Em meio a disputas entre bloco global do Sul e países ricos, conferência escancara limites da diplomacia climática e reforça a urgência de “amazonizar o mundo”
A COP30, realizada no coração da Amazônia, transformou-se no palco global das maiores expectativas em relação ao futuro climático do planeta. De um lado, governos pressionados por crises ambientais crescentes, eventos extremos e colapsos de biodiversidade. De outro, corporações, potências tradicionais e lobbies fósseis buscando preservar margens de lucro e protelar o fim de modelos econômicos que aprofundam desigualdades e ameaçam a vida em escala planetária.
As negociações, acompanhadas de perto por movimentos sociais, comunidades tradicionais e delegações internacionais, deixaram claro que o mundo vive um ponto de inflexão. A Amazônia — frequentemente reduzida a símbolo — ressurge como sujeito político e geográfico central: como dizem lideranças socioambientais e pesquisadores, “a Amazônia é o centro do mundo”, e “amazonizar o mundo” não é apenas slogan, mas uma estratégia de sobrevivência civilizatória.
No entanto, em um cenário onde os efeitos da crise climática já se espalham como ondas de choque — da estiagem histórica na Amazônia a inundações devastadoras na Ásia —, a COP30 evidencia o que há anos especialistas denunciam: a disputa pelo clima é também disputa por poder, narrativa e soberania.
Entre o discurso e a prática: a fratura entre Norte e Sul Global
Desde a abertura da conferência, ficou evidente o contraste entre os discursos inflamados de líderes de países ricos e as realidades concretas que esses mesmos países se recusam a enfrentar. Enquanto prometem “neutralidade de carbono” e “transição energética”, muitos continuam financiando projetos fósseis no exterior, ampliando subsídios a indústrias emissoras e impondo condicionalidades econômicas ao Sul Global.
Delegações latino-americanas, africanas e do sudeste asiático foram firmes ao denunciar que a crise climática é herança direta de séculos de exploração — e que qualquer acordo real deve partir do reconhecimento dessa dívida histórica. Nesse contexto, termos como “imperialismo” voltaram a ecoar nos corredores, especialmente quando países desenvolvidos tentavam propor mecanismos financeiros alinhados a seus próprios interesses.
A insistência de nações ricas em manter controle sobre fundos de transição, em vez de transferir diretamente recursos a povos afetados, foi vista como tentativa de preservar relações assimétricas. Não é por acaso que delegações progressistas reforçaram que a luta climática também é luta por soberania nacional, sobretudo quando o destino de florestas tropicais, águas profundas e mecanismos de crédito de carbono passa a ser objeto de disputa geopolítica.
Amazônia como horizonte civilizatório e disputa por direitos da natureza
Se houve um eixo político dominante na COP30, esse eixo foi a centralidade da Amazônia como território vivo, diverso e estratégico para o planeta. Em múltiplos espaços — painéis, assembleias de povos, plenárias oficiais — a ideia de “política da vida” emergiu como contraponto ao modelo extrativista global.
Pesquisadores e lideranças indígenas reforçaram que proteger a floresta vai muito além de conservar biodiversidade: significa garantir direitos da natureza, enfrentar a guerra contra a natureza promovida por megaprojetos e romper com uma visão colonial que transforma territórios em mercadorias.
A presença de povos originários no centro da COP — algo inalcançável em conferências anteriores — tensionou governos e empresas que tentavam se promover como líderes da sustentabilidade enquanto mantinham modelos de exploração. Houve confrontos simbólicos intensos: em um dos momentos mais marcantes, jovens ativistas denunciaram políticas que tratam a Amazônia como “ativo financeiro”, afirmando que a floresta não é ativo, mas lar.
Essa disputa narrativa é central. Em um mundo em que corporações investem pesado em greenwashing, termos como “mídia hegemônica” e críticas à “mídia neoliberal que não fala mais sozinha” ganharam força. Delegações progressistas criticaram manchetes que diluem responsabilidades e equiparam países historicamente emissores a nações que pouco contribuíram para o aquecimento global.
Financiamento climático: o impasse que emperra todas as COPs
Nenhuma conferência climática é neutra. E, na COP30, o tema financeiro novamente colocou em choque países ricos e emergentes. O compromisso dos países desenvolvidos de transferir US$ 100 bilhões anuais para ações climáticas — prometido desde 2009 — continua inexequível.
A proposta de criar um novo fundo global, administrado de forma descentralizada e com prioridade para comunidades vulneráveis, avançou parcialmente, mas encontrou resistência feroz de países europeus e dos Estados Unidos, que temiam “perder controle” sobre alocação e monitoramento dos recursos.
A crítica progressista foi contundente: a insistência em manter estruturas rígidas de governança internacional reflete o velho “cinismo ‘liberal’ da imprensa”, que tenta apresentar falhas estruturais como meras dificuldades técnicas. Nesse sentido, delegados denunciaram que mecanismos de mercado — como créditos de carbono — continuam servindo mais ao interesse das grandes empresas que ao combate real à crise climática.
Brasil, papel diplomático e o desafio de romper com o extrativismo
Como anfitrião da COP30, o Brasil assumiu papel central na articulação política, defendendo uma transição justa que não repita o entreguismo nem o viralatismo de décadas anteriores. O governo destacou que a floresta não pode ser moeda de troca para interesses estrangeiros e que financiar transição energética é obrigação histórica dos maiores emissores — não favor voluntário.
Ao mesmo tempo, o país enfrenta seu próprio paradoxo: embora tente se posicionar como liderança ambiental, precisa conciliar pressões internas pela exploração de petróleo, disputas no Congresso e contradições entre discurso climático e política energética. Movimentos socioambientais alertaram que não é possível falar em futuro verde enquanto se discute expandir a fronteira do petróleo na foz do Amazonas.
A crítica ao crescimento de pautas ligadas ao cartel financeiro também ecoou entre organizações sociais, que denunciaram que a financeirização do clima serve muitas vezes para blindar interesses de grandes conglomerados — enquanto comunidades ribeirinhas, quilombolas e periferias urbanas continuam sendo as mais impactadas por eventos extremos.
A encruzilhada política da COP30: entre diplomacia e crise de confiança
Os últimos dias da conferência foram marcados por tensões. Países desenvolvidos resistiram a reconhecer responsabilidades históricas; países do Sul exigiram mecanismos robustos de financiamento; corporações pressionaram por flexibilização de metas; ambientalistas denunciaram acordos frágeis embalados como “grandes vitórias”.
Ao final, a conferência avançou em pontos importantes — como fortalecimento de metas para 2035 e maior representação de povos indígenas — mas deixou lacunas profundas, especialmente no campo financeiro e na eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.
Para setores progressistas, o grande risco é que a COP30 entre para a história como conferência de belos discursos, mas sem mudanças estruturais. A sensação predominante é que, apesar dos avanços retóricos, muitos governos seguem atuando em modo golpe contra a natureza, protegendo interesses fósseis e bloqueando propostas transformadoras.
E, ainda assim, movimentos sociais, comunidades amazônicas e delegações do Sul Global seguem enxergando a COP30 como momento decisivo na disputa pelo futuro. A diplomacia pode ser lenta — mas a urgência climática não espera.
O desafio não é apenas conter emissões, mas reinventar modelos de vida, romper com estruturas de poder e construir uma economia que valorize territórios, povos e ecossistemas. A COP30 mostrou que este caminho é possível, mas depende de coragem política, mobilização social e da capacidade de enfrentar os interesses que há séculos moldam o destino do planeta.
Fontes:
Reuters – Nations clash over finance as climate summit enters final phase
Reuters – Amazon hosts historic COP as pressure mounts for fossil fuel phaseout
AFP – Indigenous leaders demand stronger role in climate negotiations
The Guardian – COP negotiations stall as rich countries resist binding commitments
AP News – Climate talks intensify amid disputes over funding and fossil fuels
