O primeiro-ministro do Iraque, Mohammed Shia al-Sudani, afirmou que só conseguirá desarmar as facções quando a coalizão liderada pelos EUA deixar o país — e que pretende colocar todas as armas sob controle do Estado, oferecendo aos combatentes duas saídas: ingressar nas instituições oficiais de segurança ou atuar na política sem armas. Em entrevista divulgada na segunda-feira (3/11), ele defendeu que a ameaça do Estado Islâmico caiu e que o contexto de segurança dispensa a presença militar estrangeira, hoje em redução. Reuters
Da perspectiva conservadora, a mensagem de al-Sudani expõe um dilema clássico: condicionar o desarmamento das milícias — muitas delas apoiadas por Teerã — à retirada total da coalizão recompensa a coerção e sinaliza fraqueza institucional. A pergunta central para quem prioriza lei e ordem é simples: quem impõe custos a grupos armados enquanto o Estado reorganiza sua capacidade? Com ataques de proxies iranianos contra alvos americanos documentados aos montes desde 2023, afrouxar a pressão antes de capitular as redes e as finanças dessas facções cria um vácuo que pode ser explorado por atores violentos — inclusive remanescentes do ISIS. JINSA
O estado da transição: redução da missão americana, mas com condições
Do lado dos EUA, a redução da missão já está em curso. O Pentágono reafirmou, em 1º de outubro, que está redimensionando a presença no Iraque e transferindo responsabilidades às forças iraquianas — movimento que inclui enxugamento do contingente e ênfase cooperativa (treinamento, inteligência, aconselhamento). Relatos de imprensa especializada indicam ajustes de postura com maior concentração em Erbil e negociações para entrega de bases ao controle de Bagdá, num redesenho que desloca parte das capacidades para Síria e cooperação bilateral no Iraque. Stars and Stripes+1
Já al-Sudani projeta a saída completa da coalizão até setembro de 2026 — cronograma mais longo do que datas ventiladas por outras reportagens — e se apresenta ao eleitorado como o “construtor-em-chefe”: infraestrutura entregue, orçamento recorde e ampliação do funcionalismo, com pactos econômicos com GE, Chevron e ExxonMobil para aproveitar gás doméstico e zerar o flaring até 2027. Trata-se de uma narrativa de normalização que, na leitura de direita, não pode prescindir de um teste de força contra milícias antes de baixar a guarda externa. Reuters
“Armas sob o Estado” — mas como e quando?
A lei de 2016 que institucionalizou as Forças de Mobilização Popular (PMF/Hashd al-Shaabi) deu status legal a parte dessas formações, mas não resolveu a dupla cadeia de comando, os feudos e a autonomia financeira de grupos que seguem operando com capilaridade territorial e apadrinhamento político. Para a direita, legalidade sem subordinação efetiva é porta giratória: preserva arsenais paralelos sob verniz estatal e perpetua o risco de captura do aparelho de segurança. Um desarmamento real exigiria ruptura das cadeias de comando, controle de logística (armas, munições, combustíveis), bloqueio de receitas ilícitas (contrabando, portos, fronteiras) e responsabilização por abusos. The Library of Congress
Condicionar tudo isso à saída completa da coalizão é, nesse prisma, inverter prioridades: primeiro desmonta-se a capacidade violenta e isola-se quem resiste; depois se conclui a transição externa — não o contrário. O risco é claro: sem a alavanca de pressão representada pela presença de um parceiro de segurança capaz de dissuadir e apoiar operações complexas, negociadores perdem “fichas” numa mesa em que Teerã e seus proxies jogam duro. JINSA
O fio da navalha: entre Washington e Teerã
Desde janeiro de 2024, Bagdá e Washington formalizaram o debate sobre o futuro da coalizão. O objetivo: encerrar a missão multinacional e reformatar a relação em bases bilaterais, avaliando ameaças remanescentes, capacidades iraquianas e o risco sírio — onde prisões de combatentes do ISIS e instabilidade seguem preocupando. A direita reconhece o mérito de calibrar compromissos, mas insiste que a transição precisa ser condicionada a resultados verificáveis no desarme e na redução de ataques a alvos americanos e iraquianos. Sem “condicionalidades”, a saída converte-se em dividendo político para milícias. Al Jazeera+1
Nesse meio-tempo, ataques de projéteis, drones e foguetes por grupos pró-Irã voltaram a crescer ao longo de 2025, segundo rastreadores independentes, mantendo pressão sobre bases e linhas de suprimento. Para uma visão realista e conservadora, esse é o indicador-chave: não se retira dissuasão enquanto o adversário dispara. Antes, aperta-se o torniquete: sanções direcionadas, aperto financeiro nas redes logísticas, interdição marítima e apoio técnico para que Bagdá trave as rotas que alimentam arsenais fora da lei. JINSA
Economia, energia e segurança: lições de “ordem primeiro”
O plano econômico de al-Sudani — atrair investimento, aproveitar gás, estabilizar eletricidade — é positivo e necessário. Mas a experiência recente mostra que crescimento sem segurança não se sustenta. Para uma direita pragmática, a sequência importa:
- Neutralizar a ameaça armada antes de reduzir dissuasão externa;
- Reintegrar quem aceitar cadeia de comando única e formação profissional com compliance e direitos humanos — e punir exemplarmente quem persistir no crime;
- Blindar infraestrutura energética (oleodutos, gás, usinas) com segurança de camadas, redundância e parcerias tecnológicas — alvo preferencial de sabotagem;
- Fechar a torneira financeira: auditorias, compliance bancário, monitoramento de cash-couriers, controle de fronteiras e cooperação internacional contra contrabando e lavagem.
Em outras palavras: o Estado de direito precede o Estado de bem-estar. Sem monopólio da força, orçamentos recordes viram renda de captura.
O que observaremos no “dia seguinte”
Se o cronograma proposto por al-Sudani avançar, três sinais indicarão rumo:
- Taxa de ataques a alvos iraquianos/americanos cairá de forma sustentada? Rastreados e auditáveis? Se não cair, não há base para acelerar saída. JINSA
- Cadeia de comando única: PMF subordinadas (na prática) ao Ministério da Defesa/Interior, comandantes trocados quando necessário, estoques e munições inventariados;
- Base jurídica: investigações e condenações por crimes graves, inclusive quando envolverem figuras influentes — sem isso, o “desarmar” será papel.
Política doméstica e mensagem externa
Al-Sudani está em campanha para 11 de novembro, vendendo normalização e soberania. É legítimo. Mas, para a direita, soberania significa capacidade de impor regras dentro de casa sem licenças concedidas a quem aponta fuzis. Condicionar tudo a uma “saída total” entrega o timing aos armados e aos seus padrinhos. A mensagem externa deveria ser cristalina: o Iraque decide o desenho da cooperação com os EUA, mas decide com o Estado no controle — e o Estado só controla quando desarma. Reuters
Washington, por sua vez, faz o certo ao reduzir e reconfigurar a missão, sem apagar a dissuasão. Um modelo de parceria focado em inteligência, forças especiais, antiterrorismo e proteção de infraestrutura é compatível com a soberania iraquiana se — e somente se — as facções não ditarem a agenda. Stars and Stripes
Conclusão
A fala de al-Sudani oferece um roteiro sedutor: coalizão sai, milícias se desarmam, Estado assume tudo. A direita responde com sequenciamento e verificabilidade: milícias se desarmam de verdade, cadeia de comando única funciona, ataques cessam — então a coalizão conclui a retirada. Inverter essa ordem é arriscar a repetição de um padrão que o Oriente Médio conhece bem: vácuos de segurança ocupados por redes violentas e influências externas. O Iraque pode virar a página — desde que priorize lei, ordem e responsabilização, antes de baixar a guarda.
Fontes
- Reuters – Iraq can disarm factions only when the US withdraws, prime minister says. Reuters
- Stars and Stripes – US military begins reducing its mission in Iraq, Pentagon says. Stars and Stripes
- Al Arabiya – Pentagon says Iraq mission being scaled back. english.alarabiya.net
- Al Jazeera – US, Iraq begin formal talks on winding down US-led military coalition. Al Jazeera
- Library of Congress (Global Legal Monitor) – Iraq: Legislating the Status of the Popular Mobilization Forces. The Library of Congress
- JINSA – Iran Projectile Tracker: Attacks Against U.S. Troops Resume. JINSA
