O Oriente Médio, um caldeirão perene de tensões geopolíticas, vive nas últimas horas uma escalada de crises que se entrelaçam e se retroalimentam, testando os limites da diplomacia global e expondo fissuras profundas entre aliados ocidentais. De Roma a Paris, passando por Viena e pelas cidades sitiadas da Palestina, uma série de eventos dramáticos convergiu para colocar o governo de Israel sob a mais intensa pressão internacional dos últimos meses. A declaração da Primeira-Ministra italiana, Giorgia Meloni, de que as ações militares israelenses em Gaza estão “além do princípio da proporcionalidade”, não é um fato isolado, mas sim o sintoma mais recente de um crescente mal-estar europeu. Este desconforto se manifesta em um momento perigosamente volátil, marcado por ameaças diretas ao chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em meio ao impasse nuclear com o Irã, uma escalada de violência na Cisjordânia ocupada e uma crise de fome em Gaza que as agências humanitárias descrevem em tons apocalípticos. A complexidade do cenário é acentuada por um ríspido confronto verbal entre o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, revelando que a tradicional frente unida do Ocidente em relação a Israel está se tornando cada vez mais frágil e contestada.
O Eixo da Controvérsia: A Ofensiva em Gaza e a Reação Europeia
A faísca que incendiou a mais recente rodada de críticas partiu de uma análise contundente de Giorgia Meloni. Líder de um governo de direita e historicamente uma voz mais alinhada a Israel em comparação com outros líderes europeus, sua declaração carrega um peso significativo. Ao afirmar que a resposta militar de Israel em Gaza extrapolou os limites da proporcionalidade, Meloni ecoou sentimentos que vinham sendo expressos por ONGs e pela opinião pública, mas que agora ganham força no mais alto escalão do poder. Esta mudança de tom reflete uma crescente impaciência na Europa com a devastação humanitária na Faixa de Gaza. Relatórios de agências da ONU e monitores internacionais de fome pintam um quadro desolador de colapso social, com a população civil, especialmente crianças, enfrentando níveis catastróficos de insegurança alimentar.
A reação de Israel a essa crescente pressão tem sido de desafio. O pedido formal para que o Monitor Global da Fome, uma respeitada entidade internacional, retire seu mais recente e sombrio relatório sobre Gaza, foi visto por muitos diplomatas como uma tentativa de silenciar críticas e controlar a narrativa. Para o governo de Netanyahu, a guerra é uma questão existencial de autodefesa contra o Hamas, e qualquer crítica à sua condução é frequentemente enquadrada como um mal-entendido da ameaça que o país enfrenta ou, em casos mais extremos, como uma manifestação de antissemitismo.
É justamente essa última acusação que explodiu no diálogo entre Paris e Jerusalém. A alegação de Netanyahu de que o presidente Macron estaria “alimentando o antissemitismo” com suas críticas às operações militares israelenses provocou uma resposta imediata e irritada do Palácio do Eliseu. Macron, que tem enfrentado um aumento real de atos antissemitas na França, considerou a acusação infundada e contraproducente. Este embate público entre dois líderes de nações aliadas é mais do que uma simples discordância diplomática; ele sinaliza uma erosão da confiança e uma divergência fundamental sobre como equilibrar o direito de Israel à segurança com a proteção da vida civil palestina e o respeito ao direito internacional humanitário. A França, como outros países europeus, argumenta que uma crítica às políticas de um governo específico não pode e não deve ser confundida com antissemitismo, uma distinção que o governo de Netanyahu parece cada vez menos disposto a aceitar.
A Sombra Nuclear: A AIEA e o Jogo de Alta Pressão com o Irã
Enquanto a crise humanitária e diplomática se desenrola em torno de Gaza, uma outra frente de tensão, com potencial ainda mais destrutivo, aquece em Viena. O diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, foi colocado sob proteção policial especial após receber ameaças diretas. O fato ocorre em um momento crítico, com o prazo final para uma resolução sobre as sanções ao Irã se aproximando rapidamente. O programa nuclear iraniano, que Teerã insiste ter fins pacíficos, avançou significativamente nos últimos anos, e as negociações para reviver o acordo nuclear de 2015 (JCPOA) estão paralisadas.
Israel, que considera um Irã com capacidade nuclear uma ameaça existencial, tem sido o proponente mais vocal de uma linha dura contra Teerã. A retórica israelense tem variado entre a pressão diplomática e ameaças veladas de ação militar preventiva. Neste contexto, as ameaças contra o chefe da AIEA são vistas com extrema gravidade. Elas representam um ataque direto à integridade do sistema de monitoramento nuclear global e uma tentativa de intimidar a agência que serve como os “olhos e ouvidos” do mundo no Irã. Embora a origem das ameaças não tenha sido oficialmente divulgada, o momento e o contexto levam a especulações sobre os atores que se beneficiariam de um colapso no processo de verificação da AIEA. Para diplomatas em Viena, a situação eleva a temperatura de uma crise já perigosa, aumentando o risco de um erro de cálculo que poderia levar a um conflito direto com consequências imprevisíveis para a estabilidade global. A segurança de Grossi tornou-se um símbolo da fragilidade dos esforços para conter a proliferação nuclear através da diplomacia em um ambiente de hostilidade extrema.
O Outro Front: Violência Crescente na Cisjordânia Ocupada
Longe dos holofotes da crise em Gaza, a situação na Cisjordânia continua a se deteriorar em um ciclo de violência de baixa intensidade, mas constante e letal. O recente ataque das forças israelenses à cidade de Nablus, um centro de militância palestina, que deixou dezenas de feridos, é um microcosmo da dinâmica em jogo. Essas incursões, que o exército israelense justifica como operações de contraterrorismo, são vistas pelos palestinos como uma forma de punição coletiva e uma afirmação do controle militar sobre suas vidas.
A violência não se limita às ações militares. Há um aumento acentuado nos ataques de colonos israelenses contra civis palestinos e suas propriedades, muitas vezes com a aparente complacência ou proteção limitada das forças de segurança israelenses. Este ambiente de insegurança e atrito constante alimenta o ressentimento e fortalece grupos militantes, criando um ciclo vicioso que mina qualquer perspectiva de uma solução pacífica. Para a Autoridade Palestina, que tem controle administrativo limitado sobre áreas da Cisjordânia, cada incursão israelense e cada ato de violência de colonos enfraquece ainda mais sua legitimidade e sua capacidade de governar. A escalada em Nablus serve como um lembrete sombrio de que, mesmo que os combates em Gaza cessem, as causas profundas do conflito permanecem ativas e inflamadas na Cisjordânia.
Conclusão: Um Ponto de Inflexão para Israel e seus Aliados
As últimas horas consolidaram um cenário de isolamento crescente para o governo de Benjamin Netanyahu. A convergência da condenação moral pela crise humanitária em Gaza, o atrito diplomático com aliados europeus chave como Itália e França, e a perigosa escalada de tensões com o Irã colocam Israel em uma encruzilhada estratégica. Internamente, Netanyahu enfrenta uma pressão imensa de uma sociedade traumatizada e dividida. Externamente, o capital de solidariedade internacional, que foi significativo após os ataques do Hamas, está se esgotando rapidamente, sendo substituído por uma impaciência e uma repulsa pela escala da destruição na Palestina.
A fratura na frente ocidental não é apenas uma vitória diplomática para os adversários de Israel; ela complica os esforços para mediar um cessar-fogo duradouro, para planejar a reconstrução de Gaza e para reviver um caminho político para uma solução de dois Estados. Se a tendência de distanciamento entre Israel e seus parceiros europeus continuar, o governo israelense pode se encontrar cada vez mais dependente de um único aliado, os Estados Unidos, em um momento em que a própria política interna americana é volátil e imprevisível. O mosaico de crises das últimas horas não representa apenas mais um capítulo sangrento no conflito israelo-palestino; ele pode ser um ponto de inflexão, forçando uma reavaliação fundamental das políticas e alianças que moldaram o Oriente Médio por décadas. A questão que paira sobre a região é se essa reavaliação levará a um caminho de desescalada e diálogo ou a um abismo de conflito ainda mais amplo e perigoso.
