Milhares de sérvios tomam as ruas de Belgrado, se opondo à legislação que facilita o avanço de um mega-projeto de desenvolvimento liderado por investidores próximos ao ex-presidente dos EUA, Jared Kushner. Críticos acusam o governo de “ceder” a interesses estrangeiros enquanto enfraquece a soberania nacional.
A Sérvia viu-se envolvida em protestos massivos nesta semana, após a aprovação de uma nova legislação que acelera o desenvolvimento de um antigo complexo militar em Belgrado, para fins comerciais, por um consórcio de investidores ligados ao magnata imobiliário e ex-assessor da Casa Branca, Jared Kushner. Milhares de cidadãos se reuniram nas ruas da capital, denunciando o que consideram uma entrega de parte do patrimônio público em nome de um projeto de desenvolvimento que, segundo eles, não beneficia a população local e pode representar uma ameaça à soberania nacional. A iniciativa tem gerado uma reação crítica não apenas entre os opositores políticos, mas também entre vários setores da sociedade sérvia, com uma crescente sensação de desconfiança em relação à influência externa.
O projeto de Kushner visa transformar um antigo complexo militar que pertencia ao governo sérvio em uma nova área de comércio, hotéis e empreendimentos imobiliários de alto padrão. Contudo, os críticos alertam que a legislação que facilita esse empreendimento, aprovada recentemente no parlamento, foi discutida e negociada sem ampla consulta pública, levando muitos a temer que o governo de Belgrado tenha cedido a pressões externas para garantir um grande investimento que poderia, na prática, resultar na privatização de propriedades estratégicas.
A aprovação da lei foi rapidamente seguida por uma série de protestos, com a participação de movimentos sociais, sindicatos e vários partidos da oposição, que consideram a medida um retrocesso na tentativa do país de preservar sua autonomia e interesses econômicos nacionais. Os manifestantes acusam o governo de buscar favores financeiros e apoio político de fora, especialmente do governo dos EUA e de investidores estrangeiros, como o consórcio ligado a Kushner, em troca da entrega de terras e ativos públicos sem um devido processo de transparência e sem a devida análise das repercussões para o povo sérvio. Os protestos, que começaram de forma pacífica, rapidamente se intensificaram em várias regiões, com os manifestantes cobrando a revogação imediata da legislação e o cancelamento do projeto de Kushner.
Entre os manifestantes, a temperatura política tem se elevado consideravelmente. “Essa lei é uma verdadeira traição à nossa soberania, vendendo nossas terras e nossa história para interesses estrangeiros. O governo está fazendo isso sem consultar a população ou sequer considerar o impacto econômico a longo prazo para os cidadãos sérvios”, afirmou uma das líderes do movimento, Dragana Stanojevic, durante um comício no centro de Belgrado. Segundo ela, o complexo em questão está localizado em uma área estratégica e tem um grande valor cultural e histórico para a Sérvia, sendo inaceitável que seja entregue a um consórcio ligado a um investidor estrangeiro, sem uma discussão mais profunda.
O projeto de Kushner é descrito por seus defensores como uma oportunidade para revitalizar a economia local, criar empregos e atrair investimento estrangeiro, mas é justamente essa ênfase em interesses estrangeiros que tem gerado os maiores questionamentos. A aprovação da legislação gerou um calor político entre as elites governamentais, com alguns parlamentares e membros da sociedade civil argumentando que o projeto seria um preço alto demais para pagar em termos de soberania econômica e política.
Para entender o impacto dessa situação, é importante observar que a Sérvia, embora candidata à adesão à União Europeia, tem uma longa história de relações tensas com o Ocidente, especialmente após as guerras dos anos 1990 e o colapso da Iugoslávia. A presença crescente de investimentos estrangeiros, muitas vezes associados a interesses econômicos e políticos, tem gerado um debate acirrado sobre como equilibrar desenvolvimento e autonomia nacional. A aliança com os EUA, embora importante para o governo sérvio, tem sido vista por muitos como uma relação que pode minar a soberania e interesses nacionais em favor de estratégias geopolíticas externas, que nem sempre atendem às necessidades e ao bem-estar da população local.
Em termos de impactos econômicos, o projeto levanta questões sobre a qualidade do emprego que será criado, especialmente se a maior parte do investimento vier de fora e se os lucros forem repatriados para outros países. O uso de terras e recursos públicos também é um ponto de discórdia, pois muitos acreditam que o governo deveria investir mais em projetos que atendam às necessidades locais, como infraestrutura, educação e saúde, em vez de focar em grandes empreendimentos imobiliários que podem beneficiar apenas um pequeno número de pessoas e empresas internacionais.
Além disso, há uma preocupação crescente em relação ao distorcimento do mercado imobiliário que tais projetos podem causar, principalmente em um contexto de alta inflação e crise econômica que afeta muitas famílias sérvias. A especulação imobiliária em torno do projeto de Kushner pode, por exemplo, elevar ainda mais os preços das propriedades, dificultando o acesso das classes médias e baixas à moradia.
Críticos do governo alertam que a aprovação dessa legislação pode enfraquecer a credibilidade política do governo sérvio, uma vez que ele será visto como um facilitador de interesses estrangeiros, ao invés de um defensor dos direitos dos cidadãos locais. “O que estamos vendo aqui não é apenas uma venda de terras, mas uma venda de nossa identidade e dos nossos direitos fundamentais”, declarou um porta-voz do Partido da Liberdade, a principal força de oposição no país.
Por outro lado, o governo de Belgrado tem defendido a medida como um passo necessário para modernizar a economia e criar as bases para um futuro próspero, enfatizando que o projeto de Kushner ajudará a atrair mais investimentos e melhorar a infraestrutura da região. No entanto, essa narrativa tem sido ofuscada pela forte resistência da população, que exige mais transparência e consultas públicas antes de permitir que um projeto de tal magnitude seja implementado.
Conclusão
À medida que a Sérvia enfrenta uma crescente oposição pública ao projeto de desenvolvimento liderado por Kushner, a questão central que se coloca é até que ponto os interesses estrangeiros devem prevalecer sobre a soberania nacional e as necessidades do povo sérvio. O movimento contra a legislação reflete não apenas uma disputa sobre o uso de um espaço físico estratégico, mas também uma reflexão mais ampla sobre o papel do país no cenário internacional e a necessidade de preservar sua autonomia política e econômica.
Com a temperatura política aumentando e as dúvidas sobre a integridade do projeto, será necessário um diálogo mais profundo entre o governo, a sociedade e as partes interessadas para que se chegue a uma solução que seja benéfica para todos. Enquanto isso, os protestos na capital continuam, como uma manifestação de resistência à percepção de que o governo está colocando os interesses de grandes investidores estrangeiros à frente do bem-estar da população.
Referências
Reuters – Serbia protests against law accelerating Kushner’s development project.
The Guardian – Serbia’s opposition protests development deal with Kushner’s firm.
AP News – Thousands rally in Serbia against new law facilitating Kushner’s development project.
