Tratado global visa intensificar o combate a fraudes e pornografia infantil, mas gera alarmes sobre vigilância e direitos humanos
Mais de 60 países, incluindo o Brasil, firmaram neste sábado (25) em Hanói, Vietnã, a inédita Convenção das Nações Unidas contra o Cibercrime, um acordo que representa o primeiro marco jurídico global desenhado para prevenir e combater uma vasta gama de crimes digitais. O tratado, que busca fortalecer a cooperação internacional contra delitos como fraudes cibernéticas e pornografia infantil, é recebido com grande expectativa por governos, mas enfrenta duras críticas de empresas de tecnologia e grupos de direitos humanos, que alertam para potenciais riscos de vigilância estatal e repressão a opositores políticos e ativistas.
Contexto
As negociações para a criação de um tratado internacional sobre cibercrime remontam a 2017, impulsionadas pela crescente sofisticação e globalização das ameaças digitais. A Organização das Nações Unidas (ONU) liderou os esforços para preencher uma lacuna legal que dificultava a ação coordenada entre nações no enfrentamento a criminosos que operam além das fronteiras físicas. A necessidade de um instrumento legal unificado tornou-se evidente à medida que o volume e a complexidade dos ataques cibernéticos e crimes digitais disparavam.
O objetivo central da Convenção das Nações Unidas contra o Cibercrime é estabelecer normas comuns para a investigação e persecução de crimes cibernéticos, facilitar a troca de informações e a assistência mútua entre os países. Segundo a diretora-executiva do UNODC, Ghada Waly, “o cibercrime não conhece fronteiras e exige uma resposta global unificada”, conforme comunicado da agência. A convenção abrange desde crimes de conteúdo, como a já mencionada pornografia infantil, até crimes relacionados a dados e sistemas, como ataques cibernéticos e fraudes financeiras digitais.
A participação do Brasil na assinatura do tratado foi confirmada pela presença do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, o que ressalta o engajamento do país na luta contra o cibercrime. A delegação brasileira demonstrou a importância que o governo atribui à cooperação internacional para proteger seus cidadãos e infraestruturas digitais, conforme noticiado pela Agência Brasil. A assinatura por mais de 60 países (algumas fontes citam 65) demonstra um amplo consenso sobre a urgência de um pacto global, apesar das controvérsias.
A Longa Jornada para um Acordo Global
O processo de elaboração do tratado foi marcado por intensos debates, refletindo as complexidades de harmonizar diferentes sistemas jurídicos e visões sobre direitos digitais e segurança. Desde o início das discussões na ONU, foram levantadas preocupações sobre como equilibrar a necessidade de combater o crime com a proteção da privacidade e da liberdade de expressão. Este equilíbrio delicado pautou muitas das sessões de negociação e continua a ser um ponto de discórdia.
Impactos da Decisão
A nova Convenção da ONU contra o Cibercrime promete ter impactos significativos em diversas esferas. Do ponto de vista governamental, ela oferece um arcabouço para que as forças de segurança e sistemas judiciais possam atuar de forma mais eficaz em casos transnacionais, o que é crucial para desmantelar redes criminosas globais. A padronização de procedimentos e a facilitação da extradição de criminosos cibernéticos são vistas como avanços fundamentais, conforme defendido pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, em seus discursos.
No entanto, a convenção tem sido alvo de duras críticas por parte de empresas de tecnologia e grupos de direitos humanos, que expressam sérias preocupações. A principal crítica reside na falta de salvaguardas explícitas e robustas para a proteção dos direitos humanos e da privacidade digital. Deborah Brown, pesquisadora da Human Rights Watch, afirmou que “o tratado carece de garantias essenciais para evitar abusos”, alertando para o risco de que governos autoritários possam usar o acordo como pretexto para vigilância estatal excessiva e repressão a opositores e jornalistas.
O setor privado de tecnologia, por sua vez, manifesta preocupações sobre as exigências de compartilhamento de dados e os potenciais custos de conformidade. Sabhanaz Rashid Diya, do Tech Global Institute, e Nick Ashton-Hart, do Tech Accord on Cybersecurity, apontam para a possibilidade de que as ambiguidades do texto permitam interpretações que forcem empresas a comprometer a segurança de seus usuários ou a ceder dados sem o devido processo legal, impactando a inovação e a confiança no ambiente digital. A Folha de S.Paulo destacou essas críticas de grupos da sociedade civil e da indústria.
Divergências e Alertas sobre a Vigilância
A falta de definições claras para certos crimes cibernéticos e a ampla discricionariedade concedida aos estados na interpretação e implementação da convenção são pontos de grande tensão. Críticos argumentam que essa flexibilidade pode ser explorada para silenciar dissidência ou monitorar cidadãos sob o pretexto de combate ao crime, especialmente em países com histórico de violações de direitos humanos. O debate sobre como equilibrar a segurança digital com as liberdades individuais continuará sendo um tema central.
Próximos Passos
A assinatura da Convenção das Nações Unidas contra o Cibercrime é apenas o primeiro passo. Para que o tratado entre em vigor e tenha força legal em cada país signatário, ele precisará passar por um processo de ratificação interna, que pode variar significativamente de uma nação para outra. Este processo envolve a aprovação por legislativos nacionais e a incorporação de suas diretrizes nas leis domésticas, um caminho que pode ser longo e complexo.
Após a ratificação, o grande desafio será a implementação prática da convenção. Isso inclui o desenvolvimento de novas capacidades técnicas e jurídicas nos países para investigar e processar crimes cibernéticos de acordo com as novas normas, bem como a construção de canais eficazes para a cooperação internacional. A harmonização das legislações nacionais com o tratado será crucial para evitar conflitos de jurisdição e garantir uma resposta coesa ao cibercrime global.
Os próximos passos também envolverão um monitoramento contínuo por parte da sociedade civil e de organismos internacionais para garantir que a convenção seja aplicada de forma consistente com os princípios dos direitos humanos e do Estado de Direito. Espera-se que haja debates e discussões contínuas sobre a interpretação de suas cláusulas e a necessidade de possíveis emendas ou protocolos adicionais para abordar novas formas de cibercrime ou refinar as salvaguardas existentes. O diálogo entre governos, setor privado e sociedade civil será fundamental para moldar o futuro do combate ao crime digital.
Fonte:
Example.com – Saúde, IA e Revolução. Example.com
Folha de S.Paulo – Brasil assina tratado da ONU contra cibercrime criticado por grupos de direitos humanos. Folha de S.Paulo
Agência Brasil – Brasil assina Convenção da ONU para combate a crimes cibernéticos. Agência Brasil
UNODC Brasil – Convenção das Nações Unidas contra o Crime Cibernético: aberta para assinatura em Hanói, Vietnã. UNODC Brasil
