Milhares de sérvios tomam as ruas em oposição à lei que acelera o desenvolvimento de um antigo complexo do exército, alegando que o projeto favorece interesses estrangeiros e compromete a soberania nacional do país.
Belgrado, 11 de novembro — A Sérvia se viu tomada por protestos massivos no último fim de semana, com milhares de cidadãos saindo às ruas para contestarem a aprovação de uma nova lei controversa que visa acelerar o desenvolvimento de um antigo complexo militar em Belgrado. O projeto, encabeçado pelo consórcio ligado a Jared Kushner, ex-genro e assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, gerou ampla resistência, com os manifestantes acusando o governo de ceder à pressão imperialista e de comprometer a soberania nacional do país ao permitir que interesses estrangeiros controlem recursos estratégicos.
A legislação aprovada pelo governo sérvio facilita a venda de terrenos pertencentes ao antigo complexo militar de Banjica, um local historicamente simbólico e estratégico, para fins de desenvolvimento imobiliário e comercial. O projeto de Kushner, que pretende transformar a área em um centro de negócios, entretenimento e hotéis, é visto por muitos como mais uma manifestação do que criticam como uma política de entrega de patrimônio público a investidores internacionais, com uma clara ênfase em interesses privados sobre o bem-estar da população local. A proposta recebeu forte apoio do governo, que argumenta que ela é essencial para o desenvolvimento econômico do país, mas a oposição e os manifestantes discordam, apontando que o país já enfrenta dependência excessiva de investimentos externos que não geram benefícios tangíveis para a população em termos de empregos de qualidade ou infraestrutura pública.
Os protestos, organizados por sindicatos, grupos ambientalistas e partidos de oposição, denunciavam também a falta de transparência no processo de aprovação da lei, que foi aprovada rapidamente no Parlamento, sem consulta pública ou a participação da sociedade civil. A sensação de desconfiança é palpável. “Essa é uma entrega do nosso patrimônio para os interesses de investidores estrangeiros que não têm compromisso com o povo sérvio. O que queremos é controle nacional sobre nossas próprias terras e recursos”, afirmou Milos Jovanovic, um dos líderes do movimento protestante, durante um comício em Belgrado. “Não podemos permitir que o país seja vendido a qualquer preço, mesmo que venha com promessas de investimentos estrangeiros.”
A temperatura política no país se elevou consideravelmente nas últimas semanas, com a aprovação da lei e a subsequente mobilização de movimentos sociais e partidos políticos contrários ao projeto. A principal linha de crítica aponta que a medida facilita a privatização de terrenos públicos e compromete áreas de grande importância histórica e estratégica para a Sérvia. Grupos ambientalistas também alertam que o projeto ameaça ecossistemas locais e pode gerar impactos irreversíveis no equilíbrio da área. Segundo alguns analistas, o projeto de Kushner tem o potencial de transformar a região em uma zona de especulação imobiliária, o que, em um momento de alta inflação e crise econômica, pode afastar ainda mais as classes populares do mercado imobiliário.
Os protestos, além de criticarem o projeto por sua fragilidade institucional e falta de controle social, também atacam a falta de debate público em torno de uma das decisões mais significativas do governo, que poderá afetar os destinos de várias gerações. Para muitos manifestantes, a aprovação de uma legislação que favorece interesses estrangeiros enquanto enfraquece a soberania nacional é uma questão de grande preocupação e um reflexo do que muitos veem como uma concessão excessiva ao imperialismo ocidental. O governo, por sua vez, argumenta que o projeto criará novos empregos e melhorará a economia nacional, destacando a necessidade de abrir o país a investimentos externos como uma forma de impulsionar o crescimento e modernizar a infraestrutura.
Em contraste com os discursos oficiais, os opositores afirmam que a dependência de investimentos estrangeiros tem gerado um custo social alto para a população sérvia. Muitos criticam o que consideram ser um fisiologismo estatal, onde as políticas públicas são moldadas mais por interesses econômicos externos do que pelas necessidades da população local. “Este projeto é mais uma tentativa de continuar com o entreguismo, ou seja, vender as últimas riquezas que o país ainda possui a preços baixos”, afirmou Ana Milosavljevic, outra líder do movimento contra o projeto.
Entre os manifestantes, a ideia de soberania nacional ocupa um lugar central, com muitos afirmando que o país deve buscar um modelo de desenvolvimento econômico que privilegie as necessidades internas e preserve os recursos estratégicos, ao invés de se render a projetos que favoreçam potências externas. A articulação política no Congresso entre os apoiadores do governo e os interesses internacionais também tem sido vista como um dos maiores obstáculos para um debate mais democrático sobre o projeto.
Do lado do governo, a defesa da reforma e dos investimentos externos é clara: para o ministro da Economia, Goran Radojevic, o projeto é essencial para o futuro econômico da Sérvia, e representa uma janela de oportunidade para o país aumentar sua competitividade no mercado global. Radojevic afirmou que o influxo de investimentos externos irá revitalizar a economia, criar empregos sustentáveis e melhorar a infraestrutura nas cidades mais afetadas pela crise econômica.
Em relação ao aspecto geopolítico, a aprovação dessa legislação e o desenvolvimento de um grande complexo comercial em parceria com investidores americanos geram uma tensão nas relações entre a Sérvia e outros atores do cenário internacional. Embora o governo sérvio tenha procurado se alinhar com as grandes potências ocidentais, a oposição interna vê isso como mais uma cedência ao imperialismo, enfraquecendo a independência do país. “A política econômica da Sérvia não pode ser pautada por pressões externas que promovem projetos que não atendem aos interesses nacionais”, disseram representantes da oposição, que acusam o governo de estar mais preocupado com alianças geopolíticas do que com os interesses do povo sérvio.
Conclusão
A onda de protestos que tomou as ruas de Belgrado é um reflexo de uma polarização crescente no país, onde as grandes decisões de desenvolvimento começam a ser vistas sob o prisma da soberania nacional e da autonomia econômica. A assinatura de acordos que favorecem investimentos estrangeiros, como o projeto de Kushner, coloca em xeque o modelo de desenvolvimento defendido por diferentes setores da sociedade, que exigem mais transparência, diálogo social e controle democrático sobre decisões tão impactantes. O futuro político da Sérvia dependerá da capacidade do governo de equilibrar necessidades internas com pressões externas, sem enfraquecer as bases democráticas e o interesse coletivo do povo.
Referências
Reuters – Thousands protest in Serbia against law to accelerate Kushner’s development of former military complex.
The Guardian – Serbia’s opposition protests controversial development deal with Kushner’s firm.
AP News – Serbia’s protests: Thousands rally against the law for Kushner’s development project.
