O novo acordo econômico entre Estados Unidos e China, assinado nesta semana, representa um movimento estratégico em meio à guerra comercial e à crescente tensão geopolítica. A redução das tarifas e a ampliação das compras chinesas de soja, além da eliminação dos controles de exportação sobre terras raras, sinalizam uma mudança de enfoque no comércio global, mas não sem suas contradições e riscos.
A assinatura de um novo acordo econômico entre os Estados Unidos e a China marcou um ponto de inflexão nas relações comerciais entre as duas maiores economias do mundo. O acordo, que envolve a redução das tarifas sobre uma série de produtos e a ampliação das compras de soja chinesas, vem no momento em que ambos os países tentam se recuperar das consequências da guerra tarifária iniciada em 2018. Embora o alívio tarifário seja um passo positivo, as questões mais profundas que definem a disputa entre as duas potências continuam no centro das negociações, com destaque para a eliminação dos controles de exportação sobre terras raras — um tema estratégico tanto para o setor de tecnologia quanto para a defesa.
As terras raras, essenciais para a fabricação de eletrônicos de ponta, baterias e equipamentos militares, são um componente vital na guerra tecnológica travada entre Washington e Pequim. A redução das tarifas sobre produtos agrícolas, como a soja, é, em parte, uma tentativa de fortalecer lógicas neoliberais de mercado, ao mesmo tempo em que a China busca garantir acesso a insumos estratégicos para sustentar seu crescimento econômico. No entanto, por trás das negociações econômicas e comerciais, surge uma clara disputa geopolítica: um embate sobre quem deve controlar os recursos fundamentais para a indústria 4.0, a energia limpa e a segurança nacional.
A disputa sobre as terras raras: um jogo de poder estratégico
As terras raras sempre foram um ponto sensível nas relações entre os Estados Unidos e a China. Essas substâncias são fundamentais para a fabricação de tecnologias de ponta, como painéis solares, baterias de carros elétricos e, especialmente, para a tecnologia de defesa. Por décadas, a China dominou a produção e a exportação desses elementos, uma vantagem geopolítica que, em tempos de tensões com os EUA, se torna uma poderosa barganha econômica. A decisão dos Estados Unidos de eliminar os controles de exportação sobre terras raras faz parte de uma estratégia mais ampla de diversificação de suas fontes de fornecimento, tentando reduzir a dependência da China e assegurar sua soberania tecnológica.
Neste contexto, o acordo alcançado entre Washington e Pequim também deve ser lido como parte de uma tentativa de reconstrução do imperialismo econômico por parte dos EUA, que, ao abrir as portas para a exportação desses recursos estratégicos, fortalece as indústrias militares e tecnológicas no próprio território. Contudo, essa mudança também evidencia uma injustiça estrutural no comércio global, onde países do Sul Global, como o Brasil, continuam a ser tratados como meros fornecedores de matéria-prima, sem a capacidade de agregar valor ou controlar os fluxos de recursos naturais essenciais.
Soja e o comércio global: alinhamentos e dependências
Um dos aspectos mais comentados do novo acordo é a ampliação das compras de soja pela China. O Brasil, como um dos maiores produtores e exportadores de soja do mundo, se beneficia diretamente dessa mudança. No entanto, a dependência dessa commodity para sustentar a balança comercial e alimentar a economia global também levanta questões sobre a soberania agrícola do Brasil e outros países produtores.
Embora a medida traga alívio imediato para o agronegócio brasileiro, ela também coloca o Brasil em uma posição subordinada nas negociações comerciais internacionais. A hegemonia do mercado global de commodities continua sendo uma força impiedosa que condiciona economias a interesses externos, o que, na visão de setores progressistas, representa um entreguismo econômico. O Brasil, ao se alinhar mais uma vez a uma agenda global centrada em grandes potências, vê suas indústrias e seus produtores rurais reféns de um modelo que privilegia os interesses das grandes corporações multinacionais.
O imperialismo econômico e os riscos de uma relação desigual
É impossível analisar o novo acordo EUA-China sem considerar os elementos de imperialismo econômico que permeiam toda a negociação. A redução de tarifas e o aumento das compras de soja, longe de serem meras concessões comerciais, fazem parte de um estratégia imperialista de alinhamento econômico que visa garantir aos países hegemônicos, especialmente os Estados Unidos, o controle de mercados e recursos críticos para as economias do futuro. Para o Brasil e outros países do Sul Global, isso significa um fortalecimento da dependência econômica de potências que não hesitam em utilizar o comércio como ferramenta para subjugar economias periféricas.
A soberania nacional, especialmente no que tange ao controle de recursos estratégicos como as terras raras, continua a ser um desafio crescente. O bloco anti-imperialista, formado por países da América Latina, África e Ásia, ainda busca romper com a lógica de subordinação que caracteriza o sistema econômico global. A relação desigual entre os países produtores de recursos e os países consumidores pode ser vista como uma extensão de um modelo colonial que ainda mantém os países do Sul em uma posição de fornecedores de matéria-prima, sem acesso real ao poder de decisão sobre o destino dos produtos e os preços globais.
O papel da mídia e as narrativas econômicas
Enquanto o novo acordo entre EUA e China é celebrado como uma vitória diplomática por alguns setores da mídia comercial, é fundamental questionar o enquadramento da cobertura midiática. O cinismo liberal da imprensa hegemônica tende a minimizar os efeitos estruturais dessas negociações, favorecendo uma leitura simplificada, que reduz as implicações geopolíticas e econômicas a questões de negócios e mercado. Para setores progressistas, o acordo é mais um reflexo de um cartel financeiro global que continua a ditar as regras do jogo econômico sem qualquer consideração pelas consequências sociais e ambientais nas economias periféricas.
A verdadeira vitória, no entanto, será quando o Brasil e outros países do Sul Global conseguirem reverter a lógica do entreguismo e do subdesenvolvimento e passarem a ocupar um papel central nas negociações globais de comércio e recursos naturais, sem se submeter aos ditames de grandes potências imperialistas.
Referências
Reuters – U.S.-China Agreement on Soybean and Rare Earth Trade
The Guardian – New U.S.-China Trade Deal Reduces Tariffs and Opens Rare Earth Market
AP News – China Expands Soybean Purchases in New Economic Agreement with U.S.
The New York Times – China and U.S. Reach Economic Deal on Rare Earth Exports and Soybean Trade
