A audiência pública marcada pelo Ministério do Comércio da China (MOFCOM) para hoje, 31 de outubro de 2025, no caso antidumping contra importações de carne suína e subprodutos da União Europeia (UE), tornou-se um laboratório de gestão de riscos em meio à disputa comercial mais ampla entre Pequim e Bruxelas. Em setembro, a China aplicou direitos provisórios de 15,6% a 62,4% após decisão preliminar que apontou dumping e “dano material” à indústria local; a audiência desta sexta-feira serve para colher contribuições e sustentar (ou recalibrar) as alíquotas até a decisão final, prevista para 16 de dezembro de 2025. Para uma leitura de centro, o foco não é “vencer” a guerra tarifária, mas diminuir os custos para produtores, trabalhadores e consumidores sem abrir mão de um comércio baseado em regras e evidências. Reuters+2Reuters+2
O pano de fundo é conhecido: em 2024, a Comissão Europeia concluiu uma investigação antissubsídios e impôs medidas definitivas sobre os veículos elétricos (BEVs) fabricados na China, dizendo-se aberta a undertakings (compromissos de preço) com exportadores individuais. A reação chinesa transbordou do setor automotivo para a mesa do jantar — conhaque e, agora, carne suína — elevando a temperatura política, o custo de transação e a incerteza para cadeias produtivas interdependentes. A audiência de hoje, ao circunscrever os temas a dumping, dano e nexo causal, sugere que Pequim quer manter a pressão sem sair do rito de defesa comercial, o que abre espaço para acordos calibrados se houver reciprocidade do lado europeu. European Commission+1
O que está em jogo — em números e fatos
Segundo a Reuters, a decisão preliminar chinesa de 5 de setembro de 2025 fixou depósitos de garantia para exportadores da UE, afetando um comércio anual avaliado em mais de US$ 2 bilhões. Empresas que cooperaram com a investigação — muitas na Espanha, Dinamarca e Holanda — ficaram nas faixas de 15,6% a 32,7%; as demais, no teto de 62,4%. Para a UE, o mercado chinês responde por uma fatia relevante das vendas externas de suínos, em especial de miúdos (orelhas, focinhos, pés e vísceras), itens com pouco escoamento alternativo e alta demanda no consumo chinês. Isso explica por que a medida tem efeito desproporcional sobre margens e fluxo de caixa de frigoríficos e produtores europeus, e por que a audiência de hoje atraiu participação diversa — de indústrias, importadores e governos locais. Reuters+1
A importância dos miúdos é, muitas vezes, subestimada no debate público. Dados setoriais indicam que eles compõem boa parte do mix exportado para a China, e análises de mercado lembram que esse comércio “fecha a conta” da carcaça na UE. Não por acaso, reportagens especializadas e notas de bancos setoriais apontam que mais de metade das vendas europeias para a China, em determinadas janelas, é de offal — segmento agora diretamente atingido pela tarifa provisória. Em outras palavras, a audiência não discute apenas cortes “nobres”, mas uma engrenagem que sustenta competitividade, preço ao consumidor e renda rural. Reuters+2thepigsite.com+2
Uma leitura de centro: princípios e prioridades
A ótica centrista parte de três premissas:
- Regras importam — e devem ser acionadas com critério. Medidas de defesa comercial são legítimas quando baseadas em prova robusta e proporcionais ao dano; o objetivo é corrigir distorções, não reconfigurar cadeias por retaliação. No caso presente, é razoável que a China acione instrumentos previstos, assim como é legítimo que a UE questione metodologias e busque revisão técnica — de preferência no marco multilateral (OMC) e por diálogo técnico direto. Reuters
- Custo social mínimo. As tarifas são impostos implícitos que tendem a recaír sobre elos mais frágeis — trabalhadores de frigoríficos, pequenos e médios produtores, consumidores de renda mais baixa. A boa política visa minimizar dano agregado: previsibilidade para quem produz, abastecimento estável e preços acessíveis para quem consome. AP News
- Destravar, não escalar. Em disputas cruzadas (EVs x agro), negociar compromissos de preço e quotas tarifárias específicas, com cláusulas de revisão automática e monitoramento independente, costuma entregar resultados melhores do que ciclos de retaliação. A própria Comissão Europeia, ao taxar BEVs, registrou abertura a undertakings; é coerente estender a solução técnica ao caso dos suínos. European Commission
Impactos na UE — e o que fazer
Os países mais expostos — Espanha, Dinamarca e Holanda — veem risco de estoques de miúdos sem escoamento externo, queda de preços domésticos e aperto nas margens, o que penaliza sobretudo agentes com menor poder de barganha. Ao mesmo tempo, há evidências de que exportadores não europeus tentam ocupar espaço, do Brasil à Rússia, aproveitando a janela aberta pela incerteza regulatória. Uma resposta centrada no pragmatismo poderia combinar: (a) diversificação de mercados para offal, (b) gestão de risco privado (hedge, seguros de crédito e pools logísticos) e (c) atuação diplomática para TRQs (quotas com tarifas reduzidas) aplicadas a miúdos, com gatilhos de suspensão quando preços na China superarem patamares críticos de consumo. Reuters+1
No nível comunitário, a UE pode direcionar apoios horizontais (não setoriais) de curto prazo — crédito para capital de giro e linhas de exportação —, condicionados a transparência de custos e melhorias sanitárias e ambientais. O objetivo não é “escolher vencedores”, mas reduzir fricção e ganhar tempo enquanto se busca uma solução técnica com o MOFCOM. Do lado regulatório, a convergência sanitária e o reconhecimento mútuo de certificados podem dar eficiência imediata sem diluir padrões — e, ao contrário de tarifas, baixam custo de transação em caráter estrutural. Agriculture and rural development
E a China — segurança do consumidor e previsibilidade
Para Pequim, o desafio é equilibrar defesa comercial com segurança alimentar e bem-estar do consumidor. A carne suína tem peso cultural e nutricional no país; tarifas elevadas sobre offal podem pressionar cestas de consumo populares. A solução centrada em dados é proporcionalidade: calibrar alíquotas por empresa conforme colaboração e custos verificáveis; aceitar undertakings de preço auditados por terceiros; e admitir TRQs temporárias para itens de maior sensibilidade social, como certos miúdos. A audiência de hoje, ao limitar a agenda a tópicos técnicos, sugere que existe margem de ajuste sem que nenhuma das partes “perca a face”. Global Times+1
EVs x Agro: vasos comunicantes, mas dossiês distintos
É tentador “trocar” concessões entre EVs e agro, mas uma abordagem de centro recomenda separar dossiês e alinhar instrumentos. Nos automóveis, a Comissão afirma ter identificado subsídios nocivos; no agro, a China diz ver dumping. Em ambos, o antídoto é semelhante: medidas calibradas, temporárias e com revisão — e undertakings quando for possível estabelecer tetos de preço consistentes com custos. Ao mesmo tempo, misturar dossiês pode politizar excessivamente as tratativas e atrasar soluções técnicas onde elas são viáveis. Uma saída equilibrada é avançar em paralelo: painéis e compromissos no caso BEV, e TRQs/undertakings no caso pork, com monitoramento independente. European Commission
O que pode sair da audiência — cenários e trade-offs
Cenário 1: Manter tarifas provisórias até dezembro
Garante pressão de barganha e previsibilidade regulatória mínima, mas prolonga incerteza e custo para consumidores chineses e exportadores europeus. Reuters
Cenário 2: Recalibrar por empresa
Premia colaboração e ajusta alíquotas a custos auditáveis, reduzindo dano agregado sem abdicar do instrumento de defesa comercial. Reuters
Cenário 3: Abrir via política técnica
Negociar undertakings e TRQs focadas em miúdos, com gatilhos automáticos vinculados a preços internos e indicadores de abastecimento. É a rota mais aderente ao pragmatismo centrista: reconhece o direito de defesa comercial, mas ancora decisões em dados, proporcionalidade e revisões programadas. European Commission
Em última análise, a audiência de hoje é uma oportunidade de transformar uma escalada em ponto de inflexão. As partes conhecem as ferramentas: painéis na OMC, undertakings, TRQs, recalibragem por empresa, transparência de custo e harmonização sanitária. O que falta é priorizar previsibilidade e custo social mínimo no curto prazo, enquanto se discutem reformas estruturais (competitividade industrial na UE; produtividade e governança de risco alimentar na China) no médio prazo.
Em tempos de cadeias globais tensas, a melhor “vitória” não é uma tarifa mais alta, mas um acordo verificável que reduza ruído, preserve emprego e renda nas duas pontas e devolva ao comércio o que ele tem de mais valioso para a sociedade: preço estável, oferta segura e inovação ancorada em regras claras. Reuters
Fontes
Reuters – China to hold hearing on anti-dumping probe into EU pork on October 31. Reuters
Reuters – China slaps preliminary duties on EU pork imports. Reuters
AP News – China to impose preliminary anti-dumping duties on pork from EU. AP News
European Commission – EU imposes duties on unfairly subsidised electric vehicles from China. European Commission
Global Times – MOFCOM to hold hearing on anti-dumping probe into EU pork. Global Times
China Daily – China imposes preliminary duties on EU pork imports. China Daily
Reuters – China delays decision in EU pork import case amid EV tariff talks. Reuters
Reuters – China’s retaliatory tariffs squeeze EU pork producers. Reuters
