Normativa do Banco Central determina o fim de estruturas financeiras usadas pelo crime organizado, com prazo de adequação até dezembro de 2025, impactando diretamente bancos, fintechs e instituições de pagamento.
O Banco Central do Brasil publicou nesta segunda-feira, 3 de novembro de 2025, um conjunto de novas regulamentações que visam o encerramento definitivo das chamadas “contas-bolsão” irregulares. A medida, que estabelece um prazo de adequação para as instituições financeiras também até 1º de dezembro de 2025, busca intensificar o combate a crimes como lavagem de dinheiro, fraudes e sonegação fiscal, coibindo o uso dessas estruturas para ocultar recursos e beneficiários dentro do sistema financeiro nacional. A decisão terá impacto direto sobre a operação de bancos, fintechs e diversas instituições de pagamento.
Contexto
As “contas-bolsão” representam um desafio antigo para as autoridades monetárias e de segurança pública no Brasil. Tratam-se de arranjos financeiros complexos onde múltiplos beneficiários utilizam uma mesma conta para transacionar valores, muitas vezes de forma opaca e sem a devida identificação individual dos envolvidos. Essa característica as torna ferramentas ideais para a movimentação de capitais ilícitos, operando como um ponto cego no sistema.
Historicamente, essas estruturas têm sido empregadas por organizações criminosas para dificultar o rastreamento de fluxos financeiros, servindo como um véu para lavagem de dinheiro oriundo de atividades ilegais, como tráfico de drogas, corrupção, e até mesmo para a prática de fraudes financeiras em grande escala. A dificuldade em identificar o beneficiário final de cada transação é um dos pilares que sustenta o uso dessas contas para propósitos espúrios, permitindo a camuflagem de origens e destinos de recursos.
A atenção do Banco Central sobre o tema não é recente. Relatórios e análises internas da autarquia já apontavam para a urgência de uma regulamentação mais robusta para fechar as brechas exploradas por criminosos. A publicação destas novas regras, portanto, não surge de forma isolada, mas como a culminância de esforços contínuos para aprimorar a integridade e a transparência do sistema financeiro nacional, alinhando-o às melhores práticas internacionais de combate a ilícitos e garantindo a solidez institucional.
A Definição e o Uso Indevido
Em termos práticos, uma “conta-bolsão” irregular se caracteriza pela dificuldade em vincular cada transação ao seu verdadeiro beneficiário final. Isso difere de contas compartilhadas legítimas, onde as regras de identificação e responsabilidade são claras. No contexto criminoso, essas contas são projetadas para diluir a responsabilidade e embaralhar o rastro do dinheiro, um mecanismo essencial para a sonegação fiscal e a ocultação de fortunas ilícitas.
A expansão do mercado financeiro e a proliferação de novos modelos de negócios, especialmente com o avanço das fintechs e instituições de pagamento, também trouxeram novos desafios. Embora essas inovações democratizem o acesso a serviços financeiros e impulsionem a economia digital, elas também podem ser inadvertidamente exploradas caso as normativas de compliance e identificação de clientes não sejam suficientemente rigorosas e atualizadas. A regulação busca proteger essa evolução sem comprometer a segurança.
Impactos da Decisão
As novas regras do Banco Central prometem um impacto profundo e multifacetado no cenário financeiro brasileiro. Primeiramente, as instituições financeiras, incluindo bancos tradicionais, fintechs e instituições de pagamento, terão a responsabilidade de revisar e adaptar seus sistemas e processos internos para garantir a plena identificação de todos os beneficiários de qualquer conta, eliminando a opacidade das “contas-bolsão” irregulares e reforçando a segurança operacional.
Essa reestruturação exigirá investimentos significativos em tecnologia e treinamento de pessoal. O prazo de 1º de dezembro de 2025 para a adequação, embora aparentemente distante, demandará um planejamento estratégico robusto para evitar sanções e garantir a conformidade regulatória. A medida fortalece a estrutura de governança e compliance das instituições, elevando o patamar de segurança do sistema e prevenindo riscos reputacionais e legais.
Para o combate ao crime organizado, a decisão é um golpe significativo. Ao dificultar a ocultação de ativos e a movimentação de recursos ilícitos, o Banco Central espera desmantelar redes de lavagem de dinheiro, fraudes e sonegação fiscal que dependiam dessas brechas. A maior transparência permitirá às autoridades de investigação rastrear com mais eficácia a origem e o destino de fundos suspeitos, contribuindo para a recuperação de ativos.
Fortalecimento da Supervisão
A iniciativa do Banco Central não se limita apenas à imposição de novas regras, mas também ao fortalecimento de sua capacidade de supervisão. A clareza nas normativas permitirá uma fiscalização mais assertiva e eficaz, coibindo práticas que antes poderiam ser justificadas pela ambiguidade regulatória. O objetivo é criar um ambiente onde a transparência seja a norma, e não a exceção.
A expectativa é que, com a eliminação dessas estruturas opacas, haja uma melhora na qualidade dos dados disponíveis para análise de risco e prevenção a crimes financeiros. Isso beneficiará não apenas as autoridades, mas também as próprias instituições, que poderão gerenciar seus riscos de forma mais eficiente e proteger seus clientes de envolvimento inadvertido em atividades ilícitas.
A Visão dos Diretores
A importância estratégica da medida foi articulada por diretores do Banco Central, evidenciando o comprometimento da autarquia com a integridade do sistema. Ailton Aquino, diretor de Fiscalização, e Izabela Correa, diretora de Cidadania e Supervisão de Conduta, são figuras centrais na condução e no monitoramento dessas novas diretrizes, refletindo a amplitude da abordagem do BC, que une rigor fiscalizatório e preocupação com a conduta.
A coordenação entre as áreas de fiscalização e de cidadania e supervisão de conduta ressalta a visão de que a integridade do sistema financeiro vai além da mera conformidade técnica, englobando também a proteção do consumidor e a promoção de um ambiente ético. A sinergia entre esses pilares é essencial para a efetividade das novas regras e para o fortalecimento da confiança pública no setor.
Próximos Passos
A contagem regressiva para 1º de dezembro de 2025 já começou para o setor financeiro. Instituições de todo o país deverão iniciar um processo minucioso de análise de suas carteiras de clientes e de seus produtos, identificando quais contas podem ser categorizadas como “contas-bolsão” irregulares e elaborando planos para sua regularização ou encerramento, conforme as novas diretrizes do Banco Central.
Este período de adequação envolve não apenas a parte técnica de sistemas, mas também a reavaliação de políticas de Know Your Customer (KYC) – Conheça Seu Cliente – e Anti-Money Laundering (AML) – Combate à Lavagem de Dinheiro. As instituições terão que demonstrar ao regulador que implementaram mecanismos eficazes para prevenir a reemergência de práticas opacas e que estão em total conformidade com a nova legislação.
Especialistas do setor jurídico e de compliance preveem um aumento na demanda por consultoria e por soluções tecnológicas que auxiliem na adaptação. A complexidade de alguns arranjos financeiros pode exigir interpretações cuidadosas das novas regras, e o diálogo contínuo entre o Banco Central e o mercado será fundamental para uma transição suave e eficaz. O objetivo final é um sistema financeiro mais robusto e menos vulnerável à manipulação criminosa, protegendo a economia e a sociedade.
Desafios e Expectativas
Os desafios da implementação são consideráveis. As instituições financeiras precisam lidar com a complexidade de sistemas legados e a necessidade de integrar novas tecnologias que permitam a identificação e o monitoramento em tempo real de transações e beneficiários. A padronização de processos e a garantia de que as equipes estejam plenamente capacitadas serão cruciais para o sucesso da empreitada regulatória.
A expectativa do Banco Central é que, com o fim das “contas-bolsão” irregulares, o Brasil avance significativamente em sua agenda de combate aos crimes financeiros, alinhando-se a padrões globais de transparência e integridade. Isso pode inclusive fortalecer a confiança de investidores estrangeiros, atraindo mais capital para um mercado percebido como seguro e bem regulado. O monitoramento contínuo da autarquia garantirá a efetividade das medidas.
A longo prazo, a iniciativa pode estimular uma cultura de maior rigor e ética no manuseio de recursos financeiros em todos os níveis do mercado. Ao fechar uma porta para a ilegalidade, abre-se caminho para um ambiente de negócios mais justo e competitivo, onde a inovação é incentivada, mas sempre dentro dos limites da lei e da integridade financeira. A colaboração entre setor público e privado será fundamental para consolidar esses avanços.
Fonte:
GLOBO – Banco Central publica regra que acaba com ‘contas-bolsão’ utilizadas pelo crime organizado. GLOBO
