Sérgio Santos Rodrigues, idealizador da SAF celeste, questiona modelo de participação popular na gestão corintiana e evoca fracasso do FIGA atleticano
O cenário do futebol brasileiro volta a ser palco de um intenso debate sobre os modelos de gestão e a participação de torcedores nos clubes. Na última quarta-feira, a entrega formal do projeto SAFiel ao Conselho Deliberativo do Corinthians reacendeu discussões, mas também provocou um alerta veemente do ex-presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues. Idealizador da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) que transformou a Raposa, Rodrigues agora tece duras críticas à proposta corintiana, que visa a criação de uma SAF com participação acionária de torcedores. Ele levanta questionamentos sérios sobre a viabilidade e os riscos do SAFiel, advertindo os torcedores do Timão sobre perigos financeiros e a ilusão de poder decisório real, e citando o emblemático caso do Fundo de Investimentos do Galo (FIGA), do Atlético-MG, como um precedente que deve servir de lição.
Contexto
A transformação de clubes de futebol em Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) tem sido uma tendência crescente no Brasil, impulsionada pela busca por maior profissionalização, transparência e, sobretudo, pela atração de investimentos. O Corinthians, um dos maiores clubes do país, explora agora um caminho diferenciado com o projeto SAFiel, que propõe uma estrutura onde os próprios torcedores podem adquirir cotas e, teoricamente, participar das decisões do clube. Esta iniciativa é vista por alguns como uma democratização do capital e uma forma de engajar profundamente a base de fãs, enquanto outros, como Rodrigues, veem nela uma série de vulnerabilidades.
A proposta do SAFiel, desenvolvida por um grupo de torcedores e especialistas, foi protocolada junto ao Conselho Deliberativo do Corinthians na última semana, iniciando formalmente o processo de avaliação interna. A expectativa é que o modelo seja minuciosamente examinado por conselheiros, especialistas jurídicos e financeiros, antes de qualquer votação ou implementação. A peculiaridade do SAFiel reside na tentativa de conciliar a estrutura de uma SAF com a paixão e o engajamento direto dos torcedores como acionistas, buscando um equilíbrio entre a gestão profissional e a identidade popular do clube.
Neste cenário, a voz de Sérgio Santos Rodrigues ganha particular peso. Embora tenha sido o mentor da transformação do Cruzeiro em SAF, processo que culminou na venda da maior parte das ações para Ronaldo Fenômeno, Rodrigues se tornou um crítico do modelo de participação popular direta em clubes de futebol. Sua experiência à frente do Cruzeiro durante a transição lhe proporcionou um entendimento profundo dos desafios e complexidades envolvidos na gestão de uma SAF, especialmente em um contexto de grandes dívidas e expectativas fervorosas da torcida. Suas declarações recentes não apenas questionam o SAFiel, mas também provocam uma reflexão mais ampla sobre os caminhos que o futebol brasileiro está trilhando.
O Paradoxo da Crítica
O ponto central da argumentação de Rodrigues reside no paradoxo de sua própria trajetória. Ele foi o responsável por estruturar a SAF do Cruzeiro, um movimento que foi crucial para a reestruturação financeira do clube e sua posterior recuperação esportiva. No entanto, ele enfatiza que o modelo de participação de torcedores, como proposto pelo SAFiel, difere substancialmente daquele implementado na Raposa, que optou por um acionista majoritário com grande capacidade de investimento e gestão profissional. Para Rodrigues, a captação de recursos via torcedores, sem um controle efetivo e sem garantias robustas, pode se tornar um ‘tiro no pé’, transformando o sonho em pesadelo financeiro para milhares de apaixonados.
Impactos da Decisão
As críticas de Sérgio Santos Rodrigues incidem diretamente sobre a sustentabilidade e a segurança financeira dos torcedores que se aventurarem a investir no SAFiel. Ele argumenta que a promessa de participação acionária pode, na prática, não se traduzir em poder real de decisão sobre os rumos do Corinthians, especialmente se as cotas individuais forem pulverizadas entre muitos investidores. A diluição do poder de voto e a complexidade das assembleias gerais podem minar a influência que os torcedores-acionistas esperam exercer, criando uma falsa sensação de controle.
Um dos pontos mais contundentes levantados por Rodrigues é a falta de segurança para o dinheiro do torcedor. Em um cenário onde a performance esportiva e a gestão financeira de um clube são altamente voláteis, investir em uma SAF com participação popular, sem um forte mecanismo de governança e proteção do capital, pode expor os pequenos investidores a perdas significativas. Ele alerta que, em vez de empoderar, tal modelo poderia ‘iludir o torcedor’, criando falsas expectativas de retorno financeiro ou de influência na gestão que dificilmente se concretizariam na realidade do futebol.
Para ilustrar seus temores, Rodrigues recorre ao caso do Fundo de Investimentos do Galo (FIGA), do Atlético-MG. O FIGA foi uma iniciativa que visava captar recursos de atleticanos para investir no clube, prometendo um retorno e uma forma de participação. Contudo, o projeto não obteve o sucesso esperado. A arrecadação ficou aquém do previsto, e o fundo acabou se tornando um problema para o clube, exigindo a intervenção de figuras como o empresário Rubens Menin para reestruturar as finanças e honrar os compromissos. O FIGA, para Rodrigues, é a prova de que a paixão do torcedor nem sempre se traduz em um investimento seguro e rentável, e que a expectativa de retorno pode facilmente se frustrar diante da dura realidade do mercado esportivo e das dívidas acumuladas pelos clubes.
A Experiência do FIGA como Lição
O FIGA, lançado com grande entusiasmo, tinha como objetivo arrecadar fundos para o Atlético-MG e dar aos torcedores uma sensação de pertencimento e investimento direto. A promessa era de que os recursos seriam aplicados em áreas estratégicas do clube, com os investidores recebendo uma fatia dos lucros futuros. No entanto, a realidade se mostrou mais complexa. A dificuldade em atingir as metas de captação e a falta de um plano de gestão de longo prazo para o fundo levaram à sua inviabilidade. O episódio serve como um lembrete de que a boa intenção e a paixão não são suficientes para garantir a solidez de um modelo financeiro que depende da participação massiva e contínua de milhares de indivíduos.
Próximos Passos
Com as declarações de Sérgio Santos Rodrigues ecoando no ambiente corintiano, o debate em torno do SAFiel tende a se intensificar. O Conselho Deliberativo do Corinthians terá a responsabilidade de analisar a fundo a proposta, considerando não apenas o potencial de captação de recursos, mas também as salvaguardas necessárias para proteger os torcedores. Será crucial que o clube apresente um plano de governança transparente, com cláusulas claras sobre o poder de voto dos acionistas minoritários e, principalmente, com garantias sobre a segurança dos investimentos.
A decisão do Corinthians sobre o SAFiel poderá estabelecer um precedente importante para o futebol brasileiro. Caso o projeto avance, outros clubes podem considerar modelos semelhantes. No entanto, o alerta de Rodrigues e a experiência do FIGA reforçam a necessidade de cautela extrema. A paixão do torcedor, embora seja um ativo inestimável, não deve ser explorada sem a devida proteção e sem um plano de negócios sólido que minimize os riscos e maximize as chances de sucesso, tanto para o clube quanto para seus investidores-torcedores.
É esperado que, nas próximas semanas, o Corinthians promova audiências públicas ou sessões de esclarecimento para discutir o SAFiel com a torcida e com os conselheiros. A transparência será fundamental para construir a confiança necessária para um projeto dessa magnitude. O futuro do Corinthians e o modelo de sua possível SAF com participação de torcedores prometem ser um dos temas mais quentes e observados do futebol nacional, com os olhos atentos não apenas dos alvinegros, mas de todo o cenário esportivo e financeiro do país.
Fonte:
UOL Esporte – Ex-presidente do Cruzeiro critica modelo da SAFiel: ‘É iludir o torcedor’. UOL Esporte
