O Brasil entra nesta quinta-feira, 16 de outubro, em uma rodada-chave com os Estados Unidos para reduzir o adicional de 40 pontos percentuais que elevou tarifas de vários produtos brasileiros de 10% para 50%. A missão brasileira é liderada pelo chanceler Mauro Vieira, já em Washington; do lado americano, quem conduz é o secretário de Estado Marco Rubio, após entendimento telefônico entre Lula e Donald Trump na semana passada. A orientação de Brasília é buscar um alívio rápido, iniciar uma agenda técnica de médio prazo e preservar a previsibilidade para contratos, emprego e investimentos.
O que aconteceu até aqui
Em julho de 2025, o governo dos EUA anunciou uma sobretaxa que levou a tarifa efetiva de diversas mercadorias brasileiras para 50%, justificando a medida por razões de política interna e por tensões bilaterais recentes. Segundo o Planalto, a proposta brasileira na mesa é remover a parcela adicional de 40 p.p. — devolvendo as alíquotas ao patamar pré-medida. As chancelarias acertaram que a conversa seria presencial em Washington, com Rubio convidando oficialmente Vieira para os encontros.
Quem foi mais afetado e quem ficou nas exceções
Levantamento do governo brasileiro estimou que 35,9% das exportações aos EUA foram diretamente atingidas pelo tarifaço. Entre os setores mais impactados estão café, carne bovina, têxteis, calçados e móveis — cadeias intensivas em trabalho e com margens mais estreitas. Já ramos como aeronáutica, parte do agro processado, petróleo e derivados e papel e celulose ficaram parcialmente excepcionados, o que deu algum fôlego a contratos estratégicos.
Os primeiros números depois da vigência da tarifa reforçam o alerta. Em agosto, mês inaugural do tarifaço, as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5% na comparação anual, segundo dados reportados por plataformas de comércio exterior e pela imprensa econômica. O recuo não colapsou a balança, mas reprecificou riscos e obrigou empresas a renegociar prazos, volumes e cláusulas de entrega.
O que estará na mesa em 16 de outubro
Do lado brasileiro, a estratégia combina priorização por NCM (itens que concentram emprego e encadeamento produtivo), proposta de descompressão por fases (retirada do adicional de 40 p.p. primeiro onde o impacto social e econômico é maior) e um roteiro de revisão técnica com prazos. Brasília também ventila alternativas regulatórias que não onerem consumidores — como cooperação em certificações, facilitação aduaneira e cronogramas de convergência para padrões — para produzir ganho concreto sem escalar o contencioso. Do lado americano, a sinalização de que Rubio liderará a tratativa após a ligação Lula–Trump foi lida como abertura para uma solução negociada.
Viés de centro: equilíbrio, dados e pragmatismo
Uma leitura centrista busca reduzir ruído político e maximizar resultados mensuráveis. Isso implica:
1) Foco em previsibilidade, não em retórica.
Empresas e trabalhadores precisam saber quando e quanto a tarifa efetiva cairá em cada código tarifário. Um anúncio que retire já o adicional de 40 p.p. para um conjunto de NCMs prioritários — e agende revisão para o restante — tem impacto imediato em caixa, emprego e investimento. O comunicado pode ser discreto; o importante é o efeito na ponta.
2) Evidência antes de narrativa.
Os 35,9% de pauta atingida e a queda de 18,5% em agosto ajudam a organizar prioridades. Mapear sensibilidade por setor (café, carne, têxtil, calçados, móveis) e por região exportadora orienta a sequência das liberações. Ao mesmo tempo, reconhecer as exceções (aeronáutica, petróleo/derivados, papel/celulose) evita alarmismo e identifica espaços de cooperação.
3) Paralelo doméstico de competitividade.
Mesmo com alívio tarifário, o Brasil precisa atacar gargalos internos — logística, burocracia e prazos de licenciamento — para que o benefício não seja consumido pelo Custo Brasil. Medidas de facilitação de comércio (janela única, digitalização de licenças, previsibilidade de despacho) fortalecem a resiliência exportadora em qualquer cenário de tarifa.
4) Diversificação sem improviso.
A abertura de mercados alternativos — via acordos de reconhecimento mútuo e redução de barreiras não tarifárias — é uma estratégia de seguro. Não se trata de “virar as costas” aos EUA, mas de reduzir vulnerabilidades enquanto a negociação acontece.
O componente político (e por que calibrá-lo)
As tarifas emergiram em um ambiente de tensões políticas. A designação de Rubio como interlocutor direto, contudo, foi recebida como gesto para baixar a temperatura e permitir que comércio e investimento voltem a pautar a relação. Para um viés de centro, a chave é despersonalizar a mesa: menos troca de acusações, mais cronogramas, metas e entregas auditáveis.
Cenários possíveis e seus impactos
1) Alívio parcial imediato (base case).
Retirada do adicional de 40 p.p. para NCMs com maior impacto socioeconômico e calendário de revisão de 30–60 dias para os demais. Efeito: melhora rápida de margens e retomada de pedidos em cadeias intensivas em trabalho; ainda resta incerteza sobre itens fora do primeiro pacote.
2) “Trégua técnica” (standstill).
Suspender temporariamente a cobrança adicional enquanto um grupo técnico define soluções equivalentes (padrões, certificações, convergência regulatória). Efeito: previsibilidade para contratos; risco de prolongar o debate se prazos não forem públicos.
3) Impasse controlado + mitigação doméstica.
Sem acordo, o Brasil acelera crédito direcionado, seguro de crédito à exportação e facilitação aduaneira para amortecer perdas e preservar empregos, mantendo o canal diplomático aberto. Efeito: evita piora abrupta, mas não resolve a incerteza e pode deslocar encomendas para terceiros países.
O que monitorar nos próximos dias
- Lista de NCMs contemplados no primeiro alívio, se houver, e critérios usados (emprego, impacto regional, integração de cadeia).
- Roteiro técnico (metodologia, prazos e marcos de revisão).
- Comunicação conjunta: se o anúncio trouxer metas verificáveis — por exemplo, um cronograma de normalização das alíquotas —, o mercado tende a reprecificar risco setorial com mais confiança.
- Sinais de cooperação: iniciativas de reconhecimento mútuo de certificações e facilitação logística são de baixo custo político e alto impacto imediato.
Por que a solução negociada é a via mais eficiente
Para além de agendas ideológicas, o caminho custo-efetivo é reduzir a tarifa agora onde o impacto é mais agudo, e usar o processo técnico para resolver o restante sem elevar tensão. Isso protege emprego, evita a quebra de fornecedores e preserva a malha de pequenas e médias empresas em cidades exportadoras. Ao mesmo tempo, passos paralelos de competitividade doméstica ampliam o ganho da negociação e reduzem a dependência de ciclos políticos.
No plano externo, ganhar tempo com previsibilidade também abre espaço para discutir temas convergentes (cadeias de baixo carbono, financiamento e padrões de qualidade), áreas nas quais Brasil e EUA têm potencial de benefícios mútuos. Em suma, uma trégua com metas vale mais do que um grande anúncio sem execução.
Parágrafo final
Se a quinta-feira produzir cronograma claro e redução efetiva da tarifa em setores prioritários, o Brasil já terá dado um passo decisivo para estabilizar contratos e blindar empregos. Caso o resultado seja uma trégua técnica crível, ainda assim haverá ganho de previsibilidade. O pior cenário — impasse com ruído — pode ser mitigado com medidas domésticas de competitividade. Na lógica de centro, o teste de sucesso não é o discurso, mas o dado verificável: qual foi a alíquota que chegou ao contrato, em que data, e com que impacto nas exportações e no emprego.
Fontes
- Reuters – Brazil set to talk tariffs with US on Thursday. Reuters
- Reuters – Brazil, US officials agree to meet in Washington to discuss trade. Reuters
- AP News – Lula asks Trump to lift 40% tariff on Brazilian imports. AP News
- AP News – Rubio invites Brazilian foreign minister for talks as Brazil seeks to ease tariffs. AP News
- Exame – EUA impõe tarifa extra de 50% para 35,9% das exportações brasileiras, calcula governo Lula. Exame
- IstoÉ Dinheiro – Tarifa de 50% dos EUA ao Brasil entra em vigor com exceções e sem medidas de retaliação. IstoÉ Dinheiro
- Datamar News – Brazil’s exports to U.S. fall 18.5% in August as trade surplus grows. Datamar News
- Suno Notícias – Tarifas afetam exportações brasileiras aos EUA, com queda de 18,5%. Suno Notícias
