Nações Unidas exigem aumento drástico de comboios semanais para mitigar fome e deslocamento de 2,2 milhões, enquanto cessar-fogo avança com libertação de reféns e prisioneiros em meio a complexas negociações de paz
As Nações Unidas, por intermédio de seu subsecretário-geral para Assuntos Humanitários, Tom Fletcher, lançaram um apelo urgente nesta semana, destacando que a quantidade de ajuda humanitária atualmente permitida em Gaza sob o recente cessar-fogo é drasticamente insuficiente. O alerta, feito em entrevista à Reuters, enfatiza a necessidade de milhares de caminhões semanais para evitar uma catástrofe humana iminente no enclave devastado, onde a fome extrema e o deslocamento de 2,2 milhões de pessoas persistem, mesmo com a libertação de reféns e prisioneiros palestinos em curso.
Contexto
A Faixa de Gaza, um território costeiro densamente povoado, tem sido palco de uma guerra aérea e terrestre de dois anos entre Israel e o grupo militante palestino Hamas. Este conflito foi desencadeado por um ataque do Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de cerca de 1.200 pessoas e no sequestro de 251 indivíduos, levados como reféns para Gaza, conforme registros israelenses. A resposta militar israelense, por sua vez, levou à morte de mais de 67 mil pessoas em Gaza, segundo o Ministério da Saúde local, administrado pelo Hamas, e reduziu vastas faixas do território a um terreno baldio.
A escalada da violência teve como consequência o deslocamento de quase todos os 2,2 milhões de habitantes de Gaza de suas casas, criando uma crise humanitária de proporções alarmantes. Monitores globais apontam que a fome extrema assola particularmente o norte de Gaza. Diante desse cenário desolador, o mundo observava com expectativa a implementação de um acordo de cessar-fogo, mediado pelos Estados Unidos, que entrou em vigor na sexta-feira, 10 de outubro, com a promessa de alívio humanitário e troca de prisioneiros.
O acordo de trégua previu a libertação pelo Hamas de 48 reféns israelenses e estrangeiros ainda em seu poder. Em troca, Israel concordou em libertar 250 prisioneiros palestinos que cumprem prisão perpétua e 1.718 detidos da Faixa de Gaza, incluindo 15 menores de idade. Na segunda-feira, 13 de outubro, 20 reféns vivos foram entregues ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), marcando um passo inicial, porém limitado, na desescalada do conflito.
Impactos da Insuficiência da Ajuda
Apesar do cessar-fogo, o Subsecretário-Geral da ONU, Tom Fletcher, afirmou categoricamente que os 600 caminhões de ajuda autorizados por autoridades israelenses sob o acordo são uma “boa base”, mas “não o bastante para atender à escala da necessidade”. Ele ressaltou à Reuters que a quantidade atual “não chega nem perto dos milhares necessários semanalmente para amenizar o desastre humanitário instalado”. Há 190.000 toneladas métricas de provisões esperando nas fronteiras, prontas para serem entregues, consistindo em “alimentos e nutrição essenciais que salvam vidas”, segundo Fletcher.
A limitada entrada de ajuda tem impactos diretos na vida dos civis. Fletcher mencionou que a pilhagem de caminhões de ajuda, um “flagelo frequente durante os combates”, diminuiu drasticamente nos últimos dias devido ao aumento das entregas, ainda que insuficiente. Ele argumentou que “se você está recebendo apenas 60 caminhões por dia, pessoas desesperadas e famintas atacarão esses caminhões. A maneira de acabar com os saques é entregar ajuda em grande escala e fazer com que o setor privado e os mercados comerciais voltem a funcionar.”
Para ampliar a capacidade de resposta, Fletcher fez um apelo para que mais de 50 ONGs internacionais, como a Oxfam e o Conselho Norueguês de Refugiados, sejam autorizadas a operar em Gaza. Ele confirmou que a questão foi levada a Israel, aos Estados Unidos e a outros parceiros regionais, salientando: “Não podemos oferecer a escala necessária sem a presença e o envolvimento dessas organizações. Portanto, queremos que eles voltem a participar.” O subsecretário também recebeu com satisfação a oferta da Autoridade Palestina de atuar na reabertura da passagem de Rafah pela fronteira com o Egito para entregas de ajuda, prevista para quinta-feira, embora Israel tenha imposto um atraso relacionado à devolução de corpos de reféns mortos pelo Hamas.
Situação dos Reféns e Prisioneiros
O processo de troca de reféns e prisioneiros é um pilar do acordo de cessar-fogo. Na segunda-feira, o Hamas entregou ao CICV os 20 reféns vivos restantes, divididos em dois grupos. O primeiro grupo incluía Eitan Mor, Gali Berman, Ziv Berman, Omri Miran, Alon Ohel, Guy Gilboa-Dalal e Matan Angrest. O segundo grupo era composto por Bar Kupershtein, Evyatar David, Yosef-Chaim Ohana, Segev Kalfon, Avinatan Or, Elkana Bohbot, Maxim Herkin, Nimrod Cohen, Matan Zangauker, David Cunio, Eitan Horn, Rom Braslabski e Ariel Cunio, conforme declarado pelas autoridades israelenses.
Em contrapartida, Israel libertará 250 prisioneiros palestinos com prisão perpétua e 1.718 detidos. O Escritório de Imprensa dos Prisioneiros, administrado pelo Hamas, publicou as listas atualizadas dos nomes dos prisioneiros no domingo, 12 de outubro. Contudo, a imprensa israelense noticiou que figuras importantes como Marwan Barghouti e Ahmad Saadat, cuja libertação havia sido exigida pelo Hamas, não foram incluídas nas listas. Dos prisioneiros, cerca de 100 serão libertados na Cisjordânia ocupada, 15 em Jerusalém Oriental e 135 serão deportados para a Faixa de Gaza ou outros locais.
Um ponto de discórdia tem sido a entrega dos restos mortais dos reféns falecidos. Uma cópia do acordo de cessar-fogo publicada pela imprensa israelense previa a entrega de todos os restos até às 12 horas locais (6h em Brasília) do dia 10 de outubro. No entanto, o acordo também reconhecia a dificuldade do Hamas em localizar todos os corpos. Uma autoridade israelense declarou que uma força-tarefa internacional será estabelecida para localizar os restos não devolvidos, embora não se saiba se este atraso afetará a libertação dos prisioneiros palestinos.
Próximos Passos e Obstáculos
O cessar-fogo atual é visto como a primeira de três etapas do plano de paz proposto pelo ex-presidente americano Donald Trump. Antes da libertação dos reféns, as tropas israelenses se retiraram para uma linha que as deixou no controle de 53% da Faixa de Gaza. O plano de Trump prevê futuras retiradas, diminuindo o controle israelense para 40% e, posteriormente, 15%, mantendo um “perímetro de segurança” até que Gaza esteja protegida contra o ressurgimento de ameaças terroristas. Uma força multinacional de cerca de 200 soldados, supervisionada pelo exército dos Estados Unidos, monitorará o cessar-fogo, com a participação de soldados do Egito, Catar, Turquia e Emirados Árabes Unidos, embora nenhuma força dos EUA esteja em solo em Gaza.
O plano de 20 pontos de Trump estabelece que a guerra “terminará imediatamente” se ambas as partes concordarem, visando a desmilitarização da Faixa de Gaza e a destruição de toda a “infraestrutura militar, terrorista e ofensiva”. A governança inicial de Gaza seria por um comitê temporário de transição, composto por tecnocratas palestinos, supervisionados por um “Comitê da Paz” chefiado por Trump e com a participação de Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico. Eventualmente, o governo do território seria entregue à Autoridade Palestina, após reformas, sem participação direta ou indireta do Hamas, que administra a Faixa de Gaza desde 2007. Os membros do Hamas poderiam receber anistia caso se comprometessem com a coexistência pacífica ou passagem livre para outro país. Ninguém seria forçado a deixar Gaza, e aqueles que o desejassem poderiam retornar. Um painel de especialistas também criará um “plano de desenvolvimento econômico de Trump para reconstruir e energizar Gaza.”
Contudo, inúmeros obstáculos podem surgir nas negociações das próximas fases. O Hamas tem se recusado a depor suas armas sem o estabelecimento de um Estado palestino e não fez menção ao desarmamento em sua resposta inicial ao plano, sugerindo que sua posição não mudou. Além disso, apesar do apoio inicial de Israel ao plano de Trump, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, aparentemente recuou em relação ao envolvimento da Autoridade Palestina em Gaza pós-guerra, o que diverge da proposta americana. O Hamas, por sua vez, espera ter alguma participação futura em Gaza como parte de “um movimento palestino unificado.”
Outro ponto de tensão é a extensão da retirada das tropas israelenses. O plano de Trump é considerado vago sobre o cronograma para a retirada total de Israel, algo que o Hamas provavelmente buscará esclarecer. A prioridade imediata do Subsecretário-Geral Tom Fletcher para o sucesso de todos os esforços humanitários e de paz é a manutenção do cessar-fogo: “Precisamos de paz. Dessa forma, poderemos ampliar enormemente nossas operações. Precisamos que o mundo continue apoiando esse plano de paz.” A urgência da crise humanitária de 2,2 milhões de pessoas deslocadas e a fome extrema no norte de Gaza sublinham a necessidade crítica de ação imediata e coordenada.
Fonte:
Agência Brasil – Gaza precisa de aumento expressivo na ajuda humanitária, diz ONU. Agência Brasil
BBC News Brasil – Cessar-fogo em Gaza: o que sabemos até agora sobre o plano de Trump, reféns e prisioneiros. BBC News Brasil
