Projeto no Congresso eleva temperatura política em Brasília, com debates sobre governabilidade e impactos na credibilidade internacional
Nos bastidores do poder em Brasília, cresce a leitura de que o governo federal enfrenta um novo teste de governabilidade com o avanço de um projeto de lei que busca equiparar facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), a grupos terroristas. Apresentado em março pelo deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), o texto altera a Lei Antiterrorismo de 2016 para incluir organizações criminosas e milícias na definição de terrorismo, permitindo medidas mais rigorosas como bloqueio de bens e sanções internacionais. Movimentos no Palácio do Planalto indicam recuo inicial, mas a oposição pressiona por aprovação, especialmente após uma operação policial no Rio de Janeiro que deixou 121 mortos, incluindo quatro agentes, em confronto com o CV. Interlocutores do governo afirmam que a proposta, embora populista, pode comprometer a previsibilidade econômica e a sinalização ao mercado, elevando o risco país e afetando o fluxo internacional de investimentos.
O clima no Planalto subiu após o adiamento da votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, prevista para o dia 4 de novembro. O relator, deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), defende a medida como essencial para combater a violência urbana, argumentando que facções como PCC e CV exercem controle territorial similar ao de grupos terroristas, com uso de táticas como atentados e intimidação. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), anunciou licença do cargo para assumir a relatoria, sinalizando apoio do centrão e de aliados regionais. No entanto, o governo Lula contrapôs com um projeto “antifacções” próprio, focado em desmontar estruturas financeiras das organizações, sem alterar a definição de terrorismo. Essa articulação política no Congresso revela uma correlação de forças favorável à oposição, com quórum para avançar a tramitação da PEC, mas travada na repartição de recursos e emendas.
Em contexto, o que está em jogo é a distinção entre crime organizado e terrorismo. Especialistas consultados apontam que facções criminosas visam lucro econômico, via tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, enquanto o terrorismo tem motivações ideológicas, religiosas ou políticas. “Misturar os dois conceitos é um erro”, diz Daniel Cerqueira, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em análise que ecoa preocupações com o Estado de Direito. A equiparação poderia abrir precedentes para abuso de autoridade, com aplicação de sanções sem devido processo ou presunção de inocência, criticando excessos semelhantes ao lavajatismo. Documentos mostram que a Lei de Crime Organizado já permite ações como delações premiadas e interceptações, sem necessidade de nova classificação.
A agenda econômica entra em cena com alertas sobre impactos fiscais. Analistas monitoram a ancoragem fiscal e a curva de juros, prevendo que a medida eleve o prêmio de risco brasileiro, afetando a atividade econômica e o PIB. “Se o Rio de Janeiro for visto como um Estado narcoterrorista, o governo e seus residentes poderiam enfrentar sanções econômicas graves”, adverte Cerqueira. Marivaldo Pereira, do Ministério da Justiça, destaca que diluir o conceito de terrorismo criaria barreiras automáticas para empresas brasileiras acessarem crédito internacional, sem direito a defesa. Isso pioraria o ambiente de negócios, com riscos para o setor financeiro e de seguros, dependente de resseguros estrangeiros. A previsibilidade seria abalada, com possível recuo na curva de juros e saída de fluxo internacional, em um momento de recuperação pós-pandemia.
No front internacional, a proposta ressoa com tensões recentes. Em maio de 2025, o Brasil rejeitou pedido dos EUA para designar PCC e CV como terroristas, em reunião com oficiais do Departamento de Estado americano. Mario Sarrubo, secretário nacional de Segurança Pública, afirmou: “Não temos organizações terroristas aqui, temos organizações criminosas que se infiltraram na sociedade”. Os EUA alegam presença das facções em 12 estados, com células envolvidas em tráfico de armas e lavagem, levando a 113 negativas de visto em 2024. A designação permitiria sanções e alocação de recursos, alinhada à política de imigração de Trump. No entanto, o Brasil mantém que sua lei antiterrorismo se aplica apenas a grupos que confrontam o Estado por motivos raciais ou religiosos, preservando freios e contrapesos institucionais.
Redes de poder explicam a pauta: o financiamento de campanhas e influência de doadores ligados à segurança pública impulsionam o debate. Investigação e documentação revelam laços históricos do PCC com grupos como o Hezbollah, na Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai, Argentina), onde crime organizado adota táticas terroristas como explosões e sequestros. Relatórios da ONU e do CSIS (Center for Strategic and International Studies) discutem a evolução dessas facções, com uso de “ferramentas terroristas” por gangs criminosos, mas sem ideologia política. No Brasil, o PCC, fundado em 1993, controla prisões e territórios urbanos, com estimados 30 mil membros, enquanto o CV, dos anos 1970, domina favelas no Rio. Ambas expandiram para o exterior, com presença na Europa e EUA, mas motivadas por lucro, não por insurgência.
O que muda com a equiparação? Para proponents, fortaleceria a articulação política contra o crime, permitindo congelamento de ativos e cooperação internacional mais robusta. Críticos, porém, veem risco de instabilidade, com possível intervenção estrangeira sob pretexto de combate ao terrorismo. Renato Galeno, do Ibmec-RJ, alerta: “O terrorismo representa um risco muito maior que o crime organizado”, podendo justificar ações militares externas. A crítica ao lavajatismo ressurge, com temores de excessos investigativos sem garantismo.
Em termos de opinião pública, pesquisas eleitorais e séries históricas indicam apoio popular à linha dura, mas com margem de erro que reflete divisões regionais. Dados indicam migração de eleitores no Sudeste para pautas de segurança, sem achismo. A série do PoderData aponta estabilidade na aprovação do governo, mas com viés de resposta em temas sensíveis. O mapa do poder atualiza forças no Senado, onde aliados do Planalto buscam diluir o texto.
Por que importa? Em um país com 40 mil homicídios anuais, muitos ligados a facções, a medida testa a credibilidade do Executivo em equilibrar segurança e economia. O governo sinaliza com reformas no setor de inteligência, mas evita rótulos que afetem a sinalização ao mercado. Enquanto a tramitação avança, o debate reforça a necessidade de reformas estruturais na justiça criminal, priorizando gestão sobre confronto ideológico. À medida que interlocutores negociam, a resolução depende de uma correlação de forças que preserve a estabilidade, evitando que hipóteses não verificáveis dominem os bastidores.
Fontes
Valor International – Equating criminal gangs with terrorists could raise Brazil’s risk premium
The Guardian – Brazil rejects US request to designate two gangs as terrorist organizations
Reuters – Brazil rejects US request to classify local gangs as terrorist organizations
CSIS – When Crime Becomes Terror: Rethinking the FTO Designation
