A manhã de domingo (2/11) começou com sirene, fumaça e apagões em boa parte do leste da Ucrânia. Após uma noite de ataques aéreos e de drones, morreram civis e dezenas de milhares ficaram sem energia, com grandes áreas da região de Donetsk às escuras e interrupções também em Zaporizhzhia, Chernihiv e Kharkiv, segundo autoridades ucranianas. No eixo de Pokrovsk–Myrnohrad, onde a Rússia intensifica sua ofensiva há semanas, Kiev diz que reforçou tropas e mantém a cidade, apesar de infiltrações e combates urbanos. O quadro humanitário se agrava à porta do inverno. Reuters+1
Na frente leste, Pokrovsk tornou-se sinônimo de resiliência — e de risco estratégico. É entroncamento logístico vital para a Ucrânia e porta de entrada para o restante de Donetsk. Unidades de operações especiais foram mobilizadas para conter grupos russos que buscam infiltrar-se por bairros residenciais, evitando confrontos frontais e criando caos com movimentos rápidos e dispersos. O comandante-chefe Oleksandr Syrskyi afirmou que, apesar da pressão, não há cerco da cidade, e que a prioridade é detectar e eliminar pequenos destacamentos inimigos dentro do perímetro urbano. The Guardian+2glavnoe.in.ua+2
Blecautes não são “colaterais”: são parte da estratégia
As interrupções de energia não são apenas efeito secundário do fogo cruzado; têm sido um objetivo recorrente nas campanhas de inverno lançadas por Moscou desde 2022. A tática combina mísseis, drones kamikaze e, mais recentemente, bombas guiadas que sobrecarregam defesas e atingem infraestrutura crítica — subestações, linhas de transmissão, instalações de gás. Com o frio chegando, o impacto em aquecimento, água e hospitais é imediato e desproporcional sobre idosos, famílias pobres e comunidades rurais. Relatos recentes destacam a escala e frequência desses ataques e o temor de um novo ciclo de apagões prolongados. euronews
No domingo, autoridades ucranianas contabilizaram mortes e danos em várias frentes: duas pessoas morreram em ataques a caminhões de carga no oblast de Odesa; quase 60 mil ficaram sem luz em Zaporizhzhia após danos à rede; e houve perdas adicionais em Chernihiv e Kharkiv. Em Dnipropetrovsk, uma loja atingida elevou o número de vítimas; entre os mortos, duas crianças, de acordo com briefings do governo. O presidente Volodymyr Zelensky relatou que, apenas na semana anterior, a Rússia lançou quase 1.500 drones, 1.170 bombas guiadas e mais de 70 mísseis. Reuters
Esse padrão de ataques reforça alertas de operadoras do sistema elétrico: após ondas de bombardeios em outubro, cortes programados e emergenciais foram adotados em diversos oblasts para estabilizar a rede, refletindo uma guerra de desgaste que passa pela energia tanto quanto pelo território. pravda.com.ua
Por que Pokrovsk importa — e o que está em jogo
Pokrovsk é charneira entre a frente oriental e a retaguarda ucraniana. Sua perda abriria corredores para artilharia e logística russas, com efeitos em cascata sobre linhas férreas e rodovias que abastecem o esforço de guerra de Kiev. Na prática, o trabalho ucraniano hoje — reforçar posições, fechar brechas e expulsar incursões — tem menos a ver com “grandes setas no mapa” e mais com bloquear infiltrações que, somadas, estrangulam a vida da cidade.
Relatos de campo indicam combates em áreas urbanas e operações de “caça” a pequenos grupos, nas quais drones de reconhecimento e ataque são decisivos para localizar, fixar e neutralizar o inimigo com menor risco para civis. É uma guerra de proximidade em ruas estreitas, com altíssimo custo humano quando falha a coordenação entre unidades de assalto, polícia militar, serviços de segurança e inteligência militar. militarnyi.com
Um olhar de esquerda: civis primeiro, direito internacional no centro
Sob uma lente progressista, a prioridade é reduzir danos à população, garantir serviços e proteger infraestrutura crítica — pilares de direitos humanos em conflito armado. Isso implica:
- Reforço de defesa antiaérea voltado para infraestrutura essencial (subestações, instalações de água e aquecimento), com ajuda internacional condicionada a planos de proteção civil e transparência de uso.
- Apoio humanitário robusto nos oblasts afetados, com foco em aquecimento de emergência, geradores e cadeia fria de medicamentos, priorizando crianças, idosos e pessoas com deficiência.
- Documentação de ataques e investigação independente sobre alvos civis — uma exigência do direito internacional humanitário —, além do endurecimento de sanções contra insumos e tecnologias empregadas na campanha contra a energia.
Trata-se de proteger vidas e capacidade de resiliência, sem perder de vista a responsabilização por ataques deliberados a infraestruturas civis, prática que autoridades ucranianas e observadores independentes atribuem sistematicamente à estratégia russa — acusação que Moscou nega. Reuters
Economia política do apagão: quando o “frio” vira arma
Blecautes não são apenas ausência de luz; travam a economia, desorganizam escolas e hospitais e ampliam desigualdades. Nas cidades do leste, pequenos negócios dependem de geradores caros e diesel em falta; trabalhadores perdem renda; moradores ficam sem bombeamento de água e sem aquecimento. O “custo do blackout” recai mais pesado sobre quem tem menos rede de proteção, reforçando a necessidade de transferências emergenciais, tarifas sociais e redes descentralizadas de energia (incluindo solar e armazenamento em edifícios públicos). Reconstruir verde não é slogan: é reduzir vulnerabilidades num front que a Rússia já identificou como ponto de pressão. euronews
Informação, desinformação e o “jogo de narrativas”
Em batalhas urbanas, narrativas se movem tão rápido quanto drones FPV. Moscou proclama cercos e baixas ucranianas; Kiev fala em operações de busca e destruição bem-sucedidas, sem bloqueio logístico. A imprensa internacional registra avanços russos táticos no entorno, mas enfatiza a incerteza sobre controle efetivo em bairros disputados. O consenso nas fontes de referência é que a cidade resiste — e que o risco humanitário aumenta a cada hora sem eletricidade e com munições caindo perto de prédios residenciais. The Guardian+1
O que observar nas próximas semanas
- Métricas de energia — ritmo de reparo de subestações, importações de eletricidade (quando disponíveis) e estabilidade da frequência do sistema;
- Padrão de ataques — se migra de linhas de transmissão para geração térmica ou instalações de gás, o impacto pode se prolongar;
- Fluxo de civis — com rotas de evacuação frequentemente bloqueadas por bombardeios, cada “janela de calma” pode salvar vidas;
- Logística militar — presença ucraniana em eixos ferroviários e rodoviários ao norte e ao oeste de Pokrovsk é crucial para impedir cerco e sustentar a defesa.
No plano internacional, o tema volta à mesa dos aliados: apoio antiaéreo, peças de reposição para a rede elétrica e financiamento de programas de aquecimento de emergência. São medidas concretas para reduzir sofrimento civil e manter a coesão social enquanto a batalha continua.
Parágrafo final
A história que sai de Pokrovsk neste 2 de novembro é a de uma cidade que insiste com luz intermitente e gente exausta a permanecer. A ofensiva russa e os blecautes em massa mostram que a guerra não se mede só em quilômetros de frente, mas em horas de energia, água encanada, leitos aquecidos e crianças vivas. Se a comunidade internacional quiser defender vidas — não apenas linhas no mapa —, terá de blindar a infraestrutura civil, sustentar a assistência e investir numa reconstrução que diminua a chantagem do frio. É assim que se coloca os civis no centro — onde sempre deveriam ter estado.
Fontes
- Reuters – Russian attacks on Ukraine kill two, leave Donetsk region without power. Reuters
- The Guardian – Ukraine says its troops still holding out in embattled Pokrovsk. The Guardian
- The Guardian – Ukraine deploys special forces to Pokrovsk in effort to hold key city. The Guardian
- Euronews – Russia’s new energy assault pushes Ukraine into a winter of blackouts. euronews
- Ukrainska Pravda – Ukrenergo says power outage schedules are in place across 12 oblasts. pravda.com.ua
- Glavnoe (cobrindo fala de Syrskyi) – The enemy is increasing activity; Ukrainian Defense Forces are holding the line. glavnoe.in.ua
