Filho, Ivo Herzog, reflete sobre cinco décadas de busca incessante pela verdade e o legado do jornalista assassinado pela ditadura militar, em meio à impunidade dos crimes de Estado.
Em 25 de outubro de 2025, o Brasil marca o triste cinquentenário do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, um crime brutal cometido por agentes da ditadura militar e cinicamente acobertado como suicídio. Em meio a essa efeméride, seu filho, Ivo Herzog, presidente do conselho do Instituto Vladimir Herzog, emerge como a voz principal da família, que há cinco décadas mantém uma luta ininterrupta por verdade e justiça. A reflexão de Ivo, ancorada em depoimentos recentes, busca não apenas honrar o legado do pai, mas também impulsionar o país a confrontar seu passado sombrio, combater a impunidade e edificar uma democracia plena, livre da repetição de erros históricos.
Contexto
O nome Vladimir Herzog tornou-se, ao longo das últimas cinco décadas, um símbolo incontestável da liberdade de imprensa e da resistência contra a opressão. Em 25 de outubro de 1975, Vlado, como era conhecido, diretor de jornalismo da TV Cultura, apresentou-se voluntariamente para depor nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) em São Paulo. O que deveria ser um depoimento transformou-se em tortura brutal, culminando em sua morte sob custódia do Estado.
A versão oficial, rapidamente divulgada pelos órgãos da ditadura militar, clamava que Herzog havia cometido suicídio. Contudo, as evidências e o clamor popular desmascararam a farsa. A imagem de seu corpo, divulgada pela própria ditadura, apresentava inconsistências claras com um suicídio por enforcamento, tornando-se um dos ícones da barbárie daquele período. Este evento desencadeou uma onda de comoção e protestos, solidificando Herzog como um mártir e catalisador da luta por direitos humanos e redemocratização no Brasil.
A reação da sociedade civil foi imediata e poderosa. O ato ecumênico realizado na Catedral da Sé, em São Paulo, dias após sua morte, reuniu milhares de pessoas de diferentes credos e ideologias, unidas na condenação do crime de Estado e na defesa da vida e da democracia. Este momento histórico é frequentemente citado como um divisor de águas na mobilização contra o regime militar, marcando um ponto de inflexão na resistência social e política.
A Gênese da Luta Familiar
Para a família Herzog, a tragédia de 1975 não significou o fim, mas o início de uma batalha incansável. Clarice Herzog, sua esposa, e os filhos, Ivo Herzog e André, desde então, dedicam suas vidas à busca pela verdade, justiça e memória. A fundação do Instituto Vladimir Herzog representa a institucionalização dessa luta, transformando a dor pessoal em um movimento coletivo pela defesa da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de imprensa.
Ivo Herzog, que tinha apenas nove anos quando seu pai foi assassinado, cresceu com a ausência e a injustiça. Sua vivência pessoal e a dedicação ao Instituto o tornam uma voz com experiência, especialidade e autoridade inquestionáveis para falar sobre o tema. As cinco décadas de luta ininterrupta da família, como ele ressalta, são um testemunho da persistência diante da negação e do esquecimento.
Impactos da Impunidade e a Busca por Justiça
Um dos legados mais dolorosos da ditadura militar no Brasil é a persistente impunidade para os crimes de Estado cometidos durante o regime. A Lei da Anistia de 1979, interpretada de forma a beneficiar tanto os perseguidores quanto os perseguidos, tem sido um obstáculo fundamental para a responsabilização criminal dos torturadores e assassinos. Essa ausência de punição, segundo Ivo Herzog, impede que o luto seja plenamente vivido e que as feridas do passado cicatrizem.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Ivo Herzog destacou que “Quando se perde alguém de forma injusta, o luto não se completa”, sublinhando a dimensão humana e emocional da falta de justiça. A ausência de responsabilização não afeta apenas as famílias das vítimas, mas toda a sociedade, ao não estabelecer claramente os limites entre o Estado de Direito e a barbárie, e ao deixar uma sombra de que tais crimes poderiam, um dia, se repetir.
Os impactos dessa impunidade estendem-se à construção de uma democracia plena. Sem o registro e o enfrentamento de seu passado sombrio, o Brasil corre o risco de perpetuar ciclos de violência e autoritarismo. A luta por justiça transicional – que inclui verdade, justiça, reparação e reformas institucionais – é vista pelo Instituto Vladimir Herzog e por defensores dos direitos humanos como essencial para a solidificação democrática e a garantia de que “os erros não se repitam”.
A Relevância da Memória para as Novas Gerações
Para Ivo Herzog e o Instituto, a transmissão da memória e do conhecimento sobre a ditadura militar e os crimes como o de seu pai é crucial para as gerações mais jovens. É por meio do conhecimento do passado que se constrói a capacidade crítica para identificar e combater ameaças à democracia no presente e no futuro. A história de Vladimir Herzog serve como um alerta constante sobre a importância da vigilância democrática e da defesa da liberdade de imprensa como pilares de uma sociedade justa.
A persistência da família Herzog em manter viva a memória de Vlado e a busca por justiça, mesmo após cinco décadas, demonstra a convicção de que a história precisa ser contada de forma completa e honesta. É um esforço contínuo para que o Brasil não caia no esquecimento e possa, de fato, se reconciliar com seu passado, estabelecendo as bases para um futuro mais justo e igualitário.
Próximos Passos
A luta da família Herzog e do Instituto Vladimir Herzog pela verdade e justiça está longe de terminar. Mesmo com o passar do tempo, a determinação em honrar o legado de Vlado permanece inabalável. Os “próximos passos” para essa causa envolvem a contínua promoção de debates, a educação sobre o período da ditadura e a pressão pela revisão de leis que impedem a plena responsabilização.
Em uma conversa com Natuza, repercutida pelo G1/Globo, Ivo Herzog expressou a resiliência da família: “A gente nunca desiste”. Essa frase encapsula a essência de uma luta que transcende o tempo, impulsionada pela crença de que, eventualmente, o Brasil reconhecerá e reparará as injustiças do passado. O Instituto Vladimir Herzog continua ativo na defesa dos direitos humanos, na promoção da liberdade de imprensa e na disseminação da memória histórica.
A sociedade civil e organizações de direitos humanos seguem vigilantes quanto à necessidade de o Estado brasileiro cumprir recomendações internacionais que apontam para a responsabilização dos crimes da ditadura. A educação é vista como um dos caminhos mais eficazes para garantir que as novas gerações compreendam a importância da democracia e dos direitos fundamentais, evitando o ressurgimento de discursos e práticas autoritárias.
O legado de Vladimir Herzog e a resiliência de sua família servem como um farol para todos que acreditam na força da memória e na indispensabilidade da justiça para a construção de um futuro democrático. O cinquentenário de sua morte é mais do que uma data para relembrar; é um momento para reafirmar o compromisso coletivo com a verdade, a democracia e a incansável busca por um Brasil onde a impunidade não encontre guarida e os crimes de Estado sejam devidamente reconhecidos e punidos.
Fonte:
G1/Globo – A gente nunca desiste: filho de Vladimir Herzog fala da luta por justiça 50 anos depois do assassinato do pai. G1/Globo
Brasil de Fato – Quando se perde alguém de forma injusta, o luto não se completa, diz Ivo, filho de Vladimir Herzog em entrevista ao BdF. Brasil de Fato
