ANP libera formulação, movimentação e comercialização de combustíveis na Refit, mas mantém torre de destilação interditada, gerando alertas sobre riscos regulatórios e de segurança por parte do Instituto Combustível Legal.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) surpreendeu o mercado de combustíveis e as entidades de fiscalização neste sábado, 25 de outubro de 2025, ao anunciar a desinterdição parcial da Refinaria de Manguinhos (Refit), localizada no Rio de Janeiro. A decisão permite à empresa retomar operações cruciais de formulação de combustíveis, movimentação e comercialização, um movimento que busca reativar a participação da Refit no cenário nacional. Contudo, o alívio para a refinaria foi mitigado pela manutenção da interdição da torre de destilação, coração das operações primárias de refino, e, de forma mais veemente, pela imediata e forte manifestação de preocupação por parte do Instituto Combustível Legal (ICL). O ICL publicou uma nota expressando sérias ressalvas quanto à medida da ANP, apontando para potenciais riscos regulatórios, fiscais e de segurança, além de questionar a coerência da decisão em face de exigências técnicas supostamente não totalmente cumpridas e do histórico complexo da refinaria.
Contexto
A Refinaria de Manguinhos, conhecida como Refit, tem um histórico marcado por controvérsias e desafios regulatórios. Sua interdição original, imposta pela ANP, decorreu de uma série de inconformidades técnicas e operacionais que levantaram preocupações sobre a segurança das instalações e a qualidade dos produtos. Mais especificamente, a agência reguladora investigava, entre outras questões, a suspeita de importação irregular de combustíveis, uma prática que distorce o mercado, prejudica a concorrência leal e pode acarretar sérios riscos fiscais e de segurança para o consumidor final e para o meio ambiente.
Desde então, a refinaria permaneceu inativa em suas operações essenciais de refino e, consequentemente, impedida de comercializar seus produtos em larga escala. Esse período de interdição gerou impactos significativos, não apenas para a própria empresa e seus funcionários, mas também para o mercado de combustíveis, que, embora resiliente, observa com atenção a movimentação de grandes players e a capacidade de produção nacional. A ausência da Refit, mesmo que não seja um gigante do setor, contribui para um cenário onde a oferta pode ser mais sensível a variações, e o ambiente competitivo se altera.
A decisão da ANP de desinterditar parcialmente a Refit neste sábado é, portanto, um marco importante nesse longo processo. Ela sinaliza que a agência avaliou que certas condições foram atendidas pela refinaria, permitindo a retomada de atividades específicas. No entanto, a persistência da interdição da torre de destilação sugere que as inconformidades mais graves, que afetam a capacidade primária de processamento de petróleo bruto, ainda não foram totalmente resolvidas ou não atenderam aos rigorosos padrões exigidos pela fiscalização. Este cenário complexo cria um terreno fértil para debates e divergências sobre o equilíbrio entre a reativação econômica e a observância estrita das normas regulatórias.
O Passado Recente da Refinaria
A história da Refit é entrelaçada com idas e vindas regulatórias e judiciais. As acusações de irregularidades na importação e na qualidade dos combustíveis não são novidade, tendo sido objeto de várias investigações ao longo dos anos. Esses episódios contribuíram para a construção de uma imagem de empresa frequentemente em desacordo com as normativas. A ANP, como principal órgão regulador do setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis no Brasil, tem o mandato de garantir a segurança operacional, a proteção ambiental e o abastecimento nacional, o que justifica sua postura rigorosa em casos de não conformidade.
A interdição da refinaria, em seu momento, foi vista como uma medida drástica, mas necessária, para endereçar as graves falhas identificadas. O processo de desinterdição, por sua vez, exige um plano de ação robusto por parte da empresa, com investimentos em melhorias e a comprovação de que as exigências técnicas e de segurança foram devidamente cumpridas. A parcialidade da liberação atual indica que, embora progressos tenham sido feitos em algumas áreas, outras, consideradas críticas, ainda demandam atenção e adequação.
Impactos da Decisão
A desinterdição parcial da Refit pela ANP tem implicações multifacetadas para o setor de combustíveis no Brasil. Do ponto de vista operacional, a liberação para formulação de combustíveis, movimentação e comercialização significa que a Refit pode voltar a atuar como uma agente de mercado, embora limitada em sua capacidade de refino integral. Isso pode representar um aumento na oferta de produtos formulados, potencialmente impactando a dinâmica de preços e a concorrência regional, especialmente no Rio de Janeiro e em estados adjacentes.
No entanto, a decisão gerou uma forte reação por parte do Instituto Combustível Legal (ICL), uma entidade que atua na defesa da legalidade e da ética no setor. O ICL manifestou sua profunda preocupação com a liberação da refinaria, sublinhando que a medida pode abrir precedentes perigosos e comprometer a integridade do mercado. Segundo o instituto, a decisão levanta sérias dúvidas sobre o cumprimento integral das exigências técnicas que levaram à interdição inicial da refinaria e sobre a real capacidade da Refit de operar em conformidade com as normas vigentes, dadas as graves irregularidades anteriores e a permanência da interdição da torre de destilação.
As preocupações do ICL não se limitam apenas aos aspectos técnicos e de segurança. A entidade alerta para riscos regulatórios e fiscais que podem surgir dessa desinterdição. A potencial “brecha” na fiscalização ou a flexibilização das exigências, mesmo que em caráter parcial, pode, na visão do instituto, ser interpretada como uma incoerência na política de combustíveis do país, incentivando outras empresas a desrespeitar normas na expectativa de futuras anistias ou liberações condicionadas. “A liberação da Refit acende um alerta para riscos regulatórios, fiscais e de segurança”, afirmou o ICL em nota, indicando que a decisão da ANP pode ter consequências de longo prazo para a credibilidade do setor.
A Posição da ANP e os Argumentos do ICL
Embora a ANP não tenha detalhado publicamente todas as condições que levaram à desinterdição parcial, a praxe regulatória sugere que a agência avaliou um plano de remediação e verificou o cumprimento de algumas etapas. A liberação de atividades como formulação e comercialização indica que a ANP considera que a Refit tem condições de operar nessas áreas específicas sem comprometer a segurança ou a qualidade dos produtos que chegarão ao consumidor, desde que observadas as limitações impostas pela torre de destilação ainda inoperante.
Por outro lado, o Instituto Combustível Legal (ICL) argumenta que a ANP não deveria ter cedido à pressão ou liberado as operações sem a garantia total de que todas as falhas sistêmicas foram corrigidas. O ICL enfatiza o histórico da Refit, com repetidas violações, como um fator que deveria exigir um crivo ainda mais rigoroso. As preocupações fiscais se baseiam no risco de que a empresa, com seu histórico de supostas importações irregulares, possa reincidir em práticas que lesam a arrecadação e prejudicam o mercado. Já os riscos de segurança, além das operações da própria refinaria, estendem-se à cadeia de distribuição e ao consumidor final, caso os produtos comercializados não atendam aos padrões.
Impacto no Mercado e Percepção Regulatória
A retomada das operações da Refit, mesmo que parcial, é vista com cautela pelos analistas de mercado. Se por um lado a injeção de mais combustível pode aumentar a competição e, teoricamente, beneficiar os consumidores com preços mais competitivos, por outro, a sombra das preocupações regulatórias e de segurança levantadas pelo ICL pode gerar instabilidade e desconfiança. Profissionais do setor de petróleo e gás, investidores e distribuidores acompanharão de perto o desdobramento dessa situação.
A percepção da atuação da ANP também está em jogo. A agência, que sempre primou por uma imagem de rigor e imparcialidade, agora enfrenta o desafio de justificar sua decisão diante das críticas do ICL e de garantir que a parcialidade da desinterdição não se traduza em falhas futuras. A capacidade da ANP de manter o equilíbrio entre fomentar a atividade econômica e garantir a estrita observância das normas será um ponto central nos próximos meses.
Próximos Passos
Com a desinterdição parcial efetivada, a Refinaria de Manguinhos (Refit) deverá focar na reativação das operações permitidas, como a formulação de combustíveis e a comercialização. Isso implica na mobilização de equipes, na revisão de processos e na garantia de que a logística para movimentação de produtos esteja em plena conformidade. A refinaria terá o desafio de restabelecer sua reputação no mercado e de demonstrar, na prática, seu compromisso com as normativas da ANP.
Do lado da fiscalização, o Instituto Combustível Legal (ICL) provavelmente manterá sua vigilância ativa. É esperado que o ICL continue a monitorar as operações da Refit e a pressionar a ANP para que haja total transparência sobre as condições da desinterdição e para que sejam garantidos todos os requisitos de segurança e regulatórios. A entidade pode, inclusive, buscar canais adicionais para expressar suas preocupações, como instâncias governamentais ou mesmo o judiciário, caso entenda que há riscos iminentes ou falhas na supervisão.
Para a ANP, os próximos meses serão cruciais para reafirmar sua autoridade e credibilidade. A agência deverá intensificar a fiscalização sobre a Refit para assegurar que as operações liberadas estejam em estrita conformidade e que nenhuma nova irregularidade surja. Além disso, a ANP terá que continuar acompanhando o processo de adequação da torre de destilação, cuja interdição permanece, para que, em um futuro momento, uma eventual desinterdição total possa ser realizada com total segurança e amparo regulatório. A transparência nos processos e a comunicação clara com o mercado e com a sociedade serão essenciais para mitigar as preocupações levantadas.
O Cenário de Mercado e a Resposta Setorial
O mercado de combustíveis, por sua vez, observará atentamente os desdobramentos. A entrada ou o retorno de um player como a Refit, mesmo que de forma parcial, pode alterar as estratégias de outras distribuidoras e postos de combustível. Haverá uma análise contínua sobre a qualidade e a origem dos produtos formulados pela Refit e o impacto nos preços. A confiança dos consumidores e dos agentes econômicos na idoneidade do combustível comercializado será um fator determinante para o sucesso da retomada da refinaria.
A decisão da ANP também pode reacender o debate sobre a política regulatória do setor e a importância de um ambiente de negócios justo e com regras claras. A atuação de entidades como o ICL serve como um contrapeso importante, garantindo que as preocupações com a legalidade e a segurança não sejam relegadas a segundo plano em nome de interesses econômicos. O diálogo entre reguladores, empresas e entidades da sociedade civil será fundamental para construir um setor de combustíveis mais robusto e transparente no Brasil.
A incerteza sobre a total conformidade da Refit e a potencial reincidência em irregularidades manterão o tema em pauta, exigindo vigilância constante de todos os envolvidos e uma resposta ágil das autoridades regulatórias a quaisquer novos indícios de descumprimento. A expectativa é que este cenário estimule a busca por maior transparência e o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização, garantindo a proteção do consumidor e a integridade do mercado de combustíveis brasileiro.
Fonte:
G1/Globo – ANP desinterdita parcialmente a Refinaria de Manguinhos. G1/Globo
Valor Econômico/Globo – ICL diz que liberação de refinaria da Refit acende alerta para riscos regulatórios, fiscais e de segurança. Valor Econômico/Globo
Terra – ANP anuncia desinterdição parcial de refinaria Refit. Terra
