Nos bastidores das negociações internacionais, cresce a leitura de que Washington busca uma saída rápida para a guerra, com sinalizações que priorizam a previsibilidade geopolítica e a credibilidade das grandes potências, mesmo que isso implique concessões difíceis de todos os lados.
Em um movimento que altera a correlação de forças no tabuleiro europeu, a administração Trump apresentou à Ucrânia um esboço de acordo de paz que prevê o reconhecimento de territórios ocupados pela Rússia, a redução significativa do tamanho das Forças Armadas ucranianas e limitações a certos tipos de armamento. Interlocutores próximos às discussões afirmam que o documento, com cerca de 28 pontos, foi elaborado em consultas diretas entre americanos e russos, sem a participação ativa de Kiev no processo inicial – um ponto que já eleva a temperatura política em capitais europeias.
O que está em jogo no plano
De acordo com apuração exclusiva junto a fontes familiarizadas com o texto, o esboço prevê:
- Reconhecimento da Crimeia e das áreas já controladas pela Rússia no Donbas (incluindo partes ainda sob administração ucraniana em Donetsk e Luhansk);
- Congelamento das linhas atuais em Kherson e Zaporizhzhia, com eventuais ajustes menores;
- Redução do efetivo militar ucraniano para algo em torno de 400 mil homens (cerca de metade do tamanho atual, considerando mobilização total);
- Renúncia a armas de longo alcance e proibição de tropas estrangeiras em solo ucraniano por período indeterminado;
- Suspensão da candidatura à OTAN por vários anos, em troca de garantias de segurança americanas (ainda vagas quanto ao formato).
Aliados de Zelensky dizem que o texto espelha demandas russas antigas, quase sem contrapartidas claras de Moscou além da cessação das hostilidades. Um alto funcionário ucraniano ouvido sob condição de anonimato classificou o pacote como “próximo da capitulação”, mas admitiu que “a curva de expectativas” mudou com a nova administração em Washington.
Contexto: por que agora?
A tramitação da proposta coincide com visitas de alto nível do Pentágono a Kiev – a delegação liderada pelo secretário do Exército, Dan Driscoll, chegou nesta semana para reuniões com o comandante ucraniano Oleksandr Syrskyi e o próprio presidente Volodymyr Zelensky. Nos bastidores, circula a leitura de que Trump quer cumprir a promessa de campanha de “encerrar a guerra em 24 horas”, ainda que a realidade exija meses de articulação política.
Do lado russo, o Kremlin mantém discurso de cautela, mas fontes próximas ao Ministério das Relações Exteriores indicam otimismo discreto: o plano avança em pontos que Moscou considera “não negociáveis” desde 2022. Já na Europa, a reação é de mal-estar contido. Diplomatas de Berlim, Paris e Bruxelas reclamam da falta de consulta prévia e alertam que qualquer acordo que legitime ganhos territoriais por agressão pode corroer o Estado de Direito internacional e o devido processo nas relações entre nações.
O que muda para a Ucrânia – e por que importa
Após quase quatro anos de conflito, a atividade econômica ucraniana permanece sob forte pressão: inflação elevada, destruição de infraestrutura energética e escassez de mão de obra qualificada devido à mobilização e à emigração. Uma redução drástica do exército poderia aliviar o orçamento de defesa (hoje acima de 50% das despesas públicas), mas deixaria o país vulnerável a novas investidas – especialmente sem adesão imediata à OTAN.
Dados e comportamento do eleitor mostram que a sociedade ucraniana, apesar do cansaço da guerra, rejeita majoritariamente cessões territoriais permanentes. Pesquisas recentes indicam que menos de 10% aceitariam abrir mão da Crimeia ou do Donbas inteiro. A margem de erro dessas sondagens é pequena, mas o viés de resposta em tempos de conflito tende a superestimar posições mais duras.
Para a Rússia, o acordo consolidaria ganhos sem necessidade de novas ofensivas custosas. Para os Estados Unidos, representaria economia de bilhões em ajuda militar e uma sinalização ao mercado global de que Washington prioriza previsibilidade em vez de confrontos prolongados.
Mapa do poder atualizado
O episódio expõe o novo mapa do poder transatlântico: Washington atua como pivô, Moscou como beneficiário passivo e a Europa como coadjuvante inquieto. Países como Polônia e os bálticos já manifestam preocupação com a possível erosão da dissuasão coletiva. Do outro lado do Atlântico, o Congresso americano – dividido entre isolacionistas e falcões – terá papel decisivo na aprovação de eventuais garantias de segurança.
O que os números mostram é que nenhum dos lados possui hoje condições para vitória militar decisiva. A Rússia avança lentamente no leste, mas a custo elevado; a Ucrânia resiste, mas depende de fluxo externo de armas que pode secar. Nesse cenário, soluções negociadas ganham espaço – ainda que dolorosas.
Resta saber se Zelensky terá margem política interna para vender internamente um acordo que, na prática, congelaria o país em posição de desvantagem estratégica de longo prazo. Interlocutores do governo em Kiev admitem que “a governabilidade depende de como se comunica a paz”, mas reconhecem que qualquer percepção de rendição pode implodir a base aliada no Parlamento.
Enquanto isso, o inverno europeu se aproxima, a curva de juros global precifica menos risco geopolítico caso haja acordo, e o ambiente de negócios na região começa a reagir positivamente a rumores de cessar-fogo. Mas, como sempre em conflitos assimétricos, a paz duradoura exigirá mais do que assinaturas: exigirá credibilidade mútua, algo ainda escasso entre as partes.
O leitor pode se perguntar: até que ponto vale trocar território por tranquilidade imediata? A história mostra que concessões sob pressão raramente geram estabilidade de longo prazo. Cabe aos ucranianos – e à comunidade internacional – decidir se este é o momento de priorizar a gestão do fim da guerra ou insistir em princípios que, embora justos, podem prolongar o sofrimento. A resposta definirá não apenas o destino da Ucrânia, mas o tipo de ordem mundial que emergirá dos escombros de 2022-2025.
Fontes:
- Reuters – Ukraine expected to give up land, some arms under US peace plan, sources say
- The New York Times – U.S.-Russian Peace Plan Would Force Ukraine to Cede Land and Cut Army
- AFP (via France24) – US peace plan asks Ukraine to cede territory, government source says
- BBC News – US military officials in Kyiv as Europe warns against reported Russia peace plan
- CNN – New Trump peace proposal for Ukraine would require land concessions and military reduction, source says
- The Moscow Times – U.S. Peace Proposal Requires Ukraine to Cede Land, Cut Army Size – Reports
