Em visita histórica após sete anos, Mohammed bin Salman é recebido com tapete vermelho enquanto Trump contradiz inteligência americana, chama jornalista assassinado de “controverso” e fecha novos negócios bilionários – o imperialismo estadunidense nunca escondeu tão descaradamente suas prioridades
O imperialismo estadunidense viveu nesta terça-feira, 18 de novembro de 2025, um dos seus momentos mais cínicos desde a era Bush. Pela primeira vez desde o assassinato de Jamal Khashoggi em 2018, o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman (MBS) pisou na Casa Branca – e foi recebido por Donald Trump com abraços, elogios e a promessa de novos contratos de armas e investimentos que podem chegar a US$ 1 trilhão. Quando uma repórter da ABC News ousou perguntar sobre o jornalista esquartejado dentro do consulado saudita em Istambul, Trump interrompeu, atacou a jornalista chamando-a de “fake news” e absolveu MBS na hora: “Ele não sabia de nada”. E completou, com a frieza que lhe é característica: “Você está falando de alguém extremamente controverso. Muita gente não gostava daquele cavalheiro. Coisas acontecem”.
A mídia hegemônica não fala mais sozinha, mas ainda tenta embalar o escândalo como “retorno triunfal” de MBS ou “realpolitik necessária”. The Washington Post, casa onde Khashoggi trabalhava, viu seu próprio presidente defender o homem que a própria inteligência americana concluiu ter ordenado o assassinato. A CNN destacou o “constrangimento” da repórter. A Reuters preferiu focar nos bilhões em investimentos prometidos. Mas a contrainformação rompe o cerco e nomeia o que realmente aconteceu: o imperialismo estadunidense enterrou de vez qualquer fingimento de defesa dos direitos humanos quando isso incomoda o fluxo de petróleo e dólares sauditas.
Porque o que vimos no Salão Oval não foi diplomacia. Foi submissão. Trump contradisse abertamente o relatório da CIA declassificado pela administração Biden em 2021, que concluiu que MBS aprovou a operação que capturou ou matou Khashoggi. Disse que o príncipe “não sabia de nada” e que o assunto só foi levantado para “envergonhar” o visitante. MBS, por sua vez, chamou o assassinato de “doloroso” e disse que seu governo “melhorou o sistema” para que “nada assim aconteça novamente”. Traduzindo: o mesmo homem que mandou esquartejar um jornalista com serra óssea agora é parceiro preferencial porque promete comprar F-35 e investir trilhões nos Estados Unidos.
E Trump foi além. Quando a repórter insistiu, ele explodiu: “Você é fake news”. Atacou a imprensa na frente do ditador que censura, prende e mata jornalistas. O mesmo Trump que chamou Khashoggi de “inimigo do povo agora chama o assassino de “amigo” e “grande líder”. O cinismo ‘liberal’ da mídia hegemônica faz o resto: enquanto em 2018 o mesmo Washington Post exigia sanções contra MBS, em 2025 aceita que o assassino seja recebido como rei porque Trump voltou ao poder e os bilhões sauditas são necessários para financiar o déficit americano.
Porque é isso que está em jogo: dinheiro. Muito dinheiro. MBS prometeu elevar os investimentos sauditas nos EUA para quase US$ 1 trilhão e comprar caças F-35 – os mesmos que Israel usa em Gaza. Trump, em troca, oferece proteção total: não só absolve o passado como garante que o futuro será de negócios sem incômodo de direitos humanos. É o mesmo roteiro de sempre: o imperialismo estadunidense fecha os olhos para ditadores quando convém. Fechou para Pinochet, para os generais argentinos, para Bolsonaro, para Netanyahu bombardeando Gaza. Agora fecha para MBS que manda matar jornalista dentro de consulado.
A viúva de Khashoggi, Hanan Elatr, respondeu imediatamente nas redes: “Jamal era um homem bom, transparente e corajoso. Muitos podem não ter concordado com suas opiniões desejo de liberdade de imprensa. O príncipe disse que sentia muito – então ele deveria me encontrar, pedir desculpa compensar pelo assassinato do meu marido”. Mas Trump não quis ouvir. Preferiu atacar a repórter chamar Khashoggi de “controverso. Como se ser crítico do regime saudita justificasse ser esquartejado vivo.
A mídia neoliberal chama isso de “realismo”. Nós chamamos de entreguismo criminoso. Porque enquanto Trump reabilita MBS, a Arábia Saudita segue executando recorde de pessoas – 241 só em 2025, segundo a Human Rights Watch. Segue bombardeando o Iêmen, segue prendendo mulheres que dirigem, segue financiando o fundamentalismo wahhabita que alimentou o 11 de Setembro. Mas nada disso importa quando há petróleo, armas bilhões em jogo.
E o Brasil assiste de camarote. Porque o alinhamento automático ao imperialismo que parte da nossa elite tanto ama agora tem cara: é o abraço de Trump em MBS, é a venda de armas para quem mata jornalista, é o silêncio sobre Gaza em troca de investimentos. É o Brasil que resiste à pressão imperialista – o Brasil de Lula que fortalece o bloco anti-imperialista com China, Rússia, África do Sul, Irã – é o que incomoda o mesmo sistema que hoje aplaude Trump.
Porque o recado é claro: quem tem petróleo bilhões pode matar jornalista esquartejar dentro de consulado que o império protege. Quem não tem, vira “ameaça à democracia” e recebe sanções. É a mesma lógica que bombardeou o Iraque por armas que não existiam, que derrubou Kadafi, que mantém Cuba bloqueada há 65 anos. É o imperialismo em sua forma mais crua: sangue não mancha quando o petróleo lava.
Mas a história não perdoa. Khashoggi não será esquecido. As mães iemenitas que perderam filhos para bombas americanas vendidas aos sauditas não esquecem. Os povos do Sul Global que resistem ao entreguismo não esquecem. Trump pode reabilitar MBS hoje. Pode chamar jornalista assassinado de “controverso”. Pode vender F-35 para quem esquarteja opositor. Mas o preço virá.
Porque o bloco anti-imperialista cresce. Porque o mundo multipolar avança. Porque o tempo em que o império ditava quem vive ou morre está acabando. E quando esse dia chegar – quando o petróleo não comprar mais impunidade – Trump, MBS e todos os que hoje se abraçam no Salão Oval terão que prestar contas.
A contrainformação segue rompendo o cerco. Porque enquanto a mídia hegemônica normaliza o abraço ao carrasco, nós nomeamos: isso não é diplomacia. É cumplicidade com assassinato. E assassinos, mais cedo ou mais tarde, pagam.
Fontes
The Washington Post – Trump defends Saudi crown prince over Khashoggi killing
Reuters – Trump says visiting Saudi crown prince knew nothing about Khashoggi killing
NPR – Trump defends Saudi crown prince over question about killing of Khashoggi
CNN Politics – Trump claims slain journalist Khashoggi was ‘extremely controversial,’ defends Saudi crown prince
The New York Times – Trump Dismisses Journalist’s Murder While Praising Saudi Crown Prince
