A prisão do dono do Banco Master, em meio à liquidação da instituição pelo BC, aciona holofotes sobre suas conexões políticas com o Centrão, a disputa em torno de boatos de mercado e o papel das milícias digitais na nova direita brasileira.
A prisão do banqueiro Daniel Vorcaro, controlador do Banco Master, em operação da Polícia Federal deflagrada no mesmo dia em que o Banco Central decidiu liquidar a instituição, transformou um caso técnico de supervisão bancária em crise política de grandes proporções.
Apontado como símbolo de uma geração de financistas de altíssimo risco e vida de ostentação, Vorcaro foi detido no Aeroporto de Guarulhos quando, segundo a PF, se preparava para embarcar para o exterior, rumo a Abu Dhabi, onde negociava a venda de ativos do Master. A operação, batizada de Compliance Zero, mira suspeitas de gestão fraudulenta, gestão temerária e organização criminosa associadas à emissão de títulos de crédito considerados insubsistentes, depois revendidos a outras instituições financeiras.
Do ponto de vista do sistema financeiro, trata-se de um terremoto: o Master vinha crescendo com agressiva oferta de CDBs de alto rendimento e se envolveu numa complexa tentativa de venda de ativos ao Banco de Brasília (BRB), controlado pelo governo do Distrito Federal, numa operação de R$ 2 bilhões que chamou a atenção de reguladores e da imprensa internacional.
Do ponto de vista político, porém, a história é ainda mais delicada. Vorcaro construiu, nos últimos anos, uma teia de relações que atravessa o governo Lula, o bolsonarismo e o chamado Centrão: de ex-ministros de Jair Bolsonaro a ministros da atual gestão, passando pelo governador Ibaneis Rocha (MDB-DF), que comandou a ofensiva para o BRB adquirir o Master. Para uma esquerda que há anos denuncia o poder do cartel financeiro sobre o Estado brasileiro, o caso parece condensar tudo o que há de mais problemático na promiscuidade entre banca e política.
Do “lobo da Faria Lima” ao banco do DF: Centrão no centro do tabuleiro
Antes da liquidação, o roteiro parecia escrever um final feliz para o banqueiro. Após uma fase de expansão baseada em precatórios e ativos de alto risco, o Master havia firmado um acordo para vender seus “melhores” ativos ao BRB, banco controlado pelo GDF. A transação, avaliada em 2 bilhões de reais, colocaria o BRB em outra categoria de porte e, ao mesmo tempo, permitiria a Vorcaro reorganizar o que sobrasse da carteira.
Reportagem da agência Reuters descreveu a lógica da operação: o BRB só se comprometeria com os ativos considerados saudáveis, deixando cerca de R$ 23 bilhões de outros ativos de fora do acordo – justamente aqueles associados a operações mais arriscadas e controversas do Master.
Na política local, a compra do Master foi celebrada por Ibaneis Rocha como movimento estratégico para transformar o BRB em banco nacional, ampliando o poder de fogo do DF no sistema financeiro. Mas, em paralelo, crescia a pressão do Ministério Público do Distrito Federal e de parlamentares de oposição, que passaram a ver na negociação um caso clássico do modus operandi do Centrão: uso de uma instituição pública para salvar um ativo privado em apuros, sob o discurso de “oportunidade de mercado”.
A trama ganha contornos ainda mais sensíveis quando se observa a rede de relações políticas de Vorcaro. Reportagens da imprensa progressista apontam que ele tem como sócio no Banco Master o empresário Augusto Lima, hoje casado com a ex-ministra Flávia Arruda (PL-DF), figura-chave na ponte entre Ibaneis, o PL e o bolsonarismo no Distrito Federal.
Na prática, o caso joga luz sobre uma engrenagem em que banqueiros de perfil arriscado, figuras do Centrão e aliados de governos de diferentes colorações se articulam em torno de grandes operações com dinheiro público – tudo amparado por uma narrativa tecnocrática de “sinergia” e “estratégia de expansão”, enquanto o risco real fica com o Estado e com os pequenos investidores.
Onde entram as fake news?
O título que ecoa nas redes – ligando a prisão de Vorcaro a “fake news” e ao Centrão – diz muito sobre o Brasil pós-bolsonarista, mas menos sobre o conteúdo formal das investigações. Até o momento, não há qualquer indício público de que o banqueiro seja alvo do Inquérito das Fake News do Supremo ou de apurações diretamente ligadas às milícias digitais bolsonaristas e ao chamado gabinete do ódio.
A relação com “fake news” aparece em outro ponto: em 2024, o próprio Banco Master afirmou ser vítima de boatos de mercado que davam conta de uma suposta interrupção, por outros bancos, da captação de títulos de dívida emitidos pela instituição. Vorcaro e seu sócio Augusto Lima anunciaram que entrariam com queixa-crime para investigar a origem desses rumores, classificados por eles como fake news que ameaçavam a estabilidade do banco.
Ou seja: num primeiro momento, o grupo se coloca no polo oposto da desinformação – de vítima, não de agente. Ao mesmo tempo, porém, o caso se insere num Brasil em que estruturas profissionais de desinformação foram usadas para atacar o STF, manipular o debate público e pressionar instituições a partir de campanhas coordenadas nas redes sociais – justamente o terreno das milícias digitais que alimentaram o golpismo bolsonarista e ajudaram a levar o país à beira de um estado de exceção em 8 de janeiro de 2023.
Nesse contexto, a prisão de um banqueiro com fortes laços com figuras do bolsonarismo e do Centrão reacende uma disputa de narrativa dentro da própria direita: enquanto parte da base radical ataca o STF por “perseguição” e ecoa o discurso de que o sistema financeiro está sendo “punido” por ter apoiado Bolsonaro, setores mais pragmáticos avaliam o caso como sintoma de um modelo de negócios insustentável, em que a alta rentabilidade prometida dependia de uma combinação explosiva de risco excessivo e proximidade política.
Para a esquerda, o escândalo confirma algo que já estava no radar: a desinformação não circula apenas na política institucional, mas também em forma de boato financeiro, usado para derrubar ou proteger ativos e reputações. E tudo isso se dá num ecossistema dominado pela mídia hegemônica, que frequentemente naturaliza a voz do mercado e marginaliza qualquer crítica mais profunda ao poder do cartel financeiro.
Direita acorda para infiltrações?
A pergunta que começa a surgir em grupos de direita – “quem está infiltrado em quem?” – revela rachaduras na coalizão que deu sustentação ao bolsonarismo e ao velho Centrão. De um lado, uma base ideológica que fala em “sistema”, “globalismo” e “nova ordem mundial”; de outro, políticos e empresários que sempre trabalharam de forma híbrida, transitando entre governos do PT, de Temer, de Bolsonaro e, agora, de Lula.
A trajetória de Daniel Vorcaro é vista por analistas como exemplo dessa plasticidade. Ele circula em eventos empresariais ao lado de ministros de Lula, patrocina jantares de luxo com ministros do STF em Nova York e, ao mesmo tempo, mantém sócios e aliados profundamente enraizados no bolsonarismo e no Centrão do DF.
À medida que a PF avança sobre as operações do Master e que o Banco Central aprofunda a devassa sobre a carteira de ativos do banco, parte da direita passa a suspeitar que a narrativa de “banqueiro outsider perseguido pela Faria Lima” esconde uma realidade bem mais convencional: a de um operador com trânsito em todos os governos, usando relacionamentos políticos como amortecedor para sustentar estratégias financeiras de alto risco.
Para a esquerda, não se trata de “infiltração” no sentido conspiratório, mas do modo de funcionar de um bloco de poder que mistura mídia neoliberal, grandes escritórios de advocacia, bancos médios agressivos e velhas máquinas partidárias – exatamente o universo que costuma ser chamado, no debate crítico, de mídia hegemônica associada ao cartel financeiro.
Guerra de narrativas e disputa por regulação
Enquanto os advogados de Vorcaro classificam a prisão como “desnecessária” e insistem que ele estava disposto a colaborar com as investigações, partidos de oposição no DF já articulam CPIs para apurar a tentativa de compra do Master pelo BRB, questionando se a operação não foi, na prática, uma forma de socializar prejuízos privados com recursos públicos.
No campo progressista, multiplica-se a leitura de que o episódio escancara a urgência de democratização das comunicações e de maior transparência nas relações entre Estado e sistema financeiro. Em outras palavras, não basta “limpar” fake news nas redes sociais enquanto se mantém intocado o circuito fechado de informação que circula entre grandes bancos, consultorias e veículos alinhados ao status quo – a engrenagem da mídia hegemônica que define, dia após dia, o que é crise e o que é “ajuste de mercado”.
Nesse cenário, a máxima de que Contrainformação é poder ganha novo sentido: é preciso iluminar, com jornalismo investigativo e controle social, as conexões entre negócios bilionários, financiamento de campanhas, influência sobre reguladores e o uso instrumental de boatos – financeiros ou políticos – para produzir ganhos privados.
A prisão de Daniel Vorcaro não resolve esses problemas estruturais. Mas é um ponto de inflexão. Se for tratada apenas como mais um caso de “banqueiro que voou perto demais do sol”, o sistema seguirá intacto, com novas figuras ocupando o lugar de vilões ou heróis de ocasião. Se, ao contrário, servir para recolocar em debate o poder do cartel financeiro, os limites do Centrão e o papel das fake news – tanto na política quanto no mercado –, pode ser o início de uma cobrança mais dura por responsabilidade e transparência.
No fim, a pergunta “a direita acordou para infiltrações?” talvez esteja mal formulada. O que o caso Vorcaro mostra é que, sem enfrentar as raízes da concentração de poder económico e informacional, não há campo político imune a capturas – nem à esquerda, nem ao centro, nem à direita.
Referências
Veja – Polícia Federal apreendeu passaporte de Daniel Vorcaro
ABC+ – Quem é Daniel Vorcaro, dono do banco Master que tentou fugir da PF de jatinho
Reuters – Brazil’s BRB only acquiring key assets from Banco Master, CEO says
Revista Fórum – Compra do Master pelo BRB: elo obscuro entre Ibaneis, o lobo da Faria Lima Vorcaro e o bolsonarismo
Jornal Opção – Venda do Banco Master ao BRB ganha atenção no cenário político
