Com ampla mobilização, blocos de direita e ultradireita conquistam maioria na Câmara de Deputados no Chile, desenhando novo ciclo político
Em um resultado apontado como virada conservadora, os partidos de direita chilenos obtiveram 51% das cadeiras da Câmara de Deputados na eleição legislativa de 2025. Pela primeira vez em décadas, a oposição liderada por José Antonio Kast — do Partido Republicano — consolida uma maioria parlamentar, o que pode redefinir profundamente a correlação de forças no Congresso graças ao fortalecimento do bloco ultraconservador.
O contexto da vitória da direita
As eleições na última semana mostraram não apenas um avanço quantitativo, mas uma mudança de paradigma para a política chilena. A maioria pela direita na Câmara de Deputados, apontam os dados arredondados, não é fruto apenas de pactos tradicionais: inclui uma expressiva ascensão do Partido Republicano e de forças ultraconservadoras. Segundo projeções e apurações, a direita (somando os pactos Chile Grande y Unido e Cambio por Chile) teria conquistado 76 cadeiras de um total de 155 na Câmara.
De acordo com reportagem da El País, o pacto liderado por Kast cresceu de 15 para 42 deputados, refletindo uma guinada política significativa. Já o veículo El Mostrador destaca a “irrupção” de independentes conservadores, libertários e republicanos, consolidando uma bancada de direita muito mais forte e diversificada.
Segundo a simulação da empresa de análise Unholster, esses resultados configurariam a primeira maioria da direita no Congresso em cerca de sete décadas. Por sua vez, o banco Scotiabank já havia alertado para essa possibilidade em seu relatório de outubro de 2025 — prevendo mais de 50% dos assentos para a direita na Câmara.
Uma vitória estratégica para Kast e a ultradireita
A coalizão Cambio por Chile, formada por Republicanos, Libertários e Social-Cristãos, surgiu como a peça-chave dessa vitória conservadora. O crescimento desse pacto, liderado por Kast e Johannes Kaiser, representa mais do que um ajuste eleitoral: é uma articulação com ambições de implementar uma agenda ideológica clara, marcada por valores nacional-conservadores, anti-imigração e liberalismo econômico.
Para os analistas progressistas, esse fenômeno não é apenas resultado de uma aliança de conveniência, mas reflete uma ressaca ideológica: a crise de segurança, o descontentamento com a esquerda e a polarização crescente alimentaram uma narrativa de ordem e mudança radical, que a direita soube capitalizar com sucesso.
Impactos institucionais e futuros desafios legislativos
Com 51% das cadeiras na Câmara, a direita chilena conquista uma correlação de forças favorável, o que lhe dará maior capacidade de aprovar projetos, pressionar governos e moldar a agenda legislativa. No entanto, a vitória não significa hegemonia automática: os deputados eleitos vêm de diferentes correntes — desde os conservadores tradicionais até ultraliberais –, o que traz o desafio de manter a coleta racional e a coesão parlamentar.
Para aprovar reformas ambiciosas, será necessário garantir quóruns em temas sensíveis, como mudanças fiscais, políticas sociais e constitucionais. A fragmentação interna do bloco de direita pode dificultar a governabilidade sólida se os partidos não alinharem seus interesses.
Além disso, o papel dos independentes eleitos — muitos alinhados com a direita, mas com identidades próprias — adiciona uma camada de instabilidade programática: negociar com essas figuras pode exigir concessões ou compromissos pontuais, o que pode frear propostas mais radicais.
Crítica progressista: retrocesso, desigualdade e riscos à democracia
Para observadores de esquerda, a maioria conservadora no Parlamento não representa apenas uma vitória eleitoral, mas um retrocesso nos avanços sociais conquistados nos últimos anos. A preocupação é que projetos de austeridade, cortes em programas sociais e iniciativas liberais radicais venham a ganhar força com o novo Congresso.
Além disso, a narrativa de “virada conservadora” remonta a medos antigos: a consolidação de uma agenda ultraneoliberal, combinada com discursos populistas de segurança e controle, pode aprofundar desigualdades já persistentes no Chile. A esquerda alerta para o perigo de que a maioria no Legislativo seja utilizada para desmontar políticas públicas progressistas conquistadas com dificuldade.
Outro ponto levantado é o risco de erosão democrática: a mobilização da ultradireita, com discursos polarizadores, pode enfraquecer as instituições de representação e tornar mais difícil a construção de consensos plurais. Analistas de viés progressista recomendam um reforço da resiliência institucional, para que os poderes Legislativo e Executivo não se convertam apenas em instrumentos de uma única agenda política.
Implicações para a eleição presidencial de 14 de dezembro
O novo mapa parlamentar reforça o poder de barganha da direita para o segundo turno presidencial, marcado para 14 de dezembro. Se José Antonio Kast vencer, ele herdará um Congresso favorável — fato que pode acelerar a implementação de suas propostas mais radicais, especialmente nas áreas de imigração, segurança e economia.
Por outro lado, para a centro-esquerda liderada por Jeannette Jara, garantir apoio extra-parlamentar será crucial. A nova configuração da Câmara cria um cenário mais hostil para blocos progressistas, que precisarão articular com independentes ou buscar alianças táticas para barrar medidas conservadoras.
Um momento decisivo para o Chile
O avanço da direita no Parlamento chileno representa mais do que um rearranjo de cadeiras: simboliza uma virada ideológica de grande impacto. A obtenção de 51% dos assentos na Câmara marca um ponto de inflexão no sistema político chileno, abrindo espaço para uma agenda conservadora robusta — e ao mesmo tempo provocando uma reação de alerta entre forças progressistas sobre os riscos à coesão social.
Se bem-sucedida, a nova maioria pode transformar o projeto econômico e social do país, impulsionando reformas de peso e potencialmente redefinindo o papel do Estado chileno. Por outro lado, a fragmentação interna, o ativismo cívico e a polarização podem tornar esse momento tanto uma oportunidade para a direita quanto um terreno fértil para conflitos institucionais.
Em última análise, a “virada conservadora” no Chile só consolidará seu legado se for capaz de traduzir poder parlamentar em políticas consistentes — e, para isso, terá que navegar com habilidade entre discurso ideológico e exigências pragmáticas de governo.
Referências
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El País – Quién ganó las elecciones en Chile: El Partido Republicano de Kast triunfa en la Cámara de Diputados y en el Senado chileno
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El Mostrador – Con mayoría de derecha: así queda conformada la Cámara de Diputados
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Bloomberg Línea – La derecha chilena se prepara para hacer historia con su mayoría en el Congreso
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Unholster (via Emol) – Proyección de parlamentarias: La derecha se quedaría con ambas cámaras del Congreso
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Scotiabank – Chile Political Outlook Ahead of the 2025 Elections
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Euronews – Eleições presidenciais no Chile: candidata da esquerda vence mas pode haver impasse
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O Tempo – Eleição no Chile: segundo turno entre comunista e ultradireitista
