Ex-presidente inicia cumprimento de pena em Brasília após condenação histórica por tentativa de golpe de Estado, em caso que redefine os limites da democracia brasileira
Em uma decisão considerada histórica, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por liderar um plano de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022. A sentença, proferida em 11 de setembro de 2025, tornou-se o símbolo mais contundente do enfrentamento institucional ao golpismo bolsonarista e às tentativas de ruptura da ordem democrática.
No dia 25 de novembro de 2025, o STF determinou que Bolsonaro iniciasse o cumprimento da pena em uma unidade da Superintendência da Polícia Federal em Brasília, em cela individual, encerrando um período de prisão domiciliar e sucessivas manobras jurídicas da defesa. Segundo relatos da imprensa internacional, a ordem foi assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, após a Corte considerar esgotadas as principais vias recursais e diante do episódio em que o ex-presidente tentou violar a tornozeleira eletrônica.
Bolsonaro torna-se, assim, o primeiro ex-presidente brasileiro condenado por tentativa de golpe de Estado, num processo que também atingiu parte da cúpula militar e política que o cercou no poder. Generais como Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, além de figuras-chave como o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-chefe da Abin, Alexandre Ramagem, receberam penas que variam entre 16 e 26 anos de prisão em regime inicial fechado, compondo o núcleo duro da trama golpista desarticulada pelo STF.
Uma sentença que fecha um ciclo de turbulência democrática
A condenação não se restringe à biografia política de Jair Bolsonaro: ela fecha um ciclo que começou com a recusa em reconhecer o resultado das urnas em 2022, passou pela mobilização de apoiadores em acampamentos em frente a quartéis e culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
De acordo com a denúncia acolhida pelo STF, Bolsonaro foi condenado por cinco crimes principais: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado — estes últimos relacionados à destruição de obras de arte, mobiliário histórico e prédios públicos durante os atos golpistas.
As investigações apontaram para um plano estruturado, que ficou conhecido como “Punhal Verde e Amarelo”, envolvendo a elaboração de uma minuta de decreto para intervir no resultado eleitoral e, segundo delações e peças da acusação, cogitações de assassinatos de autoridades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
No vocabulário da imprensa progressista, expressões como golpismo bolsonarista, milícias digitais, gabinete do ódio, mídia hegemônica e estado de exceção tornaram-se atalhos para descrever a combinação de campanha permanente de desinformação, ataques às urnas eletrônicas e incitação à ruptura institucional que marcaram o bolsonarismo.
A partir desse enquadramento, a sentença do STF é lida como parte de uma longa luta pela democracia, que coloca limites à escalada da extrema direita e reafirma a centralidade das instituições frente a projetos autoritários que, por anos, tentaram “ganhar no grito” e pela força das redes.
A “estratégia de Alexandre de Moraes” e o fim da impunidade
No centro dessa virada está o que muitos analistas passaram a chamar de estratégia de Alexandre de Moraes: o desenho de uma resposta institucional que combina investigações sobre milícias digitais, responsabilização de financiadores de atos antidemocráticos e decisões firmes sobre o uso abusivo das redes sociais para atacar o sistema eleitoral.
Em seu voto no julgamento, Moraes enquadrou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa estruturada para sabotar a confiança nas urnas, instrumentalizar a máquina do Estado e flertar com a volta da ditadura. A maioria da Primeira Turma acompanhou essa visão, consolidando um entendimento de que a tentativa de golpe não foi um “excesso retórico”, mas uma operação concreta, com etapas, financiadores e comando político definido.
Para setores progressistas, trata-se de uma correção de rota em relação a um período anterior de judicialização da política em que a República Lava Jato foi acusada de ter contribuído para um estado de exceção seletivo, abrindo espaço para o avanço de uma direita radicalizada. A mensagem agora é outra: não há mais benevolência institucional com quem aposta em golpe midiático e violência para se manter no poder.
Disputa de narrativas: da “mídia hegemônica” à contrainformação
A condenação de Bolsonaro reacende também o debate sobre o papel da comunicação na democracia. Durante anos, veículos críticos à extrema direita denunciaram a conivência de parte da mídia hegemônica com a normalização do discurso de ódio, da misoginia, do racismo e do ataque sistemático às instituições, a partir da lógica do “equilíbrio” entre polos que, na prática, colocava democracia e autoritarismo no mesmo patamar.
Ao mesmo tempo, a ascensão de canais alternativos, jornalistas independentes e plataformas digitais progressistas consolidou a ideia de que contrainformação é poder: sem romper o monopólio narrativo, o golpismo bolsonarista teria ido ainda mais longe. O julgamento do STF, amplamente coberto por veículos internacionais, reforça a percepção de que a batalha pela democracia passa também pelo campo simbólico — pelos significados de palavras como “liberdade”, “pátria”, “família” e “soberania”.
Para os defensores de Bolsonaro, porém, a narrativa é outra: eles falam em “perseguição política”, “processo armado” e “caça às bruxas”, ecoando discursos já conhecidos em outros contextos de responsabilização de líderes autoritários. Mesmo assim, até agora as manifestações de rua em defesa do ex-presidente foram pequenas, se comparadas às mobilizações massivas de anos anteriores — um sinal de desgaste político e de cansaço social com o clima permanente de crise.
Reações no Brasil e no exterior
Logo após a definição da pena e, mais tarde, quando foi determinada a entrada imediata de Bolsonaro no sistema prisional, a repercussão internacional foi intensa. Agências como Reuters, AP e AFP destacaram o caráter inédito de um ex-chefe de Estado condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por tentar subverter a ordem democrática, em um julgamento acompanhado de perto por observadores estrangeiros.
Internamente, movimentos sociais, organizações de direitos humanos e lideranças de esquerda comemoraram a decisão como um marco civilizatório. A leitura predominante nesse campo é de que o Brasil, ao punir exemplarmente os golpistas, envia um recado não apenas para a extrema direita local, mas para uma onda global de autoritarismos que tenta capturar instituições por dentro das democracias.
Do outro lado, parlamentares e influenciadores alinhados ao bolsonarismo acusaram o STF de extrapolar suas competências e de atuar como “poder político” ao lado do Executivo, em um discurso que já vinha sendo testado nas redes e que agora ganha o reforço da prisão do ex-presidente. Porém, com Bolsonaro inelegível por anos — e agora encarcerado —, cresce o espaço para que outros nomes da direita busquem se apresentar como alternativa “civilizada”, menos associada ao golpismo aberto e mais alinhada ao jogo institucional.
O que muda para a democracia brasileira
A condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado não encerra, por si só, o ciclo de crises — mas redefine o patamar da disputa. Ao responsabilizar penalmente um ex-presidente e generais de alta patente, o STF sinaliza que não há “cheque em branco” para projetos de ruptura, e que a luta pela democracia precisa ser travada tanto nas ruas quanto nos tribunais e na arena da comunicação.
Ao mesmo tempo, o país é chamado a enfrentar uma tarefa mais profunda: reconstruir laços de confiança nas instituições, reduzir a dependência de lideranças messiânicas e enfrentar o legado de desinformação disseminado por milícias digitais e aparatos de propaganda que operaram, durante anos, à sombra do Estado. A punição do golpismo bolsonarista é um passo decisivo, mas não o último, na direção de uma democracia mais estável, inclusiva e imune às tentações autoritárias.
Se o Brasil conseguirá transformar esse momento em oportunidade de reforma democrática — com mais participação popular, democratização das comunicações e mecanismos de prevenção a novos surtos golpistas — é a grande pergunta que ficará para os próximos anos. O que já está dado, porém, é que a era da impunidade para projetos assumidamente antidemocráticos, ao menos no plano institucional, sofreu um abalo sem precedentes.
Referências
Reuters – Ex-President Bolsonaro starts serving 27-year sentence for Brazil coup plot
The Guardian – Jair Bolsonaro ordered to start 27-year prison term for plotting Brazil coup
AP News – Brazil’s former President Jair Bolsonaro begins 27-year prison sentence for coup attempt
CNN Brasil – Bolsonaro é condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por plano de golpe
Bloomberg Línea – Bolsonaro é condenado a 27 anos e três meses de prisão em caso histórico para o Brasil
RFI – Brasil: Jair Bolsonaro condenado a 27 anos de cadeia por tentativa de golpe de Estado
Exame – Bolsonaro é condenado a 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado pela 1ª Turma do STF
