Após fechamentos em Bruxelas e Liège e relatos próximos a instalações sensíveis, o governo acelera um plano anti-drone, aciona apoio do Reino Unido, França e Alemanha e tenta equilibrar governança e eficácia operacional sem deslizar para medidas de exceção — com suspeitas sobre interferência russa ainda sem prova conclusiva.
A Bélgica viveu, ao longo da última semana, uma sucessão de episódios que testou os limites da segurança aérea e da coordenação interagências no coração institucional da Europa. Na terça-feira, 4 de novembro, Brussels Airport precisou suspender pousos e decolagens após a identificação de drones na área de aproximação; o aeroporto de Liège, hub estratégico de carga, também foi temporariamente fechado horas depois pelo mesmo motivo. A escalada, consolidada por novos avistamentos nos dias seguintes, incluiu sobrevoos nas imediações de uma base aérea e de uma usina nuclear, acendendo o alerta máximo em Bruxelas.
Nas últimas 48 horas, o governo confirmou que recrutou forças estrangeiras — em especial equipes do Reino Unido — para reforçar a malha de detecção e neutralização de drones. A decisão inclui o envio de especialistas e equipamentos de guerra eletrônica (com capacidade de “jamming” e captura de telemetria), além da cooperação com França e Alemanha em pontos críticos. O movimento atende a um objetivo imediato: identificar e apreender ao menos um dos dispositivos para rastrear origem e destino dos voos. “Não estamos dizendo que é a Rússia; estamos dizendo que parece com a Rússia. Não é possível conectar qualquer incidente a um ator específico”, admitiu uma autoridade belga à Reuters, sob reserva.
Do lado britânico, o chefe das Forças Armadas, marechal do ar Richard Knighton, confirmou o envio de um destacamento anti-drone e enquadrou a medida como parte da resposta aliada a ameaças híbridas — aquelas que combinam tecnologia de baixo custo, alto efeito disruptivo e uma zona cinzenta de atribuição. O Ministério da Defesa do Reino Unido endossou a leitura: alianças como a OTAN são essenciais para lidar com incursões que, embora não rompam a “regra do jogo” formal da guerra, corroem a credibilidade dos sistemas civis e militares.
No plano interno, o que está em jogo para a Bélgica é a proteção de infraestrutura crítica e a manutenção da previsibilidade operacional — condição central para aeroportos, redes de energia e instituições que operam a partir de Bruxelas. O que muda com a entrada de equipes estrangeiras é a escala e a rapidez de resposta, num arranjo que combina sensores de baixa altitude, triangulação por RF e protocolos de interceptação e apreensão que visam reduzir o risco colateral. Por que importa: além do impacto imediato em passageiros, carga e seguros, cada incidente pressiona a confiança em cadeias logísticas europeias e na capacidade do Estado de impor regra do jogo clara no espaço aéreo de baixa altitude.
Há, claro, bastidores que ajudam a explicar o timing. Interlocutores de governos europeus vinham alertando para a possibilidade de ações de assédio aéreo relacionadas ao debate sobre o uso de ativos russos congelados — estimados em mais de €180 bilhões, grande parte estacionada na câmara de compensação Euroclear, sediada em Bruxelas — para financiar a reconstrução ucraniana. A correlação não está provada; a percepção de risco, sim. Em cobertura ao vivo, o The Guardian registrou que Berlim sugeriu um elo entre os drones e a discussão europeia sobre esses recursos. A resposta belga incluiu a aprovação inicial de € 50 milhões para modernizar a rede anti-drone e a formalização do apoio militar alemão em pontos sensíveis.
Pelo lado técnico, relatos de campo indicam que parte dos drones é maior e operou em formação, em voos noturnos com telecomando criptografado (4G/5G), o que sugere pessoal treinado e planejamento de rotas. Ainda assim, as autoridades evitam conclusões apressadas: atribuição em cenários de guerra híbrida é uma disciplina de paciência forense — requer apreensão de cargas úteis e cadeia de custódia de evidências para resistir ao escrutínio internacional. Enquanto isso, a Royal Air Force (RAF) desloca uma unidade especializada para atuar ao lado de equipes belgas em aeroportos e bases; França e Alemanha, por sua vez, agregam sensores e cobertura a instalações específicas.
Contexto e dados: interromper operações em grandes aeroportos gera perdas que extrapolam tarifas e bilhetes; afeta ambiente de negócios, seguros, coordenação de slots e SLA de carga — elo vital para e-commerce e farma. Por isso, a aposta do governo na ampliação de radares de baixa altitude, sensores passivos, RF-jamming e “zonas de exclusão dinâmica” (capazes de suspender e reabrir rapidamente pistas) caminha em paralelo à criação de um Centro Nacional de Segurança Aérea e à padronização de protocolos entre Defesa, polícia federal e reguladores de aviação. A ideia é sair do apaga-incêndio e construir governança com previsibilidade e transparência.
A prudência belga também se explica por um “mapa do poder” singular: além de abrigar OTAN e União Europeia, o país concentra engrenagens financeiras e logísticas com impacto continental. Em crises assim, o Estado de Direito e o devido processo importam tanto quanto radares — é preciso calibrar regras de interceptação, jammeamento e eventual abate de alvos para que sejam proporcionais, auditáveis e amparados por legislação que resista a contestações internas e externas. A fronteira entre proteção e vigilância abusiva é tênue, e uma resposta tecnicamente robusta perde credibilidade se for percebida como desabrida ou indiscriminada.
Nos bastidores de Bruxelas, a avaliação é que a Bélgica fez a sinalização ao mercado necessária — acionar aliados, anunciar investimento e dar horizonte de previsibilidade. Ao mesmo tempo, autoridades reforçam que “ninguém foi formalmente acusado” e que investigação e documentação seguem em curso. Para além da narrativa, há um componente pedagógico: diferença entre fato e opinião. Fato: houve fechamentos, há apoio estrangeiro e um plano de € 50 milhões para reforçar a malha anti-drone. Opinião: a autoria “parece russa”. Por ora, a prudência é manter o foco em dados verificáveis.
No terreno operacional, a Bélgica conta com bases e unidades que podem integrar a resposta, como Kleine-Brogel e Florennes, onde opera o 80º Esquadrão de UAVs — peça natural de uma rede de detecção, reconhecimento e inteligência. Em paralelo, a doutrina de Quick Reaction Alert (QRA) da OTAN ajuda a estruturar camadas de prontidão, agora expandidas para o paradigma contra-drone. O objetivo é elevar o tempo de reação e reduzir “zonas cegas” de baixa altitude, onde aeronaves convencionais de defesa aérea não têm vantagem.
O que os números mostram (sem achismo) é que a Bélgica não está isolada: nos últimos meses, aeroportos de Copenhague e Oslo também enfrentaram episódios de paralisação por drones, ainda que em escala menor, e países do Báltico relatam assédio aéreo intermitente desde 2022. O diferencial belga é o efeito-rede: disrupção em Bruxelas reverbera em malhas de conexão e fluxo internacional de mercadorias. Nesse sentido, a cooperação com o Reino Unido e vizinhos é leitura pragmática de correlação de forças e gestão de risco, mais do que demonstração de fraqueza.
Se a suspeita de interferência russa paira sobre a crise — pelo padrão de voo e pelo timing com o debate sobre ativos congelados —, é essencial lembrar que governabilidade da segurança passa por regras claras: quem decide, como decide e com qual base legal. Na prática, a Bélgica tenta ancorar sua resposta em três vetores: (1) tecnologia (sensores, jammeadores, integração C2); (2) cooperação (equipes aliadas e protocolos transfronteiriços); e (3) comunicação pública (prestar contas sem alarmismo, separando fato de inferência). Trata-se, em suma, de proteger a infraestrutura crítica sem transformar a exceção em novo normal.
Numa leitura de centro, o teste belga é menos ideológico do que gerencial: como recompor credibilidade e confiança sem atropelar direitos e sem impor custos desnecessários a passageiros, trabalhadores e empresas? O caminho passa por contexto e dados, o que está em jogo para o sistema europeu e o que muda na régua de segurança de baixa altitude daqui para frente. No curto prazo, a combinação de reforço técnico e prudência discursiva tende a reduzir o “prêmio de incerteza” e a devolver previsibilidade à rotina dos aeroportos e áreas sensíveis. No médio prazo, a avalanche tecnológica dos drones exigirá nova governança regulatória — com padrões comuns na UE para exclusões dinâmicas, interceptação e cadeia de custódia de provas, de modo a blindar o processo decisório contra ruídos políticos e contestações jurídicas.
Se a temperatura baixar e as medidas entregarem resultados, a Bélgica terá dado um manual útil para demais capitais europeias: evidência antes de atribuição, coordenação antes de retórica e proporcionalidade antes de espetáculo. Num continente que discute soberania digital, autonomia estratégica e uso de ativos congelados para fins de guerra, proteger o céu de baixa altitude é mais do que uma operação técnica — é um compromisso com governança que combina segurança, liberdade e Estado de Direito.
Referências
Reuters – Belgium enlists foreign forces to combat drone incursions.
AP News – UK sends military experts and equipment to Belgium after drone sightings near airports.
The Times – RAF to protect Belgium from ‘rogue drones’ at military bases and airports.
Reuters – Brussels Airport closed after reported sighting of drone.
The Guardian – Belgian drone sightings could be linked to talks on using frozen Russian assets, says German minister – as it happened.
Le Monde – Belgium faces security crisis as daily drone overflights spark alarm.
