Declarações do ministro André Mendonça geram recados públicos, elevam a temperatura política no Judiciário e reacendem o debate sobre limites e prerrogativas da Corte
A reação dos ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes às declarações do colega André Mendonça, que afirmou haver “ativismo judicial” em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), reabriu discussões sensíveis que circulam há meses nos bastidores de Brasília. Ainda que a divergência interna não seja inédita na Corte, a forma pública das manifestações jogou luz sobre diferentes leituras a respeito do papel do Judiciário em um país marcado por tensões políticas persistentes e rupturas recentes no Estado de Direito.
Nos movimentos no Palácio do Planalto, a avaliação inicial é de que o episódio não altera a relação institucional entre os Poderes, mas reforça a necessidade de “calibrar discursos” em um momento de busca por estabilidade. Interlocutores do governo afirmam que as falas de Mendonça foram lidas como sinal de desconforto com decisões de colegiado, enquanto as respostas de Dino e Moraes tentaram reafirmar a legitimidade das ações do STF sem acirrar o clima.
Essa equação, porém, não impede que a temperatura política suba quando ministros expõem, ainda que indiretamente, posições divergentes sobre competência, ativismo e equilíbrio entre Judiciário, Executivo e Legislativo. Para observadores próximos ao tribunal, o episódio revela mais sobre o ambiente institucional do que sobre o mérito específico das decisões questionadas.
Um debate antigo com contornos novos
A crítica de Mendonça se deu durante evento público, ao afirmar que “há decisões que extrapolam os limites da interpretação judicial”. A declaração ecoa debates reincidentes na literatura jurídica e em fóruns acadêmicos, mas seu peso político se amplifica quando parte de um ministro indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que frequentemente acusou o STF de interferir na agenda do Executivo.
Nos dias seguintes, Flávio Dino – recém-chegado à Corte e ex-ministro da Justiça – rebateu a afirmação ao sublinhar que “não há ativismo quando o Judiciário cumpre a Constituição diante de omissões do Legislativo”. Moraes, por sua vez, reforçou que a Corte apenas atua diante de demandas concretas, enfatizando que “não existe vácuo no devido processo”.
Essas posições refletem a visão amplamente aceita entre juristas de que, em cenários de omissão deliberada do Congresso, cabe ao Supremo garantir direitos fundamentais. Ainda assim, a crítica de Mendonça tocou em um ponto sensível: os limites da atuação judicial em temas políticos de alta repercussão.
É justamente nesse terreno que se molda a atual disputa narrativa. De um lado, setores veem avanços em direção a uma Corte mais garantista; de outro, críticas alegam excesso de protagonismo. A fala de Mendonça, entendem analistas, reorganiza parte do mapa do poder interno, ao tornar explícita uma discordância que, até então, circulava apenas em debates reservados.
Firmeza, mas sem ruptura
Apesar de firmes, as reações de Dino e Moraes foram calibradas para evitar uma crise institucional. Ambos os ministros atuaram dentro de um repertório discursivo que reforça a legitimidade das decisões judiciais, mas sem atacar diretamente o colega — estratégia típica das instituições que prezam por estabilidade.
A leitura predominante nos bastidores do poder é de que houve uma tentativa de sinalizar ao público que divergências são parte do funcionamento normal da Corte, mas que o STF não aceitará a narrativa de abuso ou excessos. Ao mesmo tempo, a postura evita que o episódio seja instrumentalizado politicamente por grupos que já se alinham a discursos contra a legitimidade do tribunal.
Para especialistas, a fala de Dino, centrada na ideia de que o tribunal apenas cumpre seu papel constitucional, dialoga com a necessidade de reafirmar a governabilidade institucional. Já Moraes, que é frequentemente atacado por segmentos radicalizados, utilizou sua resposta para reforçar que decisões questionadas foram colegiadas — portanto, expressão do conjunto da Corte, e não de um ministro isolado.
Divergências que espelham tensões mais ampla
A discussão sobre ativismo judicial não se limita à arena jurídica; ela atravessa o ambiente político e midiático. O STF, desde a crise institucional de 2019 e, sobretudo, após os ataques às instituições em 8 de janeiro de 2023, assumiu papel central na defesa das estruturas democráticas, ampliando seus mecanismos de atuação.
Isso, por sua vez, reacendeu debates sobre os limites da intervenção judicial em temas de alto impacto. Setores críticos afirmam que a Corte invadiu competências do Legislativo ao arbitrar conflitos políticos e regular temas que, na visão desses grupos, deveriam ser resolvidos por representantes eleitos.
Na outra ponta, defensores das decisões do Supremo argumentam que o tribunal precisou agir diante de omissões, risco institucional e ataques à ordem constitucional. Esse conjunto de argumentos dialoga com o que analistas chamam de contexto e dados para além do fato, uma perspectiva que leva em conta não só a decisão judicial, mas o ambiente político em que ela se insere.
Ao reagir publicamente às falas de Mendonça, Dino e Moraes reforçaram justamente essa dimensão: decisões do STF não ocorrem no vácuo, mas dentro de cenários concretos, em que o tribunal é acionado a partir de demandas sociais, políticas e institucionais.
O impacto na articulação com Congresso e Executivo
Outro ponto central do episódio é seu efeito na relação entre STF, Congresso e governo federal. Nos bastidores do Legislativo, líderes afirmam que a fala de Mendonça ecoou percepções que já circulam entre parlamentares, especialmente quando a Corte decide sobre temas sensíveis como políticas ambientais, direitos civis, marcos regulatórios e investigações de alta repercussão.
A resposta dos demais ministros, porém, é vista como uma forma de resguardar a imagem institucional da Corte, blindando-a contra críticas que possam fragilizar sua autoridade em votações futuras. Essa dinâmica afeta a articulação política no Congresso, já que parlamentares tendem a ajustar seus movimentos conforme o nível de autonomia ou pressão pública que percebem nas instituições de controle.
Para o Executivo, o episódio exige manejo cuidadoso. O governo busca manter previsibilidade e evitar conflitos com a Corte, tanto para preservar estabilidade quanto para garantir que agendas legislativas não sejam judicializadas de forma prematura.
Interlocutores do Planalto afirmam que a percepção interna é de que o episódio não traz risco imediato à governabilidade, mas reforça a necessidade de diálogo constante entre os Poderes — sobretudo enquanto o país enfrenta desafios simultâneos nas áreas fiscal, social e de segurança.
Uma disputa que excede o debate jurídico
O episódio envolvendo Dino, Moraes e Mendonça expõe uma disputa maior: não apenas sobre o sentido de “ativismo judicial”, mas sobre qual narrativa se tornará dominante na leitura do papel do STF no atual ciclo político.
No que os analistas chamam de framing editorial, a disputa se organiza entre dois polos:
• o que vê o Supremo como garantidor da ordem constitucional;
• e o que acusa a Corte de extrapolar seus limites.
Esse enquadramento determina, em grande parte, a forma como a opinião pública interpreta decisões de alto impacto, e, por consequência, como os próprios ministros respondem às críticas.
Assim, o episódio não deve ser lido como uma divergência pessoal entre ministros, mas como parte de um debate mais amplo sobre o futuro das instituições brasileiras.
Ao reagirem às declarações de Mendonça, Dino e Moraes buscaram reafirmar a autoridade do STF, ao mesmo tempo em que preservaram a aparência de colegialidade. A divergência, embora pública, não rompe a dinâmica interna da Corte — mas destaca que debates sobre limites e prerrogativas continuarão centrais no atual cenário político.
O episódio evidencia que o Supremo segue no epicentro das tensões institucionais, e que sua relação com governo e Congresso continuará a exigir equilíbrio, diálogo e atenção constante à temperatura política. Num país ainda consolidando sua democracia, cada gesto de ministros do Supremo influencia o mapa do poder e redefine a maneira como a sociedade compreende o papel do tribunal.
Fontes:
Reuters – Brazil’s Supreme Court reacts to internal criticism amid debate over judicial reach
AP News – Brazilian justices defend court’s role after statements about activism
AFP – Tensions rise inside Brazil’s top court as ministers debate judicial limits
