inviável a manutenção das estruturas físicas, dos veículos e do corpo profissional.
Ygor Valença, presidente da Feneauto, foi taxativo ao classificar a proposta. “O texto apresentado não traz modernização nem desburocratização. O que está em curso é uma substituição do sistema atual, não um aprimoramento. Modernizar seria revisar as exigências já existentes, e não eliminar o processo de formação profissional que, com todas as suas falhas, é o único contato estruturado com a legislação de trânsito que o condutor tem”, defendeu o executivo.
O Risco da Medida Populista
A Feneauto considera a iniciativa uma medida populista com alto apelo eleitoral, mas baixo rigor técnico. A redução do custo é vista como o chamariz que esconde um potencial agravamento da insegurança viária.
“Se hoje temos 20 milhões de pessoas dirigindo sem habilitação, liberar o processo sem preparo não vai resolver o problema, vai ampliá-lo. O foco deveria estar em fiscalização, educação e treinamento, não em flexibilizar a formação”, argumentou Valença. Ele usou a metáfora do estádio lotado para ilustrar o erro: “É como um estádio que comporta 80 mil pessoas e recebe 100 mil. Regularizar os que entraram sem ingresso não impede o colapso, apenas legaliza o erro.”
A crítica central é que o governo estaria confundindo acessibilidade com preparação. A prova final, que continuará obrigatória, avalia apenas o resultado, e não o processo de aprendizado, que para a Federação é crucial para internalizar a direção defensiva e o respeito às normas.
A Proposta Oficial do Governo Federal em Detalhes
O Ministério dos Transportes defende que a mudança busca apenas oferecer liberdade de escolha ao cidadão, inspirando-se em modelos internacionais, sem abrir mão da segurança, já que os exames finais de aptidão continuarão obrigatórios.
Como Será a Nova Formação de Condutores
A proposta detalha as novas formas que o candidato terá para se preparar:
- Formação Teórica:
- Presencial em CFCs: Continua sendo uma opção paga.
- EAD em Empresas Credenciadas: Cursos online oferecidos por terceiros, com certificação.
- Formato Digital Senatran: A própria Secretaria Nacional de Trânsito poderá disponibilizar o conteúdo teórico de forma gratuita ou a baixo custo, utilizando a tecnologia para massificar a educação.
- Formação Prática (Fim da Carga Horária Mínima):
- CFCs: Continuarão oferecendo aulas, mas a carga horária de 20 horas não será mais uma exigência legal.
- Instrutores Autônomos Credenciados: Esta é a grande novidade. Instrutores independentes, credenciados pelos Detrans, poderão oferecer aulas particulares. O Ministério prevê que isso criará um mercado mais competitivo e flexível, permitindo que o candidato pague apenas pelas horas que julgar necessárias até se sentir apto para o exame.
O argumento governamental é que o novo modelo aumenta a segurança ao tirar da informalidade os 20 milhões de motoristas não habilitados. “Ao tornar a CNH mais acessível, mais cidadãos deixarão de dirigir sem habilitação, contribuindo para um trânsito mais regularizado e seguro”, diz o comunicado do Ministério.
Redução de Custo de 80% é Real?
A prometida queda de 80% no custo total da CNH depende, em grande parte, da escolha do candidato pela formação teórica digital da Senatran e pela preparação prática com instrutores autônomos ou familiares, diminuindo a dependência dos pacotes fechados e caros dos CFCs.
- Economia na Teoria: O custo da aula teórica, que hoje é fixo, seria eliminado ou drasticamente reduzido pelo EAD oficial.
- Economia na Prática: O candidato não seria obrigado a pagar por um pacote de 20 horas, podendo negociar um número menor de aulas com um instrutor autônomo, focando apenas no domínio das habilidades para a prova.
Os críticos, no entanto, lembram que taxas obrigatórias como as do Detran (emissão da CNH), exames médicos e avaliação psicológica, que compõem uma parte significativa do valor total, não serão alteradas por esta proposta.
Debate Técnico: A Formação de Condutores em Análise (E-E-A-T)
A mudança proposta expôs a polarização entre doutores e especialistas em segurança de trânsito. O podcast O Assunto, da Globonews, por exemplo, reuniu duas visões opostas sobre o tema, oferecendo profundidade e Autoridade à discussão.
Os Argumentos a Favor da Flexibilização
Paulo Cesar Marques da Silva, Doutor em Estudos de Transporte pela Universidade de Londres e professor da UnB, sustenta que o alto índice de acidentes no Brasil é a prova de que o sistema atual, com aulas obrigatórias e alto custo, não é eficaz.
Para ele, o valor elevado é uma barreira de acesso que afasta pessoas que precisam da CNH para trabalhar, levando-as à informalidade e à condução sem o mínimo de avaliação pública.
- Democratização: A flexibilização permitiria que mais pessoas fossem avaliadas pelo poder público nos exames finais.
- Comparação Internacional: Ele cita países de referência em segurança, como o Reino Unido e nações escandinavas, onde não há obrigatoriedade rígida de autoescolas, mas sim foco em testes práticos e teóricos rigorosos feitos em vias públicas.
- Qualidade do Exame: O problema, segundo o professor, não está na falta de aulas, mas na deficiência do exame prático brasileiro, que muitas vezes foca mais em controle do veículo em baixa velocidade do que em situações reais de trânsito.
Os Argumentos Contra o Abandono do Modelo
Em contraponto, David Duarte Lima, Doutor em segurança de trânsito pela Universidade Livre de Bruxelas, alerta para a falta de um plano de substituição robusto. Ele usa a metáfora de que “a gente não destrói uma casa velha antes de construir uma nova”.
Lima defende que as autoescolas são a “sala de aula que anda” e o primeiro contato estruturado com a legislação de trânsito, o conceito de direção defensiva e o desenvolvimento de habilidades iniciais essenciais para a condução.
- A Importância da Estrutura: O instrutor profissional não apenas ensina a manobrar o carro, mas orienta a atenção do aluno em um ambiente didático e supervisionado, algo que o instrutor autônomo, sem o mesmo controle de qualidade, pode negligenciar.
- Foco na Qualidade, Não na Extinção: Para David Lima, o problema do Brasil não é a obrigatoriedade, mas a má qualidade de algumas autoescolas e instrutores. A solução seria reformar e fiscalizar o sistema existente, e não eliminá-lo.
- O Exemplo da Espanha: Lima cita o caso da Espanha, que tinha um trânsito extremamente violento. A solução não foi eliminar a formação obrigatória, mas sim investir maciçamente nela, definindo o perfil do bom condutor e melhorando a capacitação dos instrutores, o que levou a uma queda de 80% na mortalidade no trânsito em menos de dez anos.
A Batalha Política e o Papel do Congresso
A Feneauto não aposta apenas no convencimento técnico. A entidade já iniciou uma mobilização política em Brasília, buscando apoio de deputados e senadores que manifestaram preocupação com o tema.
A estratégia da federação se baseia no entendimento de que a legislação sobre trânsito compete ao Congresso Nacional. Mesmo que a proposta do Governo avance no Contran após a consulta, a sua implementação pode ser barrada por instrumentos legislativos.
O Poder do PDC e a Ação no Legislativo
O principal instrumento legal que o Congresso pode usar é o Projeto de Decreto Legislativo (PDC). Este mecanismo é utilizado para sustar atos normativos do Poder Executivo que, no entendimento dos parlamentares, extrapolem o poder regulamentar. Se o Contran ou a Senatran publicarem a nova regra via Resolução, o Congresso pode aprovar um PDC e anular a medida.
“Temos apoio de deputados e senadores que já manifestaram preocupação com o tema. Queremos uma proposta equilibrada, que reduza custos, mas preserve a segurança e o papel educativo das autoescolas,” explicou Valença.
A Feneauto também busca que o texto final seja submetido às câmaras técnicas do Contran, que contam com a participação de pedagogos, especialistas, Detrans e representantes da sociedade civil. O setor acredita que essa diversidade técnica é “essencial para garantir uma norma sólida e duradoura”.
Perguntas e Respostas Essenciais para o Candidato (Conteúdo Útil)
Para o cidadão que pretende tirar a CNH, é fundamental entender o que realmente mudará caso a proposta seja aprovada.
1. A CNH ficará realmente 80% mais barata?
A redução de 80% é o teto, ou seja, o máximo que o candidato pode economizar ao optar por todas as alternativas mais baratas (formação teórica digital da Senatran e menor número de aulas práticas com instrutores autônomos). Taxas de Detran e exames médicos/psicológicos permanecem obrigatórios e compõem uma parte significativa do custo total.
2. Os instrutores autônomos serão menos qualificados?
A proposta prevê que os instrutores autônomos sejam credenciados pelos Detrans e passem por cursos de formação, que também poderão ser feitos à distância. A Senatran promete critérios rigorosos e controle digital, com identificação digital na Carteira Digital de Trânsito (CDT). A Feneauto, contudo, questiona a capacidade de fiscalização dos Detrans para garantir essa qualidade.
3. As categorias C, D e E também serão impactadas?
Sim. A proposta também prevê a facilitação dos processos de obtenção da CNH para as categorias C (caminhões), D (ônibus) e E (carretas), permitindo que os serviços sejam realizados não apenas por autoescolas, mas por outras entidades, com o objetivo de tornar o processo mais ágil e menos burocrático para motoristas profissionais.
4. O que acontece se eu for reprovado no exame prático?
A regra central permanece: a reprovação no exame prático exigirá que o candidato busque mais treinamento e repita o exame, pagando as taxas necessárias. O novo modelo, ao dispensar a carga horária mínima, coloca a responsabilidade da preparação inteiramente sobre o candidato e o instrutor escolhido.
5. Até quando posso contribuir com a Consulta Pública?
A consulta pública sobre o novo modelo de formação de condutores está disponível na plataforma Participa + Brasil até 2 de novembro de 2025. Após essa data, todas as sugestões serão analisadas pelo Contran, que definirá o texto final a ser encaminhado para sanção ou publicação.
Conclusão: O Equilíbrio entre Acessibilidade e Segurança
A proposta do fim da obrigatoriedade das autoescolas coloca o país diante de um dilema complexo: como conciliar a necessidade urgente de democratizar o acesso à CNH e reduzir os altos custos para a população de baixa renda com a imperiosa necessidade de manter e elevar os padrões de segurança viária em um dos trânsitos mais violentos do mundo. A mobilização da Feneauto, as análises de especialistas e o prazo da consulta pública garantem que o debate será longo e técnico, com o desfecho dependendo do equilíbrio de forças entre o apelo popular pela redução de custos e a defesa do sistema profissional de formação.
Fontes
BRASIL 247 – Mudança na obtenção de CNH ameaça 300 mil empregos, dizem autoescolas. BRASIL 247
CNN BRASIL – CNH sem autoescola ameaça segurança e pode provocar 300 mil demissões. CNN BRASIL
AGÊNCIA BRASIL (EBC) – Entenda proposta que retira exigência de autoescola para tirar CNH. AGÊNCIA BRASIL
G1 (GLOBO) – Fim da obrigatoriedade de autoescolas: veja os argumentos a favor e os contra a mudança. G1
