Com a China no comando da cúpula do APEC em 2026, Taiwan cobra tratamento igual, os EUA defendem a participação sem rebaixamentos e Pequim reafirma o princípio de “uma só China”; no pano de fundo, está a previsibilidade para negócios, cadeias de suprimento e o equilíbrio de poder regional.
A confirmação de Shenzhen como sede da Reunião de Líderes Econômicos do APEC em novembro de 2026 reposiciona a principal zona econômica especial da China como vitrine de ambição tecnológica e plataforma para a diplomacia econômica de Pequim. Mas, junto com a projeção de modernidade, veio o velho contencioso: qual será, exatamente, a cadeira de Taiwan? Nas últimas semanas, Taipei acusou a China de ter acrescentado condições à sua participação e de ter recuado de promessas anteriores de tratamento equivalente; Pequim rebateu que a questão não é de segurança, mas de conformidade a “uma só China”, insistindo que tudo seguirá “regras” e “práticas estabelecidas” do fórum. Washington, por sua vez, sublinhou que a ilha deve ter participação “plena e igual”. O tabuleiro está dado, e as palavras contam.
Para além da guerra de narrativas, o que está em jogo é a soberania e a ordem institucional do Indo-Pacífico — e, para quem olha pelo prisma da eficiência econômica, a previsibilidade regulatória e a liberdade econômica necessárias para que cadeias de suprimento e investimentos sigam seu curso. Em essência, a APEC é um fórum econômico que funciona melhor quando a política fica no devido lugar. É legítimo que o anfitrião faça valer o protocolo, e é compreensível que uma economia participante rejeite rebaixamentos simbólicos. Mas a régua do APEC sempre foi a regra do jogo, não o improviso. Quando surge a percepção de politização excessiva e “exigências adicionais” fora do memorando, aumenta o prêmio de risco — e o custo é pago por empresas, empregos e consumidores.
A arena e os atores
A APEC reúne 21 economias e mantém uma fórmula singular: não é um bloco de segurança, tampouco um tribunal. É uma mesa voltada a facilitação de comércio, melhoria do ambiente de negócios e redução de barreiras. A China, como anfitriã, assume a responsabilidade de garantir segurança e logística adequadas para todos — algo que o Ministério das Relações Exteriores de Pequim disse explicitamente, ao mesmo tempo em que reafirmou o “princípio de uma só China”. Taipei, por sua vez, lembra que participa como “Chinese Taipei” e alega ter recebido, em 2024, garantias de tratamento igualitário; agora, segundo o seu chanceler, essas garantias teriam sido “recalibradas” por Pequim. Os Estados Unidos entraram no circuito dizendo, de forma direta, que a participação deve ser “plena e igual”. São posições conhecidas, mas suas ênfases definem a temperatura política do processo preparatório.
A discussão também é um teste de credibilidade para a própria APEC. Em 2001, Taiwan boicotou a reunião em Xangai por divergências sobre o nível da delegação; em 2014, participou com menos atritos. Em 2026, o desafio é impedir que a disputa de credenciais vire manchete e eclipse o que interessa: crescimento, interconectividade e competitividade. Se a cadeira de Taiwan dominar o noticiário, perde espaço a agenda de 12 meses que antecede a foto dos líderes — e que inclui temas tão concretos quanto comércio digital, padronização técnica, cadeias verdes e portas de entrada mais ágeis.
O prisma de direita: princípios claros, efeitos práticos
Visto por um viés conservador no campo econômico e institucional, o debate deveria seguir três linhas mestras:
- Preeminência das regras — A segurança jurídica e a responsabilização de todos os atores começam pelo respeito ao arranjo já pacificado do APEC. Mudanças ad hoc, “cartas novas” no meio do jogo ou recuos de compromissos sinalizados minam a confiança. O ônus de provar que nada mudou é de quem altera o tom dos convites. Se existem protocolos, eles valem para todos.
- Soberania e autodeterminação — A tensão Sino-Taiwan é um dado do ambiente. Contudo, quando transborda para fóruns econômicos e produz ruído operacional, abre espaço para ativismo diplomático que atrapalha a eficiência do fórum. É um alerta: ou se preserva a lógica econômica — com decisões orientadas por mérito, produtividade e estabilidade —, ou o APEC vira um palco para disputas que nada agregam à agenda de emprego e renda na região.
- Liberdade econômica com segurança — Um anfitrião forte garante segurança de delegações e ordem de procedimentos sem confundir isso com patrulha ideológica. Um participante assertivo reivindica tratamento isonômico sem transformar a cúpula em plebiscito. O resto é retórica. A consequência prática, para empresas e investidores, é clara: sem previsibilidade e custos de transação baixos, projetos são adiados e linhas de produção permanecem cautelosas.
Essas linhas não negam a realidade do “uma só China” na diplomacia de diversos países — reconhecida, por exemplo, na política dos EUA de “acknowledge, not endorse”. Mas reforçam que a APEC prospera quando a briga semântica fica fora da sala de reuniões e quando a governança se concentra em entregas verificáveis. Wikipedia
Bastidores: quem ganha com o impasse?
Em qualquer cenário, há quem lucre com a incerteza: atores que desejam protagonismo interno, grupos que capitalizam a polarização e concorrentes que preferem um APEC menos eficiente para negociar bilateralmente, onde a assimetria pesa mais. É por isso que o pragmatismo e a gestão de risco precisam prevalecer. A China quer uma vitrine impecável: Shenzhen é sinônimo de inovação, infraestrutura e escala. Taiwan quer impedir qualquer rebaixamento protocolar que possa virar precedente. Os EUA buscam sinalizar dissuasão política sem explodir a agenda econômica. Em comum, todos dizem defender o APEC. É hora de demonstrar isso na prática, com pactos de funcionamento que reduzam o ruído.
Se a temperatura subir, cresce o risco de se repetir o déjà-vu de 2001 — algo que nem Pequim, nem Taipei, nem os mercados desejam. E se a disputa for contida e tratada como tema de procedimento, sem espetáculo, a APEC entrega o que promete: menos barreiras, mais integração e crescimento em um ciclo em que cadeias de suprimento, energia e semicondutores precisam de redundância e segurança.
O papel dos EUA e a mensagem para aliados
A manifestação de Washington a favor de participação “plena e igual” de Taiwan não cai do céu. É coerente com a política de décadas que reconhece a RPC como governo da China, mas não endossa a tese de soberania sobre a ilha — uma engenharia de linguagem que preserva o interesse nacional americano: evitar conflito aberto e manter rotas de comércio, investimento e tecnologia. Para aliados como Japão, Austrália e Canadá, a mensagem é que os EUA seguem comprometidos com uma ordem regras-baseadas. Ao mesmo tempo, ninguém ignora a realidade de 2025–2026: pressão militar chinesa, eleições e riscos de escalada retórica. É precisamente aqui que fóruns como o APEC oferecem uma rota de descompressão — desde que não se permitam capturar por agendas de militarização discursiva.
Shenzhen como palco — economia fala alto
Escolher Shenzhen não é casual. É uma mensagem de capacidade de execução, escala industrial e mérito tecnológico. Para um fórum que discute comércio digital, IA e cadeias verdes, é escolha lógica. Mas a vitrine cobra preço: tudo o que soar a controle excessivo, “cerceamento” ou improviso protocolar pode contaminar a percepção sobre a abertura de mercado e a segurança de participar do ciclo de reuniões. Vale lembrar: a APEC 2026 não é um evento de um dia; é um calendário inteiro de encontros ministeriais e técnicos. Quanto mais cedo houver uma clarificação de protocolo para Taiwan, menor o risco de contaminação em cadeia. Wikipedia
No fim, a régua de avaliação é simples: a cúpula entrega estabilidade, ambiente de negócios e redução de custos? Se sim, o APEC cumpre seu propósito e Shenzhen sai maior — com efeitos positivos para todo o Indo-Pacífico. Se não, a região perde tempo com disputas simbólicas e denúncias performáticas que não geram um único emprego a mais, não destravam um único porto e não encurtam em um dia sequer o prazo de uma encomenda crítica de chips.
Em 2026, a China tem a chance de mostrar que sabe conciliar etiquetas políticas com eficiência administrativa e estabilidade regulatória — virtudes que o mercado recompensa. Taiwan tem o direito de exigir isonomia operacional sem transformar a cúpula em palanque. E os EUA, se querem um Indo-Pacífico aberto e próspero, devem sustentar o discurso de liberdade econômica com diplomacia que desinflame, não que reescreva protocolos na marra. A regra do jogo está posta: quem respeitá-la sinalizará maturidade institucional e colherá dividendos de investimento e comércio; quem apostar em barulho colherá manchetes de um dia e custos de longo prazo. A escolha — como sempre — terá consequências.
Fontes
Reuters – China dismisses Taiwan safety concerns about hosting APEC next year.
Reuters – Taiwan must be allowed equal participation when China hosts APEC, US says.
Reuters – Taiwan says China has added conditions to its attendance at APEC summit.
