Presidente Gustavo Petro determinou a interrupção do intercâmbio de dados com agências norte-americanas em protesto contra ataques letais a embarcações suspeitas no Caribe e no Pacífico; Washington defende operações, e crise adiciona incerteza a décadas de cooperação em segurança na região.
A temperatura política entre Bogotá e Washington subiu mais um degrau nesta quarta-feira (12.nov.2025). Em decisão sem precedentes no ciclo recente da relação bilateral, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, ordenou a suspensão do compartilhamento de inteligência por parte das forças de segurança colombianas com órgãos de inteligência dos Estados Unidos. O movimento foi apresentado como resposta direta aos ataques norte-americanos contra lanchas e barcos “suspeitos de tráfico de drogas” no Caribe e no Pacífico — operações que, desde agosto, teriam resultado na morte de ao menos 75 a 76 pessoas e no afundamento de cerca de 20 embarcações, segundo balanços citados pela imprensa internacional.
Petro sustenta que parte dessas ações caracteriza “execuções extrajudiciais” e não atende a padrões de Estado de Direito e devido processo, pilares que o governo diz querer preservar inclusive no combate ao crime organizado transnacional. Em nota e publicações nas redes, o presidente condicionou a retomada da cooperação a uma revisão dos métodos de emprego da força e a garantias de respeito às comunidades costeiras.
Nos bastidores do poder, a leitura em Bogotá é de que a medida busca recalibrar a “regra do jogo” da parceria com os EUA num momento em que a pressão por resultados rápidos contra o narcotráfico tem levado a ações mais agressivas em mar aberto, nem sempre ancoradas em jurisdição clara. Interlocutores do governo lembram que, em outubro, a Colômbia já havia solicitado publicamente que Washington cessasse os ataques e “respeitasse as normas do direito internacional”.
O que está em jogo
Do ponto de vista operativo, o que muda é significativo: a Colômbia é historicamente um dos principais provedores de informações acionáveis para a interceptação marítima na bacia do Caribe e no Pacífico oriental. Estimativas de analistas ouvidos pela imprensa especializada apontam que o esvaziamento do intercâmbio de inteligência pode degradar a eficácia de interceptações e apreensões, ao menos no curto prazo, enquanto as partes tentam redesenhar protocolos. O que a curva “precifica” aqui — na linguagem da segurança regional — é um período de menor previsibilidade e maior risco de ruído diplomático.
A decisão ocorre em meio a uma escalada de tensões políticas. O governo dos EUA, chefiado por Donald Trump, tem criticado a postura de Petro em temas de segurança e migração, com episódios que incluem sanções e restrições de visto ao presidente colombiano. Por sua vez, Petro acusa Washington de ações “desproporcionais” e chegou a sugerir a apuração de eventuais crimes de guerra relacionados às operações navais — um ponto que amplia o desgaste e eleva o custo de reconciliação imediata.
Contexto e dados para além do fato
A cooperação em segurança entre Colômbia e EUA atravessa, desde os anos 2000, um ciclo de investimentos e treinamento que somam bilhões de dólares, com foco em interdição de cocaína, fortalecimento institucional e combate a grupos armados. Nesse arranjo, governabilidade e ambiente de negócios foram, por décadas, correlacionados à capacidade do Estado colombiano de reduzir a violência e assegurar segurança jurídica — um ponto caro a atores econômicos domésticos e internacionais. A atual crise adiciona incerteza a esse equilíbrio e testa a credibilidade de ambos os lados diante de parceiros regionais.
Do lado colombiano, somam-se debates internos sobre a condução da política de drogas e o reposicionamento da Direção Nacional de Inteligência (DNI). Reportagens recentes indicam discussão sobre o papel da agência e seu alinhamento estratégico — temas que também entram no radar quando a cooperação externa sofre abalos. Documentos e análises de think tanks e veículos locais descrevem um ambiente de reorganização que já vinha acendendo alertas antes do episódio atual.
Por que importa
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Segurança regional. Com a suspensão, missões combinadas de detecção e monitoramento em mar aberto podem perder sinergia operacional. No jargão do setor, a “sinalização ao mercado” do crime — ou seja, a percepção de risco dos traficantes — tende a se ajustar se houver percepção de menor coordenação entre Estados.
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Direito internacional. Ao chamar atenção para presunção de inocência e devido processo, Petro embute na crise um teste de garantismo em operações marítimas de alta letalidade. A resposta americana, por sua vez, sustenta que os alvos são “narcotraficantes” e que as ações ocorrem em águas internacionais, sob regras de engajamento definidas.
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Política doméstica. Em Bogotá, a decisão terá de se equilibrar com a base aliada e com demandas de resultados na agenda de segurança pública. Em Washington, o governo Trump utiliza a narrativa de “mão firme” como sinalização de que não haverá troca de favores com atores ligados ao crime — e pressiona países da região a aderirem à mesma linha.
Os números do conflito recente
Desde agosto, somam-se pelo menos 75 a 76 mortes associadas às operações navais dos EUA e cerca de 20 embarcações destruídas, de acordo com reportagens internacionais e fontes oficiais citadas por esses veículos. O governo colombiano afirma que entre os atingidos há nacionais seus e que ao menos um ataque teria ocorrido em águas sob jurisdição colombiana — o que tornaria o episódio ainda mais sensível.
A temperatura no Planalto (no caso, a Casa de Nariño) subiu após Petro reiterar, em pronunciamentos recentes, que não aceitará violações à soberania e que o que muda a partir de agora é a exigência de que qualquer aporte estrangeiro à segurança colombiana respeite regras claras de transparência e responsabilização. Do lado norte-americano, a Administração tem repetido que as ofensivas miram atores “narco-terroristas” e que visam reduzir a oferta de cocaína com resultados mensuráveis.
As próximas cenas: caminhos de desescalada
Nos movimentos no Palácio do Planalto colombiano, diplomatas defendem uma “ponte” que permita retomar a articulação técnica sem ignorar as preocupações com letalidade. Um roteiro possível envolve: (a) auditorias independentes sobre os ataques contestados; (b) novos protocolos de identificação de alvos; (c) cláusulas de transparência e salvaguardas para pescadores e populações locais; e (d) revisão conjunta de jurisdição e regras de engajamento. Interlocutores ouvidos por veículos internacionais avaliam que uma solução negociada é viável — se houver gesto simultâneo dos EUA no sentido de reduzir o “aperto do torniquete” militar e aumentar a cooperação judicial.
Para além do curto prazo, o que os números mostram (sem achismo) é que choques diplomáticos costumam produzir “ondas de choque” que reverberam em cadeias logísticas ilícitas, mas também em fluxos internacionais de investimento e comércio lícito, especialmente quando a percepção de risco político se aproxima de zonas de produção e exportação. Mesmo com “ruídos”, a correlação de forças institucionais sugere que ambos os países têm incentivos para reconstruir canais.
Análise equilibrada
Um viés de centro recomenda ponderar três dimensões:
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Eficácia vs. legalidade. Resultados imediatos contra o narcotráfico não podem atropelar padrões mínimos de direitos humanos; ao mesmo tempo, ajuste/ancoragem de políticas de segurança exige cooperação robusta — especialmente com quem compartilha fronteiras de inteligência há décadas.
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Soberania vs. interdependência. A Colômbia chama a atenção para riscos às suas comunidades costeiras e à sua jurisdição marítima; os EUA, por sua vez, defendem a interdição “longe da costa” para reduzir a pressão sobre rotas terrestres. É uma disputa clássica entre gestão e governança regional — e não será resolvida com retórica de curto prazo.
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Política e percepção. A crise atual não nasce no vazio: ela vem após meses de ruídos bilaterais (sanções, vistos, ameaças públicas), com impacto na credibilidade mútua. Reconstruí-la exigirá sinalização consistente, canais técnicos blindados de disputa política e métricas compartilhadas de sucesso (apreensões, prisões com devido processo, redução de letalidade).
No balanço, a suspensão do intercâmbio de inteligência é um fato político de alto impacto que pressiona ambas as capitais a atualizar regras do jogo e protocolos. Se vier acompanhada de um roteiro de verificação independente e trâmite institucional célere, pode converter crise em oportunidade de pactuar regras de engajamento mais claras — e compatíveis com o Estado de Direito que ambos alegam defender.
Fontes
Reuters – Colombia president orders suspension of intelligence sharing with US.
AP News – Colombia to suspend intelligence cooperation with US over strikes on drug vessels.
Financial Times – Colombia to suspend intelligence sharing with US over boat strikes.
CBS News/AFP – Colombia calls for U.S. to stop lethal boat strikes and “respect the norms” of international law.
France 24/AFP – Trump, Colombia leader trade threats as US strikes boats in Pacific.
ABC News – Colombian president says US military struck Colombian boat, killed his citizens.
