Setor agroexportador reage a acordos climáticos em Belém — expectativas de preservação colidem com pressões sobre commodities e mercado internacional
A recente conferência climática global realizada em Belém, a COP30, expôs de maneira clara a tensão crescente entre a agenda ambiental internacional e o poderio do agronegócio brasileiro. Enquanto diplomatas tentavam costurar compromissos multilaterais para mitigar a crise climática, produtores e exportadores do Brasil observavam com atenção cada palavra — cientes de que decisões no plenário podem repercutir imediatamente nas cotações internacionais da soja, carne e outros produtos agrícolas.
A lógica é simples, mas brutal: quando o mundo discute restrições a combustíveis fósseis, desmatamento e expansão agrícola, o Brasil, um gigante das commodities, se encontra no epicentro de duas forças antagônicas — o imperativo climático e a urgência econômica. E o desfecho da COP30 ilustra bem esse dilema.
Avanços tímidos, influências robustas
Durante os dias de conferência, o resultado final oficial da COP30 refletiu um equilíbrio frágil. O acordo aprovado — conhecido como Pacote de Belém — trouxe compromissos como a ampliação do financiamento climático, um mecanismo de transição justa e iniciativas para adaptação e conservação ambiental.
Por outro lado, a COP terminou sem consolidar um roadmap vinculante para eliminação de combustíveis fósseis — um recuo visto como insuficiente por ambientalistas e cientistas. A ausência de metas firmes para redução de emissões e a omissão de compromissos robustos contra o desmatamento foram percebidas como fragilidades do acordo.
No meio desse cenário, o agronegócio teve papel central. A presença de mais de 300 lobistas do setor — representantes da indústria de fertilizantes, biocombustíveis, pecuária e monoculturas — reacendeu críticas de que a conferência foi “cooptada” pelas forças do agronegócio.
Em relatos de organizações ambientais e de movimentos sociais, o resultado soou como um ajuste de linguagem, mas pouco efeito real. Para muitos, a COP30 reafirmou que, enquanto o agronegócio mantiver peso econômico e influência política, toda a retórica ambiental arrisca se perder na disputa por mercados e lucros globais.
Dois lados da moeda
Enquanto o debate climático ganhava as manchetes, os dados do agronegócio brasileiro seguiam mostrando força e resiliência. Em 2024, o setor atingiu exportações da ordem de US$ 164,4 bilhões — o segundo maior valor da série histórica — representando cerca de 49% das exportações totais do país. do Brasil+1 Apesar da retração nos preços internacionais de algumas commodities, o agro compensou com recordes em segmentos como carnes, café, produtos florestais, açúcar e outros.
A estratégia de diversificação também é visível nos dados mais recentes: produtos menos tradicionais têm ganhado espaço nas vendas externas, reforçando o protagonismo do agro em diferentes cadeias produtivas. A soja — carro-chefe histórico do setor — segue dominante, mas sofre pressões de preço; já carnes, café e produtos com maior valor agregado contribuem para amortecer oscilações do mercado global.
Esse dinamismo econômico ajuda a explicar por que o agronegócio se sentiu mobilizado a defender sua agenda em Belém — com justificativas que evocam soberania alimentar, geração de divisas e papel do Brasil como “celeiro do mundo”.
Quando a diplomacia climática encontra a pressão das commodities
A participação ativa do agronegócio na COP30 — via lobby, delegados e articulações — evidenciou o quanto o setor está disposto a moldar as regras do jogo. Na prática, muitos dos temas centrais para a mitigação climática, como controle de emissões da agropecuária e desmatamento associado à expansão de pastagens e monoculturas, foram contornados ou empurrados para o limite das negociações.
Agricultores brasileiros chegaram a defender, publicamente, o papel do país como fornecedor global de alimentos e commodities, argumentando que restrições severas de importadores poderiam ameaçar sua competitividade e colocar em risco cadeias produtivas inteiras.
Do ponto de vista da geopolítica, a COP30 funcionou como um espelho das tensões globais — entre países desenvolvidos pressionando por metas ambientais ambiciosas, e economias exportadoras de commodities, como o Brasil, jogando com força seu peso comercial e diplomático. O resultado: um acordo que tenta conciliar urgência e viabilidade, mas que revela a fragilidade desse meio-termo.
Riscos à reputação e o dilema da sustentabilidade
O custo dessa dinâmica pode vir em várias frentes. Ambientalistas alertam para o risco de o agro brasileiro ser visto internacionalmente como parte do problema — especialmente em mercados sensíveis à sustentabilidade, como União Europeia e países com normas rígidas de importação. As regulações propostas por blocos internacionais de comércio começam a exigir cadeias produtivas “limpas”, rastreáveis e livres de desmatamento.
Além disso, para garantir acesso a esses mercados, empresas brasileiras podem precisar enfrentar pressões para adotar sistemas mais transparentes, rastreabilidade, controle ambiental e certificações verdes — o que implica transformação estrutural, custos de adaptação e reestruturação de práticas agrícolas consolidadas.
Por outro lado, o governo e o setor privado nacional têm tentado aproveitar esse momento para reposicionar o agronegócio como parte da solução climática. Programas como o Plano ABC+, que aposta em práticas agrícolas sustentáveis e agricultura regenerativa, têm sido defendidos como estratégia para conciliar produção e preservação.
Alguns analistas veem essa postura como tentativa de garantir “licença social para exportação” — ou seja, combinar competitividade internacional com conformidade ambiental, mitigando riscos reputacionais e regulatórios.
Lucrar ou preservar?
O Brasil parece hoje diante de uma bifurcação histórica. De um lado, o agronegócio representa estabilidade econômica, geração de divisas, emprego e abastecimento global. De outro, a crise climática exige mudança urgente de paradigma — e a comunidade internacional começa a cobrar medidas concretas, sob pena de boicote ou restrições de mercado.
No meio desse turbilhão, a COP30 evidenciou que não haverá soluções fáceis. A ausência de compromissos mais firmes sobre combustíveis fósseis e desmatamento mostra que os lobbies e interesses econômicos continuam ditando o ritmo. Mas, ao mesmo tempo, o surgimento de instrumentos de adaptação, apoio internacional e financiamento climático oferece alguma margem para que o Brasil — com suas dimensas florestas tropicais e vocação agrícola — tente alinhar desenvolvimento e preservação.
Para que isso seja de fato possível, será preciso transformar compromissos diplomáticos em mudanças estruturais: rastreabilidade nas cadeias produtivas, incentivos à agroecologia, crédito verde, seguro climático, valorização de biocombustíveis com baixas emissões e financiamento efetivo à conservação e restauração ecológica. Sem isso, o que se consolida em Belém corre o risco de se tornar mais um texto simbólico, sem reflexo real no campo — nem nas florestas, nem nos mercados.
Mais do que acompanhar cotação da soja ou do boi-gordo, o Brasil terá que negociar com o clima, com seus ecossistemas e com a imagem que quer projetar no mundo — entre serem vistos como celeiro do mundo ou como risco ambiental em escala global.
Fontes:
Reuters – COP30 host city Belem, Brazil, tries to stoke economy while preserving Amazon rainforest
The Guardian – From deforestation to fossil fuels: What did countries actually agree on at COP30?
DeSmog – Pesticide Industry ‘Hijacked’ Climate Stage at COP30, Campaigners Say
Forbes – The Meat Agenda: Inside Big Ag’s COP30 Power Play
Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) – Marca histórica do agronegócio brasileiro destaca protagonismo na segurança alimentar global
ForbesAgro / reportagem sobre exportações 2025 – Exportações do agronegócio brasileiro e contexto das commodities
