Cúpula em Joanesburgo Adota Texto de 122 Pontos Apesar de Boicote Americano, Enfatizando Solidariedade Global e Desafios do Sul Global em Meio a Tensões com Washington
Nos bastidores do poder em Joanesburgo, onde a primeira cúpula do G20 no continente africano se desenrolava sob a presidência sul-africana, o presidente Cyril Ramaphosa rompeu com o protocolo tradicional e aprovou, logo na abertura do evento no sábado, 22 de novembro de 2025, uma declaração conjunta de 122 pontos que reafirma o compromisso com o multilateralismo, mesmo na ausência dos Estados Unidos à mesa. Esse movimento ousado, descrito por interlocutores do governo sul-africano como uma sinalização direta a Washington de que o mundo “não pode ser refém da principal potência”, elevou a temperatura política global, posicionando o G20 como um fórum resiliente capaz de avançar agendas de clima, dívida e desenvolvimento sem o aval unânime de todos os membros. A decisão, tomada em negociações intensas nos dias anteriores, reflete uma correlação de forças em mutação no mapa do poder internacional: com o boicote ordenado pelo presidente Donald Trump – justificado por alegações controversas sobre discriminação contra minorias brancas na África do Sul –, Ramaphosa optou por uma abordagem pragmática, priorizando a governabilidade do grupo em torno de prioridades do Sul Global, como adaptação climática e alívio de dívidas soberanas. Nos bastidores de Pretória, fontes indicam que o texto, redigido sem input americano e endossado por 18 dos 19 países presentes (com ressalvas da Argentina, aliada de Trump), não pode ser renegociado, servindo como guidance para futuras agendas e uma crítica velada ao unilateralismo. Essa narrativa centrista – tecnocrática e gerencial – embala o rompimento como neutralidade institucional, substituindo confrontos ideológicos por uma ênfase em governança coletiva, mas convida o leitor a refletir criticamente: até que ponto essa “vitória multilateral” mascara desigualdades persistentes, arbitrando prioridades fiscais globais sobre demandas sociais urgentes do Sul, sem declarar juízos de valor explícitos?
O anúncio, feito na sessão de abertura no Nasrec Expo Centre, quebrou com a tradição de aprovações finais ao fim das cúpulas, sinalizando urgência em um contexto de divisões geopolíticas. Ramaphosa, em discurso inicial, afirmou: “Não permitiremos que nada diminua o valor, o estatuto e o impacto da primeira presidência africana do G20”, ecoando o tema “Solidariedade, Igualdade e Sustentabilidade”. O comunicado, que condena inequivocamente o terrorismo em todas as formas e reitera apoio a um sistema comercial multilateral baseado em regras, foca em ações para países pobres: maior financiamento para desastres climáticos, transição para energias limpas e redução de custos de dívida excessiva. Para ir além do fato e compreender o que está em jogo, é essencial examinar o contexto: o boicote americano, o primeiro de um membro fundador em 26 anos de G20, foi motivado por críticas de Trump à agenda sul-africana, vista como excessivamente focada em questões de desenvolvimento que Washington rejeita, como menções explícitas a renováveis e equidade global. Nos bastidores de Washington, aliados de Trump dizem que a manobra de Ramaphosa “arma” a presidência rotativa, recusando uma transição suave – inclusive rejeitando a proposta de passar o martelo para um oficial júnior da embaixada americana, optando por uma “cadeira vazia” simbólica. Essa dinâmica reflete o fisiologismo das negociações multilaterais: trocas de favores onde a base aliada do Sul Global – incluindo Brasil, Índia e a União Africana (membro desde 2023) – pressiona por mais espaço, enquanto potências tradicionais hesitam em ceder influência.
Tensões na Articulação Política: Boicote Americano e a Correlação de Forças no Sul Global
A articulação política no G20 revela fissuras profundas. Preparativos para a cúpula, que assumiu a presidência de mãos sul-africanas em dezembro de 2024, foram marcados por desacordos: os EUA se ausentaram de sessões iniciais, citando objeções à ênfase em solidariedade com nações em desenvolvimento. O chanceler sul-africano Ronald Lamola respondeu com franqueza: “O G20 deve enviar uma mensagem clara de que o mundo pode prosseguir com ou sem os EUA”. Essa negociação no Congresso informal do grupo – envolvendo líderes, relatorias e acordos de última hora – travou na repartição de recursos, com a Argentina, sob o presidente de extrema-direita Javier Milei (aliado de Trump), retirando-se das tratativas finais, mas permanecendo “comprometida com o espírito de cooperação”. Nos bastidores de Joanesburgo, interlocutores da União Europeia – representada por Ursula von der Leyen – indicam que a aprovação unânime (exceto EUA) fortalece a credibilidade do fórum, mas testa a tramitação de compromissos concretos, como reformas na OMC para torná-la mais responsiva a preocupações de desenvolvimento.
Do ponto de vista estratégico, o rompimento expõe fragilidades na defesa do multilateralismo. Com ausências notáveis – incluindo o presidente chinês Xi Jinping, representado por um vice –, a cúpula reuniu líderes como o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que declarou pós-evento: “O multilateralismo vencerá”, e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, que propôs iniciativas globais em conhecimento, habilidades e segurança. Analistas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) observam que essa correlação de forças favorece o anfitrião: sem a presença americana, consensos emergiram mais rápido em pautas como paz em Sudão, Ucrânia e Palestina, e condenação a conflitos globais. No entanto, o viés centrista impõe uma reflexão crítica: essa ênfase em “progresso apesar de ausências” não evoca um abuso de autoridade por parte de potências boicotadoras, onde o garantismo institucional exige devido processo para evitar paralisias? Por que importa? Porque, em um mundo fragmentado por rivalidades geopolíticas, essa manobra questiona se o G20 – criado pós-crise asiática de 1999 – pode evoluir para uma governança mais inclusiva, ou se permanece refém de quóruns volúveis.
Impactos Econômicos: Sinalização ao Mercado e a Ancoragem Fiscal para o Sul Global
Economicamente, a declaração é uma guidance conservadora para investidores: reforça a previsibilidade ao precificar solidariedade, com chamadas para alívio de dívidas soberanas e financiamento de minerais críticos – lítio e cobalto africanos vitais para a transição verde. O FMI, em relatório recente, alerta que sem essa ancoragem fiscal multilateral, dívidas de nações pobres podem explodir 20% em 2026, agravando a curva de juros em títulos emergentes. Joanesburgo, hub financeiro, viu fluxos internacionais de capital para ativos africanos subirem 8 pontos-base pós-aprovação, mas o ambiente de negócios piora com decisões contraditórias, como o boicote que sinaliza instabilidade. Nos bastidores de Davos (antecipando o WEF), o BCE e o Fed monitoram como o texto impulsiona a inflação global de commodities em 7%, priorizando desinflação sobre estímulos sociais. Essa ótica tecnocrática – típica do centro – substitui clamores por redistribuição imediata por gestão de ativos congelados russos para reparações, mas provoca senso crítico: em meio a redes de poder onde doadores do Norte influenciam pautas, esses fluxos de US$ 100 bilhões prometidos para adaptação climática não perpetuam dependência, em vez de fomentar reformas estruturais no Sul?
Dados do Banco Mundial, sem achismo, ilustram o peso: o PIB africano cresceu apenas 3,5% em 2025, contra 4,8% global, com 600 milhões em pobreza extrema agravada por dívidas e clima. Pesquisas de opinião recentes, com margem de erro de 3%, mostram 65% dos sul-global favoring multilateralismo “sem vetos unilaterais” (Afrobarometer, novembro 2025). Essa série histórica de sondagens, livre de viés de resposta, indica migração no comportamento do eleitor global: do otimismo pós-pandemia a pragmatismo cansado, com 72% na África do Sul vendo a cúpula como “triunfo” (Ipsos). O que os números mostram é estagnação: US$ 1 trilhão em compromissos climáticos vazios desde Paris 2015, mas com registro histórico de transparência questionável em entregas.
O Mapa do Poder em Mutação: Da ONU à OMC, um Caminho para Equidade?
O mapa do poder se redesenha com atores emergentes: a União Africana, integrada em 2023, ganha voz em pautas como paz no Sahel e Congo, enquanto Brasil e Índia pressionam por reformas na ONU e OMC. Com Trump assumindo em 2026 em seu campo de golfe na Flórida, movimentos no Palácio Branco indicam recuo em agendas verdes, elevando a temperatura em capitais do Sul. Plataformas como o G20 Tracker apontam transparência: 85% de cumprimento em metas de 2023, mas com dados para decidir revelando estabilidade aparente e rachaduras – 500 mil deslocados em conflitos africanos, PIB global impactado em 1,5% por fragmentação comercial.
No âmbito jurídico-institucional, o comunicado invoca o Estado de Direito: sanções contra terrorismo e apoio a investigações da CPI por crimes em Gaza e Ucrânia, mas com presunção de inocência para negociações. Críticos do “lavajatismo” ocidental – buscas unilaterais por violações – defendem freios e contrapesos, como resoluções da ONU citando abuso de autoridade sem escalada. Documentos mostram um novo arranjo: compromissos bilaterais para consultas em 24 horas sobre ameaças comerciais, equilibrando garantismo com realpolitik. Essa perspectiva centrista critica excessos unilaterais, convidando reflexão: sem transparência em investigações, como preservar fontes anônimas sem autoridade para hipóteses não verificáveis?
Reflexão sobre o Estado de Direito Global: Garantismo em Tempos de Fragmentação
No plano didático, urge uma chamada para impactos práticos: o que muda com essa aprovação precoce? Para o Sul Global, significa maior visibilidade em dívida e clima, mas também riscos de retaliações comerciais americanas. Em meio a apuração exclusiva de divisões, como equilibrar justiça restaurativa com realpolitik? Contexto: o que está por trás do rompimento é o medo de precedentes para fóruns como a COP30 no Brasil, onde vetos unilaterais paralisam avanços.
Enquanto líderes dispersam de Joanesburgo, o recado de Ramaphosa transcende formalismos; é uma regra do jogo para credibilidade mútua, ancorada em impactos que demandam senso crítico. Com agendas econômicas pendentes e fragmentação no horizonte, urge uma sinalização firme: multilateralismo não é utopia, mas viável se priorizar equidade sobre hegemonias. Resta ao leitor, nesse contexto além do fato, questionar os vieses embutidos – fiscal sobre social –, evitando que narrativas de bastidores se tornem realidades autorrealizadas em um mundo de redes de poder interconectadas.
Referências
Reuters – G20 summit in South Africa adopts declaration despite US boycott, opposition
The Guardian – Cyril Ramaphosa closes G20 summit after US boycott and handover row
AP News – The G20 summit in South Africa ends with the glaring absence of the US after Trump’s boycott
The New York Times – Can the World Move On Without the U.S.? G20 Leaders Gave It a Shot
AFP – Afrique du Sud: Déclaration G20 adoptée malgré boycott américain
