Uma coalizão de 35 ministros de Finanças, com protagonismo do Brasil, divulgou um relatório de 111 páginas que descreve como destravar US$ 1,3 trilhão por ano em financiamento climático até 2035. O documento propõe ajustes em ratings de crédito, seguros e no mandato dos bancos multilaterais de desenvolvimento (MDBs) para reduzir o custo de capital em países em desenvolvimento. O lançamento coincidiu com reuniões preparatórias em Brasília: houve avanço em métricas de progresso, inclusive para adaptação, mas sem acordo vinculante por ora. A versão final suavizou ambições de rascunhos anteriores e retirou a defesa explícita por US$ 250 bilhões/ano em financiamento concessional até 2035.
Contexto: de Baku a Belém, por que US$ 1,3 trilhão?
A meta de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 foi pedida aos “atores” públicos e privados pela decisão 1/CMA.6 no âmbito da ONU, e embala a Baku-to-Belém Roadmap, coordenada pelas presidências da COP29 (Azerbaijão) e COP30 (Brasil). O objetivo é dar arquitetura de implementação à ambição: mobilizar recursos de fontes públicas e privadas, incluindo subvenções e instrumentos não geradores de dívida, e criar espaço fiscal para países do Sul Global.
No lado brasileiro, o Ministério da Fazenda estruturou o Círculo de Ministros de Finanças da COP30, fórum que realizou consultas ao longo do ano com governos, reguladores e setor privado para alimentar o roteiro a ser apresentado em Belém. A iniciativa foi formalizada em abril e vem sendo atualizada com eventos técnicos e materiais de discussão.
O que o relatório propõe
O diagnóstico central é simples e duro: o custo de capital é o freio. Para enfrentá-lo, a coalizão lista medidas em quatro frentes interligadas:
- Ratings e risco: incentivar a precificação pelo risco do projeto (e não só pelo risco soberano), amparada por dados melhores, transparência e garantias capazes de reduzir spreads e alongar prazos;
- Seguros: ampliar pooling e retrocessão para baixar prêmios de seguro e cobrir melhor infraestrutura, agricultura resiliente e riscos climáticos extremos;
- MDBs: reorientar mandatos e carteiras para mobilizar capital privado (blended finance, first loss, garantias de crédito e de câmbio) com mais padronização contratual;
- Mercados de carbono: harmonizar padrões e reforçar integridade para criar uma trilha previsível de investimentos e receita em moeda forte para países florestais.
Em Brasília, delegações de mais de 70 países avançaram na definição de métricas de progresso, sobretudo em adaptação, mas sem martelo sobre um acordo final antes da COP30 — opção na mesa é anunciar pacotes menores com adesões graduais.
O que mudou do rascunho à versão final
Rascunhos de meio de ano sugeriam US$ 250 bilhões anuais em concessional até 2035. O texto final não repete a cifra, numa tentativa de ampliar consenso entre países com visões distintas sobre subsídios e capacidade fiscal. O recuo não encerra o tema: metas numéricas podem voltar no ciclo pós-COP30, calibradas por disponibilidade fiscal e apetite do setor privado.
Onde entram os MDBs — e qual é a linha de base
O esforço dialoga com um dado recente: os bancos multilaterais reportaram recorde de US$ 137 bilhões em financiamento climático em 2024, alta de 10% sobre 2023, com foco em economias de baixa e média renda e mobilização privada crescente. É avanço relevante, mas ainda distante da escala trilionária desejada — há um gap a preencher com eficiência, governança e padronização de riscos.
Viés de centro: pragmatismo, mensuração e previsibilidade
Uma leitura centrista evita ruído ideológico e mira entrega mensurável. Essa abordagem combina ambição com responsabilidade econômica, articulando setor público, reguladores e capital privado em três eixos:
1) Mensurar para destravar
O relatório e as reuniões em Brasília caminham para métricas mais sólidas, sobretudo em adaptação — área que historicamente sofre com indicadores fracos. A lógica centrista é atrelar desembolsos a KPIs auditáveis: vidas e ativos protegidos, redução de perdas econômicas em eventos extremos, MW resilientes entregues ao menor custo por tonelada de CO₂ evitada, empregos privados gerados e taxa interna de retorno pós-de-risco. Sem métrica comparável, não há escala nem accountability.
2) Concessional como gatilho, não bengala
Fundos concessionais são cruciais onde o mercado não chega — adaptação, natureza e transição justa. Mas, para projetos de mitigação com receitas previsíveis, o foco é reduzir risco via garantias, seguros e hedge cambial, atraindo capital privado a custo competitivo. Assim, o dinheiro público vira alavanca e não substituto permanente, preservando espaço fiscal e evitando dependência. Análises independentes recomendam blended finance, padrões de contratos e securitização como trilhos de escala.
3) Segurança jurídica e padronização
O centro valoriza regulação previsível e padronização (PPAs, concessões, performance bonds, disclosure climático) para encurtar prazos, reduzir litigância e permitir que a avaliação pelo risco do projeto não seja corroída por incerteza política. A agenda inclui janela única para licenças, interoperabilidade de dados climáticos e salvaguardas robustas para integridade de créditos de carbono.
Como o Brasil tenta costurar a ponte
A equipe brasileira — com Tatiana Rosito na articulação internacional e coordenação do Círculo de Ministros — tem defendido que ministros da área econômica são decisivos porque sentam nos conselhos dos MDBs e podem mexer em regras prudenciais e mandatos. A proposta é baratear o funding em países com custo de capital mais alto, criar plataformas-país para pipeline de projetos e alinhar políticas macro a regras de finanças sustentáveis.
Riscos e mitigação sob uma lente centrista
- Risco fiscal: empilhar promessas sem priorização pode estressar contas — a saída é filtro de custo-benefício e foco em alavancagem privada.
- Risco de execução: pipeline fraco e burocracia travam escala — a resposta é modelos replicáveis, contratos-tipo e cronogramas públicos.
- Risco de integridade: greenwashing mina confiança — o antídoto é padrões robustos, auditoria independente e transparência de dados.
- Risco macro/cambial: volatilidade encarece projetos — garantias e hedge apoiados por MDBs e fundos dedicados ajudam a travar custos.
O que observar até Belém
- Diretrizes operacionais para avaliação pelo risco do projeto (dados, disclosure e interoperabilidade).
- Pacote de garantias/seguros com metas de mobilização privada e critérios de adicionalidade.
- Métricas de adaptação comparáveis e vinculadas a desembolsos.
- Sinais de harmonização em mercados de carbono e salvaguardas socioambientais.
- Comunicação conjunta com cronogramas e metas verificáveis, mesmo que em pacotes modulares — opção viável na ausência de unanimidade.
Ao fim, a rota a US$ 1,3 trilhão/ano se sustenta se transformar diplomacia em redução de spreads, mais concorrência e pipeline bancável. É um teste de engenharia institucional e financeira, mais do que de slogans.
No balanço geral, o centro enxerga oportunidade de virada pragmática: usar o momento político da COP30 para consolidar reformas técnicas que reduzam o custo do dinheiro onde ele é mais alto, preservando espaço fiscal e maximizando adicionalidade do capital privado. Se Brasília conseguir costurar padrões, métricas e instrumentos que sobrevivam ao ciclo político, Belém pode marcar a passagem de promessas para contratos viáveis — com efeitos tangíveis em energia acessível, resiliência e emprego nos próximos anos.
Fontes
- Reuters – As Brazil readies for COP30 climate talks, finance ministers offer plan for $1.3 trillion in yearly finance. Reuters
- UNFCCC – Baku to Belém Roadmap to 1.3T (Decision 1/CMA.6; contexto e cronograma). UNFCCC
- Ministério da Fazenda (Brasil) – Brazil launches COP30 Circle of Finance Ministers (nota e PDF). gov.br
- EIB (com MDBs) – Multilateral development banks hit record USD137 billion in climate finance (2024). EIB
- Reuters – Development banks’ climate finance hit record $137 billion in 2024. Reuters
- Climate Policy Initiative – Advancing the Baku-to-Belém Climate Finance Roadmap. Climate Policy Initiative
